Como enfrentar o desafio da dengue

Por Augusto Licks

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Talvez algum dia nos livremos definitivamente do coronavírus da Covid-19. Talvez! Isso seria graças à gigantesca engenharia farmacêutica construída em velocidade sem precedentes desde o surgimento da pandemia. Para esse esforço pesaram decisivamente o contágio avassalador do SARS-Cov2 e a consequente ausência de fronteiras geográficas ou climáticas em sua disseminação. A vida em todo o planeta estava ameaçada. Empresarialmente, isso traduziu-se em uma demanda comercial por vacinas jamais vista, gerando uma verdadeira “corrida do ouro” entre os grandes laboratórios. 

Hoje, presenciamos o sucesso dessa vacinação, ainda que não inteiramente consolidado, e constatamos que ele se deve a um fator-chave, que era imprevisível no início das pesquisas com os imunizantes: a mutação relativamente lenta do vírus. Fosse como a AIDS, com mutações bem mais numerosas, não estaríamos com a mesma perspectiva otimista de agora, não haveria como o lento processo de vacinação dar conta de variantes bem mais frequentes. É o que torna muito difícil a produção de vacinas para a AIDS. Além disso, o vírus da AIDS não tem o mesmo poder de contágio do novo coronavírus, o que de certa forma relativiza a urgência por uma vacina. Nesse caso, a prevenção só é possível através de cuidados higiênicos, pessoais e médico-hospitalares. Sem isso, a AIDS seguirá existindo indefinidamente.

Outras doenças também seguem existindo, entre elas a dengue. Pergunta-se o porquê de não termos campanhas de vacinação para esse mal endêmico, afinal trata-se de um vírus com poucas mutações, existem somente 4 tipos, cada um com subvariantes.

Vacinas até existem, resultado de mais de duas décadas de pesquisas mas, apesar de avanços recentes, ainda paira incerteza sobre eficácia e efeitos colaterais. Empresarialmente, pesa o fato de que a dengue não tem contágio a não ser pela picada do Aedes aegypti, um mosquito que existe somente em algumas regiões do planeta, portanto longe de gerar uma demanda por vacinas como no caso da Covid-19. 

Outro complicador é o fato de que o Aedes aegypti não transmite apenas dengue mas também outras doenças como malária, zica, e chicungunha. Uma vacina que funcione apenas com uma das doenças e não com as outras certamente não é ideal, o que reforça a prioridade de combate ao mosquito que as transmite. 

Acontece que o país em que vivemos sofre imensamente com a recorrência dessas doenças, então qualquer vacina já ajudaria, por limitada que seja. Como agravante, a presença do Aedes não se restringe mais a regiões tradicionais, está se alastrando. Tenho acompanhado com preocupação a ocorrência recente de surtos na minha cidade natal, Montenegro RS, bem como Porto Alegre e outras localidades onde a dengue praticamente não existia.

Espera-se que as autoridades sanitárias estejam se empenhando ao máximo para combater a doença, valendo-se das informações científicas disponíveis e também da experiência das regiões que já convivem habitualmente com esse problema há décadas.

É o caso do Rio de Janeiro, estado e capital, onde o clima predominantemente quente oferece condições muito favoráveis à propagação do mosquito Aedes aegypti. Em consequência, a região sofre com epidemias todo ano, especialmente entre os meses de dezembro e abril. 

A partir de maio, a queda de temperatura proporciona uma trégua a cariocas e fluminenses, mas não é garantia contra a ocorrência de casos. Chama atenção, de forma ainda mais preocupante, que a dengue esteja se manifestando em regiões onde as temperaturas são inferiores às do litoral sudeste brasileiro. É um fator novo a ser considerado, como demonstram os surtos no sul do país.

No Rio de Janeiro, o sofrimento com surtos mais críticos ocorridos há já alguns anos serviu como aprendizado e levou as autoridades a adotarem uma série de medidas de combate à dengue. Ruas passaram a ser percorridas com “fumacê” (pulverização com inseticida) e alguns bairros receberam ação ambiental de reprodução de variantes estéreis do Aedes aegypti.  

Porém, logo ficou claro que apenas medidas do poder público não bastavam, era como cobrir o sol com peneira. O planejamento precisava evidentemente da ajuda da população.  Iniciou-se então uma campanha de conscientização sobre medidas domésticas de prevenção, usando-se linguagem comum, para que as pessoas tomassem conhecimento prático dos detalhes importantes.

É preciso que as pessoas entendam que se deve evitar qualquer tipo de formação de água parada, não deixar pneus expostos ao tempo e sacrificar algumas plantas cujas anatomias retenham água: o “copo-de-leite” por exemplo. Assim como pneus, também estas plantas precisam ficar protegidas da chuva, o  mesmo valendo para qualquer tipo de objeto que possa reter água.

Uma situação muito problemática é das piscinas particulares, que precisam receber tratamento com produto químico para evitar que o mosquito delas se utilize. Às vezes ocorre desleixo por parte do dono, mas o pior é quando a piscina, ou algum tanque, bacia e outros recipientes de água estão em uma residência não-habitada. Nesse caso, não conseguindo localizar o proprietário, as autoridades se vêem obrigadas a forçar entrada no imóvel para adotar as medidas necessárias.

