A IA chega sem cerimônias: o que restará aos MCs? 

Por Christian Müller Jung

Foto de Allie Reefer

Dizer que a chegada da Inteligência Artificial representa uma mudança no mercado de trabalho é chover no molhado. A essa altura, todos nós já fomos impactados, seja de maneira positiva ou negativa. De um lado, essa tecnologia é bem-vinda: facilita atividades e agiliza processos. De outro, transforma profissões, elimina algumas funções e cria novas.

Tenho me perguntado até onde a IA irá impactar a minha área: a de Mestre de Cerimônias. E, por consequência, o campo em que atuo em conjunto, o cerimonial e o protocolo.

Neste artigo, quero me concentrar apenas na figura do Mestre de Cerimônias.

Vamos lá.

A voz é um ponto crucial na atuação do MC. Ela funciona como uma identidade, quase como uma impressão digital. Lembro sempre daquele velho exemplo do lobo tentando se passar pela vovozinha para enganar a Chapeuzinho Vermelho. Não colou!

Acontece que a IA já consegue estudar nossas características e criar vozes muito convincentes. E aqui encontramos outra área impactada diretamente: locução e dublagem.

Ainda que a IA consiga replicar a voz com perfeição, falta-lhe entender as nuances humanas. As variações de tom estão diretamente ligadas ao que acontece no momento, ao ambiente, à emoção que surge ali, ao vivo, durante uma solenidade.

Além disso, a função de mestre de cerimônias exige percepção aguçada para ler o público. Na relação humana, conseguimos captar se um conteúdo agrada ou não, se a forma como atuamos está de acordo com o que o público espera. Muitas vezes, basta um olhar rápido para perceber. Claro que, pensando em tecnologia e no potencial de aprendizado da IA, é possível imaginar que, num futuro próximo, ela também consiga fazer essa leitura. Mas ainda não.

Outro ponto dessa tecnologia que poderia ser vantajoso — se é que podemos dizer assim — é que a IA não se cansa. É constante, não lida com exaustão, problemas pessoais ou variações de temperatura. Poderia ser utilizada em vários lugares ao mesmo tempo, eliminando conflitos de agenda. Além disso, seria uma opção interessante do ponto de vista de custo-benefício.

Porém, como toda tecnologia, está sujeita a falhas — assim como o microfone que não funciona, o vídeo que trava ou o gerador que falha bem na hora do evento. E isso é algo que já vivi algumas vezes.

Lembro do dia em que tivemos de conduzir uma solenidade sem equipamento de áudio, porque alguém teve a brilhante ideia de montar o palco ao lado de uma UTI do hospital. O evento aconteceu “a capela”.

Em eventos, especialmente no cerimonial público, a improvisação é constante. Falta de equipamento, mudanças de roteiro, alterações na ordem das falas. Coisas que fariam uma IA, mesmo na sua forma mais avançada, questionar em que ano realmente estamos. MC com Inteligência Artificial combina com ambientes totalmente programados, estruturados, preparados para o uso da tecnologia.

Tudo bem, vamos supor um universo perfeito. Ainda assim, acredito que existe algo que mantém os humanos em um patamar acima da IA: a nossa história de vida. Não somos escolhidos apenas por uma voz bonita ou pela clareza na dicção. Somos escolhidos também pelo que carregamos: experiências, memórias, sensibilidade. Moldados por nossos arquétipos.

Reagimos a partir do que vivenciamos. Sabemos, com precisão, o peso de uma perda, a alegria de um nascimento, a força silenciosa de um abraço ou o significado de olhos avermelhados prestes a deixar uma lágrima escorrer.

No meu ponto de vista, a IA não substituirá o Mestre de Cerimônias. Tornar-se-á, isso sim, um excelente assistente, sempre pronto a apoiar e aprender mais.

Existe algo poético no ser humano que nos torna insubstituíveis. Mesmo nossos defeitos e desvios nos fazem únicos. Por sermos falíveis, somos sensíveis, capazes de compreender algo fundamental na relação humana: a empatia.

A despeito de a tecnologia avançar, dar a impressão de que vai “comendo pelas beiradas”, como quem espera a sopa esfriar, nos cabe desenvolver o poder de adaptação e fortalecer as habilidades que nos diferenciam. Afinal, não é de hoje que novas tecnologias causam inquietação. O poeta Mário Quintana já nos alertava sobre um dispositivo essencial para a vida moderna:

“O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede: conheço um que já devorou três gerações da minha família.”

Christian Müller Jung é publicitário de formação e mestre de cerimônia por profissão. Colabora com o blog do Mílton Jung.

O microfone merece respeito

 

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O diabo sabe mais por velho do que por diabo —- o ditado que ouvi muitas vezes de meu pai, uso sem parcimônia, especialmente nesses tempos em que os colegas de redação já têm idade para serem meus filhos e a turma, às vezes, fica a espera de uma palavra mais madura e experiente —- o que não significa que seja apropriada. Mesmo que eu me entenda ainda como um jovem, disposto a novidades e desafios, sei da responsabilidade que é conviver com duas ou três gerações que vieram depois de mim.

