Em meados dos anos 1980, fui transferida para trabalhar num posto de saúde, em um bairro da periferia, pertinho da Chácara Santana. Lugar com pouco recurso e favelas junto aos córregos, hoje, felizmente, canalizados.
Era pessoa nova no pedaço. Para realizar um dos meus trabalhos, precisava percorrer ruas e visitar pacientes. Naquela ocasião, dois casos graves de leptospirose foram diagnosticados.
Fui avistada pelo meu diretor que, em seguida, chamou-me para dizer que não queria que eu andasse naquele local, porque havia risco de morte. Expliquei que só estava em busca dos pacientes, para informações de vigilância.
Entendi a preocupação dele, mas fiquei inconformada. Queria só trabalhar!
Tive uma ideia: vou procurar quem manda no pedaço.
Falei com um, com outro, mais outro, com mães, com articuladores, depois de uns dias o meu pedido foi atendido. Recebi um bilhete, com dia, hora e lugar para o encontro, por sinal bem perto de uma esquina onde fui avistada anteriormente pelo meu chefe.
Apresentei-me no local: um minúsculo boteco. O rapaz franzino já sabia do que se tratava e o meu coração batia mais rápido. Agora sim, estou na boca do leão! Não desistirei.
Eis que apareceu do fundo da sala, um senhor alto, claro, elegante e de chapéu. Parecia até um astro do rodeio. Apresentei-me e comecei a falar do meu trabalho, dos doentes e da situação do córrego.
Ele colocou as mãos na cintura e disse: do que a senhora precisa?
Falei, falei não do que eu precisava, mas do que precisavam para promover saúde e medidas de prevenção. Depois que me ouviu, ele disse: a senhora terá tudo o que precisar para fazer isso. Pode ficar tranquila. Que mais precisa? Por fim, contei que lá no posto, o mato estava alto demais e não conseguíamos ninguém para cortá-lo.
Achei que foi demais a minha coragem e toda aquela conversa.
Fim de semana foi, enfim segunda-feira.
De novo, chamada pelo diretor com a pergunta: a senhora pode me explicar o que está acontecendo? Hoje quando cheguei, encontrei dois cavalos dentro da nossa área no estacionamento com um recado de que estavam lá para acabar com o mato a seu pedido.
– Nossa, que rapidez, foi o chefão! – respondi.
Naquele instante, contei sobre o encontro. Quase fui morta, mas pelo meu próprio chefe! Bem, mas o que importa é o resultado excepcional.
Houve mobilização de outros atores da instituição, grande colaboração da comunidade. Foi realizado um enorme mutirão para a limpeza do córrego, desratização de toda a região, instalação de “containers” para colocação do lixo domiciliar e a manutenção da limpeza pelos moradores. Os doentes também se restabeleceram. Um verdadeiro milagre!
Quanto ao mato, continuou sendo aparado do jeito dos cavalos.
Ouça o Conte Sua História de São Paulo
Ana Regina Carnevalli Parra é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte você também mais um capítulo da nossa cidade: escreva seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para conhecer outras histórias, visite o meu blog miltonjung.com.br ou o podcast do Conte Sua História de São Paulo.
Foto publicada por Fernando Sobrinho em Memorias Paulistanas
“Vila Prudente,/ bairro que nos seduz/ De dia falta água/ De noite falta luz/ Abro o chuveiro/ Oi, não cai um pingo/ Desde segunda até domingo/ Eu vou pro mato/ Oi, pro mato eu vou/ Vou buscar um vagalume pra dar luz em meu chatô”
Para iniciar essa narrativa com bom humor, eu coloquei em destaque a letra da marcha carnavalesca “Vagalume”, de 1954, autoria de Vitor Simon e Fernando Martins, trocando apenas Rio de Janeiro por Vila Prudente, bairro onde fui criado, vivi boa parte da minha vida e de onde trago muitas recordações. Ouvi muito a marchinha ser cantada, em forma de paródia, pelos antigos moradores do bairro como forma de levar a vida…
Entre buracos, balões e bolinhas de gude
Durante a infância, nos anos 1950, as famílias vilaprudentinas sofriam bastante com a falta de água e energia elétrica. O bairro era caçula da região, comparado com a Mooca e Ipiranga, ambos limítrofes, fundados no século XVI, e já bem desenvolvidos. Faltava infraestrutura, por isso muita coisa o bairro ainda carecia. Lembro da coleta de lixo em carroças puxadas por burros, que não aparecia todos os dias. Em dia de chuva, o bairro se complicava com enchentes na região próxima à estação do Ipiranga, parava tudo. Se não chovia, a porteira é que parava todo o trânsito. O problema só se resolveu quando foi construído o Viaduto Capitão Pacheco Chaves.