Técnicos da Fiocruz me observaram a facilidade com que o Aedes aegypti se prolifera após uma chuva prolongada, e até mesmo durante a chuva. Ressaltaram também que este mosquito se reproduz em água limpa, o que me fez deduzir que o Rio de Janeiro tem sido grande exportador de dengue, via rodoviária : caminhões de carga pernoitam, a chuva forma poças d’água sobre suas lonas, e aí vem o Aedes depositar seus ovos, que partem país afora. Acho que caberia alguma orientação aos caminhoneiros, e alguma fiscalização: tarefa para o poder público.

Não apenas isso. Entrevistado pelo repórter Ari Peixoto para um telejornal da Globo, observei a ele a grande frequência de empoçamentos  de água nas ruas, consequência de vazamento de tubulações. São situações crônicas que exigem medidas rápidas tanto da população como das autoridades, para que se notifique imediatamente e para que uma equipe de manutenção se dirija com rapidez ao local. Na prática, porém, isso nem sempre acontece e poças ficam dias à feição para que o mosquito nelas se prolifere. 

Assim, no Brasil, seguimos diante desse grande e incessante desafio.

Augusto Licks é jornalista e músico

Depois do México, vacina contra dengue deve ser autorizada no Brasil, em janeiro

 

Fêmea do mosquito Aedes aegypti  Photo credit: James Gathany/Sanofi Pasteur

Fêmea do mosquito Aedes aegypti Photo credit: James Gathany/Sanofi Pasteur

 

A primeira vacina contra dengue foi aprovada, nesta quarta-feira, dia 9 de dezembro, no México, antecipando-se cerca de um mês da autorização prevista para o seu uso no Brasil.

 

Havia a expectativa de que o Brasil fosse o primeiro país a ter a vacina à disposição no mundo, a medida que os procedimentos estão adiantados, com a liberação comercial feita pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), em outubro.

 

Ainda falta, porém, a concessão de registro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que, calculam alguns especialistas, deve ocorrer em meados de janeiro próximo.

 

Assim como no México, após a concessão, será preciso decidir o preço da vacina, e ter a aprovação da bula e da embalagem para, então, começar a sua venda no mercado. Espera-se que até o meio do ano de 2016, os brasileiros tenham à disposição a vacina capaz de atacar os quatro tipos do vírus da dengue.

 

Médicos infectologistas chamam atenção para o fato de que as agências reguladoras, como é o caso da Anvisa, no Brasil, precisam mesmo ser rigorosas nos critérios técnicos e científicos para a liberação de medicamentos, especialmente como esta vacina que combate a dengue, uma novidade para a comunidade médica no mundo todo. Contudo, é preciso equilibrar o rigor das análises com a urgência do momento.

 

Atualmente, das 390 milhões de pessoas infectadas, por ano, 500 mil, desenvolvem a dengue hemorrágica, a forma mais severa da doença. A diminuição considerável neste número é o grande objetivo de todos os laboratórios que têm empenhado esforços no desenvolvimento da vacina.

 

Foi possível reduzir em 60,8% o número de casos da doença, de acordo com estudo desenvolvido e divulgado pela Sanofi Pasteur, que envolveu quase 21 mil crianças e adolescentes da América Latina e Caribe. No Brasil, 3.350 pessoas receberam as três doses da vacina, com intervalos de seis meses entre elas.

 

Um dos aspectos mais destacados pelos técnicos que participaram desses testes foi a redução de cerca de 80% de internação hospitalar provocada pela doença, o que impacta de forma positiva na qualidade de vida do paciente e nos custos dos sistemas público e privado de saúde.

 

Aqui no Brasil, o Instituto Butantan, assim como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), também estão envolvidos em projetos de desenvolvimento de vacina contra a dengue. O Butantan, antecipando-se as autorizações necessárias para a fabricação da vacina, já vem construindo seu laboratório, na própria sede em São Paulo, com o objetivo de acelerar o prazo entre a liberação final da Anvisa e o tempo de chegada do produto ao mercado.

 

Ao mesmo tempo, assim como há grande expectativa de melhorias na saúde da população com a aplicação da vacina contra a dengue é preciso muito cuidado para que não se cometa alguns erros básicos.

 

Tem de se ter consciência de que o combate a dengue não se faz de uma só maneira, sendo necessário, entre outros fatores, o controle rígido dos focos do mosquito Aedes Aegypti e campanhas permanentes de informação à população. Portanto, a vacina não nos autoriza a baixar a guarda diante do Aedes Aegypti.

 

Como a vacina é aplicada em três doses é preciso garantir a adesão do público-alvo sob o risco de sua eficiência ser frustrada.

 

Uma confusão que deve ser evitada desde agora: a vacina é contra a dengue e não contra o mosquito Aedes Aegypti. Isto significa que a vacina não é capaz de prevenir contra doenças provocadas pelo zika vírus, também transmitido pelo Aedes Aegypti, que tem preocupado em demasia os brasileiros nos últimos meses, principalmente devido sua relação com a microcefalia e, agora, com a síndrome de Guillain-Barré.