 

O passar dos anos nos ensina nem que seja pela dor. Cometemos erros, tomamos puxão de orelha e passamos constrangimento; mas tudo isso pode ser pedagógico, se soubermos observar as situações enfrentadas e nos esforçarmos para mudar de comportamento.

 

Lembro de duas situações constrangedoras que vivenciei na apresentação de programas de rádio que me serviram de lição, as duas quando estive à frente do CBN São Paulo.

 

A primeira foi em 2007, durante entrevista com autoridade municipal que insistia em negar os fatos e os números que revelavam a precariedade do serviço prestado pela cidade. Fiquei incomodado com as respostas e fui agressivo nas perguntas. Perdi o controle da entrevista, bati boca com o entrevistado e fui punido pela crítica implacável da maior parte dos ouvintes.

 

Anos depois, estava diante de candidato ao governo de São Paulo, representante de um partido sem noção nem argumentos. Fiz perguntas que entendi pertinentes, que buscavam esclarecer as críticas que o político fazia a seus adversários e escancarar a sua falta de lógica e conhecimento. Mesmo que insistindo em algumas questões, jamais levantei a voz ou me excedi. Minha postura tirou o candidato do sério. Sentido-se acuado, reagiu como um animal: partiu para o ataque; levantou-se da cadeira; apontou o dedo em minha direção; ofendeu-me e, acredito até hoje, não foi às vias de fato porque me mantive impassível, sereno e sentado. A maior parte das mensagens que chegou a rádio foi de solidariedade e apoio a minha postura.

 

Na marra. Fazendo. Errando. Corrigindo. Pedindo desculpas. Eu aprendi. E das muitas coisas que aprendi uma delas é que na posição de jornalista —- especialmente diante de um microfone, em que nossa voz, opinião e comportamento são transmitidos em tempo real —- temos responsabilidade dobrada.

 

É preciso respeito ao entrevistado, sem ser subserviente; é preciso ser firme na busca da verdade, sem ser violento; temos obrigação de questionar, duvidar e cobrar; e quanto mais argumentos, dados e fatos tivermos em mãos, para contrapor, melhor. Gritar e ofender, jamais —- mesmo que seu entrevistado haja desta maneira. Se errar, peça desculpas. Seja humilde. Humildade não é vergonha, é virtude.

 

Entrevista não é boxe. É xadrez. Pede inteligência, sensibilidade e perspicácia. Jamais força e estupidez. Não tem lugar para a arrogância. É preciso senso de justiça, também. Deixar a entrevista encerrar para proferir uma crítica ao entrevistado é desonesto. Ele tem de ter o direito ao contraditório. Toda vez que criticar algo ou alguém, meça o peso de sua palavra e seja sincero, bem sincero, consigo mesmo: você teria coragem de fazer aquela crítica se estivesse diante da pessoa? Se não, não a faça longe dela. É covardia.

 

O microfone merece respeito. Porque é através dele que nos relacionamos com o cidadão — seja um entrevistado seja um colega seja um ouvinte. Respeitar o microfone é respeitar seu público e sua profissão.

 

Tem gente que nem por velho nem por diabo aprende a lição.

Valeu, Deva! Valeu, gente!

 

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Uma homenagem a Deva Pascovicci, colega de rádio CBN, que nos ensinou muito na passagem que teve em nossa redação.

 

Foi exemplar na maneira de transmitir as partidas, introduziu inovação tecnológica, valorizou a qualidade do som e fez da cobertura esportiva mais do que um simples show. Tratou o espetáculo com o respeito que o jornalista deve ter diante dos fatos sem se afastar da paixão que domina o torcedor. Equilibrou a abordagem séria exigida aos profissionais e o bom humor necessário para entreter o ouvinte.

 

Deva foi mais do que um profissional qualificado. Foi guerreiro. Encarou por duas vezes o câncer e não se abalou. Por vezes aparecia na redação pronto para soltar a voz mesmo que estivesse preso a medicamentos. Queria viver. Viveu de forma intensa. E esta será para sempre sua referência.

 

Aos 51 anos, morreu na tragédia aérea que abalou o País e chocou o Mundo. Deva deixou mulher e duas filhas, que precisarão do carinho e solidariedade de todos para seguirem em frente. Uma família que terá de se inspirar no exemplo deixado pelo pai e marido. E nosso amigo.

 

 

Na homenagem ao Deva, quero lembrar e me solidarizar com as famílias de todos os colegas de redação que morreram neste acidente.

 

O microfone está em luto por

 

Paulo Clement

 

Guilherme Marques

 

Ari de Araújo Jr.

 

Guilherme Laars

 

Giovane Klein Victória

 

Bruno Mauri da Silva

 

Djalma Araújo Neto

 

André Podiacki

 

Laion Espíndola

 

Victorino Chermont

 

Rodrigo Santana Gonçalves

 

Lilacio Pereira Jr.

 

Mário Sérgio

 

Renan Agnolin

 

Fernando Schardong

 

Edson Ebeliny

 

Gelson Galiotto

 

Douglas Dorneles

 

Jacir Biavatti