Por outro lado, saudades do padeiro que trazia o pão em domicílio de carroça, onde eu adorava comer as raspas que ficavam no fundo, o tintureiro nissei que buscava roupa pra lavar e levava tudo por entre o braço, os amoladores de faca com aquelas gaitinhas características, o vendedor de suspiro, o bijuzeiro com aquela placa com um som de reco-reco, o homem do realejo com o periquito da sorte, os moleques que vendiam pirulitos, que eram pura água com açúcar, com o infalível grito: “Piruliteeeeeeeeeiro! Tira dooois por um cruzeirooooooooo!!!” Promoção. Era o marketing.
Na minha rua, a Cananéia, as famílias que lá moravam, em sua maioria, vieram para realizar o sonho da casa própria, porque pagavam aluguel em bairros mais desenvolvidos e, com sacrifício, adquiriram terrenos da Cia Cerâmica e construíram suas casas. Meu avô paterno foi um deles, veio do Cambuci. No terreno, ele construiu 3 casas (mas daquelas bem improvisadas) para ele com minha avó, e as filhas já casadas e com filhos — um deles era eu.
De lá de casa eu avistava o “morrão”, onde havia muitos campos de futebol, suficientes para cada agremiação de várzea daquela parte do bairro. Atuavam no morrão: Portuguesa, Flamengo, Ouro Verde, Comercial. Mais tarde o “morrão” seria o Crematório de Vila Alpina e Cemitério São Pedro, previstos muitos anos antes. A gente não acreditava.
A infância onde tudo era campo
Para nós, moleques de rua, as dificuldades não eram tão sentidas, afinal nossas preocupações eram a de brincar o dia inteiro até escurecer, jogando bola, rodando pião, jogando bolinha de gude, empinando pipas (que também chamávamos de quadrado), brincar de pique, acusado, mãe da rua (essa era violenta…), unha na mula, maçaneta (jogo com tacos que recebia outras denominações em outros bairros)… Tomar banho? Não era algo tão relevante.
As meninas também tinham suas brincadeiras: pular corda, amarelinha, casinha, corre cipó, pique (que pronunciávamos “piques”)…
Havia uma espécie de calendário que determinava a época de cada brincadeira. Assim, nos meses de vento, a partir de julho, as pipas dominavam; antes, em junho, os balões, as lanternas feitas de lata de óleo; no início do ano, pião — e assim íamos… Já futebol era todos os dias em nosso campinho, quer realizando peladas com a nossa turma mesmo, ou jogando contra outras turmas do bairro, sempre descalços, vira 6, acaba 12… Mas para a realização dependia de termos a chamada “bola de capotão”, o que às vezes nenhum membro da turma tinha, e amargávamos férias futebolísticas, a não ser quando o adversário trazia a bola.
Existiam muitas turmas naquela região da Vila… muitas. Nós éramos da “Turma da Serragem”, porque nosso campinho ficava num terreno de uma serraria com serragem em toda a extensão e com uma certa altura, que lembrava até as dunas da cidade de Natal. Éramos bem pacatos, com time de fraco pra regular, mas cheios de garra. Outras turmas eram mais briguentas, como a da Padaria Amália e a Turma da Cananéia, ambas rivais.
