Por Carlos Magno Gibrail
288 bilhões de reais é motivo suficiente para voltar ao tema. É vultoso em valor absoluto ou relativo, convertido em dólar ou libra, em euro ou yen. Principalmente se considerarmos que este montante, equivalente a mais de 22 programas Bolsa-Família, poderá ser debitado a todos os brasileiros e creditado a uns poucos.
“Por uma manobra articulada pelo próprio governo, a Câmara adiou, ontem, a votação da medida provisória (MP) 460, que reduz impostos do programa “Minha Casa, Minha Vida”. O motivo do impasse é o artigo, incluído pelo Senado, que garante o direito de as empresas aproveitarem créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre as exportações até 2002, o chamado “crédito-prêmio de IPI”. O governo não quer a aprovação e avisou que vetará a proposta se ela for aprovada pelos deputados. Até a semana passada, o Ministério da Fazenda confiava na derrubada do texto na Casa, onde a base é maioria”. Cristiane Jungblut e Eliane Oliveira, O GLOBO, 15 de julho.
A MP 460 é a reedição da MP 449 no que diz respeito ao Crédito Prêmio do IPI. Suas Excelências tentaram introduzir na MP 449 o Refis 3 e os créditos acumulados no caso do IPI que montam a R$ 280 bilhões.
Não deu certo, porque na última hora o relator, senador Francisco Dornelles PP percebeu que o Tesouro teria um rombo bilionário, e retirou a emenda. Agora, as senadoras Ideli Salvatti PT e Lúcia Vânia PSDB conseguiram contrabandear a mesma emenda para a MP 460, por força do lobby da FIESP e CNI, oferecendo esse brinde de R$ 280 bilhões para empresas como Sadia , Grupo Gerdau, Vale, CSN e outras grandes exportadoras brasileiras.
É importante observar que 80% das exportações brasileiras são feitas por menos de 50 empresas.
No domingo agora, Élio Gaspari, sob o título Bolsa IPI, chamou a atenção pelo fato da oposição no Senado estar apoiando os exportadores:
“A MP onde enfiaram contrabando quase foi aprovada antes do recesso da Câmara. A oposição (repetindo, oposição) fez força para isso, mas a base do governo atrapalhou o jogo. Como os interessados disseram que negociaram a ciranda com o Ministério da Fazenda e viram-se desmentidos numa nota oficial, é provável que o governo se empenhe para derrubar a emenda contrabandeada. Os interessados na Bolsa IPI têm até o dia 13 de agosto para concluir as negociações na Câmara. Depois disso o truque vira pó”.
Na nota, o Ministério da Fazenda diz que o reconhecimento do crédito-prêmio do IPI até 2002 terá como consequência uma corrida aos tribunais por aqueles que não se beneficiaram da medida. A estimativa dos técnicos é que 40% dos exportadores de manufaturados estão nessa situação.
A Fazenda também diz que o projeto viola as regras internacionais, já que o benefício pode ser interpretado como subsídio. Por isso, é passível de contestação na Organização Mundial do Comércio.
Além disso, a aprovação da MP com a emenda do Senado representa para o governo federal uma confissão de que o benefício não teria sido extinto em 1983 (tese da União) ou em 1990 (tese do Supremo Tribunal Federal): “o que traduzirá em prejuízo evidente para a defesa do Estado perante o Supremo Tribunal Federal”.
Segundo a Receita Federal, a medida representa um risco potencial de R$ 288 bilhões. O ministro Guido Mantega rebateu a declaração do diretor do Departamento de Relações Internacionais e de Comércio Exterior da FIESP, Roberto Giannetti da Fonseca, de que teria havido acordo para a inclusão da emenda no Senado, pela relatora Lúcia Vânia (PSDB). O acerto teria como objetivo amenizar o rombo para a União. Ela (a emenda) não resolve o problema e é lesiva aos interesses da União. “Esse problema só será resolvido com julgamento pelo Supremo Tribunal Federal”, diz Mantega na nota, sendo contrário à proposta.
E cabe registrar que nesta mesma MP que cuida do programa Minha Casa Minha Vida e do caso do IPI, temos também a questão dos preços diferentes para pagamento com cartão de crédito.
É o reflexo do Senado de hoje, onde a coerência está na incoerência. Para não falar na decência, que ausente, pode dar lugar a indecência.
(Leia, também: O Senado não é mais aquele)
Carlos Magno Gibrail é doutor em marketing de moda, às quartas escreve no Blog do Mílton Jung e todo dia está de olho neles