A Padaria Amália era muito conhecida e virou referência no bairro, a tal ponto que, quando alguém que morasse próximo a ela era indagado onde morava, dizia: “Na padaria Amália” ou, para descer do ônibus, dizia ao motorista: “Descerei na padaria Amália”. Essa característica era muito comum de existir em bairros de São Paulo, sempre com uma referência comercial para facilitar o deslocamento e localização.
A festa junina da minha família
Na rua, ainda de terra, por ocasião das festas juninas, cada família fazia a sua festa com fogueira, canjica, pipoca e outras guloseimas, na véspera ou no dia de determinado santo junino. E todas as outras famílias participavam até a fogueira ficar em brasa para esperar as batatas-doces. A festa da nossa família acontecia sempre no dia de São Pedro, e a festa do dia 28 de junho de 1958 foi inesquecível para mim: o Brasil ganhara o campeonato mundial de futebol pela primeira vez nesse dia, na Suécia. Nunca vi tantos balões no ar, foguetório… Muita alegria do povo.
Essa convivência da rua se limitava a uma dimensão de um quarteirão. Lembro que nesse pedaço somente uma família possuía televisão, justamente do nosso lado. Claro que nós e muita gente éramos “televizinhos”. Aos domingos, os moleques iam assistir ao “Circo do Arrelia”, pelo canal 7, e logo após vinha a transmissão do futebol de partida do campeonato paulista. Daí vinham os rapazes mais velhos, na maioria palmeirenses, que se juntavam aos rapazes da casa, também palmeirenses. Nós, moleques, saíamos. Todos eles jogavam em um time lá do “morrão”, nos jogos de várzea que aconteciam aos domingos. Aliás, muitos jogadores profissionais saíram dos times lá do morro.
Eu gostava de acompanhar o Vasco da Gama da Vila Prudente, cujo campo não era no “morrão”, e sim onde hoje está situada a Igreja São Carlos de Borromeu, na Rua do Oratório, em direção à Rua do Orfanato. Meu tio me levou pra lá a primeira vez em um festival com o campo lotado, cada jogo melhor que o outro, com os times do morro participando. Fiquei extasiado com a atmosfera do evento. Eu lembro que os troféus aos times vencedores eram entregues num palanque, com erguimento, e o grito de vitória da agremiação sempre era o mesmo: “1, 2, 3… 4, 5… 6… 7, 8, 9… para 12 faltam 3… tchi bum bá… iu maracará… zum… zum… zum… rá… rá… rá!!” Uma festa que geralmente se estendia em “chopada” na sede do clube. O bicho-papão do bairro era o Búfalo, da fábrica de papel do mesmo nome.
O Vasco, embora não possuísse grande torcida, tinha um torcedor que era um espetáculo à parte. Seu grito de incentivo para o time era “Vamo Dibuiá!”, que ecoava por todo o campo. Os torcedores do barranco aplaudiam e até o apelidaram de Dibuiá. Grande figura.
Do pião à CEPAM: a vila que virou cidade
O curso primário eu fiz, como a maioria da molecada fez, no Grupo Escolar República do Paraguay, que existe até hoje, bem em frente à também antiga Biblioteca. À noite, se chamava Colégio Estadual Professor Américo de Moura (CEPAM), com curso ginasial, extremamente concorrido para os candidatos que vinham do curso de admissão. Era mais difícil que a Fuvest entrar para cursar o ginásio do estado. O curioso é que depois o colégio se mudou para a Vila Bela (subdistrito de Vila Prudente) e a sigla foi utilizada para denominação de uma padaria que hoje é a referência do bairro, talvez a maior da cidade e quiçá do Brasil: Padaria CEPAM.
Perto dela morei por alguns anos e meus filhos cresceram nessa região.
No terceiro ano do grupo, inconscientemente, fiz uma confusão danada na aula de religião, pois pensei que eu fosse de alguma religião evangélica, que o povo denominava como “crentes”, mas na verdade eu era católico, sem ter essa certeza e sem consultar previamente os meus pais. Havia aulas somente para os católicos e para os crentes. Então… eu ia às aulas dos crentes normalmente, embora estranhasse o pouco número de participantes. Um dia resolvi contar para os meus pais que, além da bronca que me deram, determinaram de forma incisiva que eu desfizesse toda essa encrenca. Minha professora, católica fervorosa, como toda a escola, vibrou de alegria quando falei que queria ser “convertido”. Fiquei até conhecido pela decisão. Um dia, sem eu esperar, perante toda a classe, ela trouxe o padre, que se dispôs a me batizar no próximo domingo. E o pior: que eu trouxesse meus pais para também serem batizados… Gelei!!… Pensei… O que vou dizer em casa?… E agora? Porém (e sempre tem um porém, como dizia Plínio Marcos), independentemente da religião, Deus me ajudou. Houve um recesso escolar e o assunto foi esvaindo, era final de ano, veio o quarto ano, outra professora. Fato marcante: nesse ano, um colega de classe, japonês, budista, recém-chegado do Japão, se converteu ao catolicismo… Eba!… Deixei de ser o único (só que ele não havia mentido…). No mesmo ano, fizemos primeira comunhão juntos na Igreja de Santo Emídio. A professora do terceiro ano me presenteou com um livro. Final feliz.
Na vila era comum aparecerem circos e parques de diversões em terreno em frente à Padaria Amália ou onde pudesse. Vi muitos acampamentos de ciganos nesses locais. Os mais velhos falavam para não chegarmos perto… Vinham também shows de artistas em início de carreira e também profissionais, como a “Caravana do Peru que Fala”, do Silvio Santos, ou a “Galera dos Bairros”, sempre em um dos 2 cinemas do bairro: Vila Prudente ou o Amazonas. Show de rua também acontecia com o “Sete Belo”, comediante da TV Record. Nesses shows, de vez em quando surgia umas briguinhas entre turmas rivais. Já políticos, em época de eleição, promoviam muitos shows. O Jânio Quadros sempre foi o preferido da rua.
Quando o asfalto chegou à nossa Vila
O bairro começava a se desenvolver e veio o asfalto. Começava a desenvolver. Nossas brincadeiras mudaram um pouco. Os carrinhos de rolemã (ou rolimã) entraram em cena, alguns moleques tinham bicicleta. As meninas andavam de patins. Jogar bolinha de gude só em terrenos isolados. Começaram construções de casas e sobrados. Rodar pião estava difícil. Carros começavam a passar pela rua em grande intensidade. Os moleques já estavam adolescentes e muitos começaram a trabalhar ou foram aprender ofício no Senai, e outros foram estudar. Minha família foi morar em Vila Salate, Penha.
Vila Prudente, sempre chamada de quintal da Mooca, principalmente pelos próprios mooquenses, crescia. Muitos anos se passaram para chegarem à conclusão de que a Ford ficava no bairro e não no Ipiranga (até a linha do trem é Vila Prudente). O crescimento vertical não tardou a chegar, inclusive na região do crematório se estabeleceu uma área nobre do bairro.
A Vila tornou-se centenária. Com muito prazer, eu, com os artistas Pipoquinha e Kakareko, participamos da festa alusiva à efeméride e o troféu representando o “Obelisco do Centenário” guardamos com muito carinho. Eu era o palhaço Xinxolim.
De repente, a Vila Prudente detém ótimos colégios, um jornal de grande circulação, dois shoppings, uma faculdade, estação de metrô. As famílias emergentes que sonhavam morar na Mooca ficaram na Vila. Há outras vilas famosas como Vila Zelina, Vila Ema, Vila Alpina, Vila Diva — todas pertencentes ao subdistrito Vila Prudente — que os moradores falam com muito orgulho, mas que, no fundo, todos são vilaprudentinos. Diferentemente dos bairros do Ipiranga e Mooca, cujos nomes vêm da língua tupi e mantêm uma forte relação com os moradores e com a cidade. Mas, por tudo, viva a Vila Prudente, bairro que realmente nos seduz.
Ouça o Conte Sua História de São Paulo
Julio Araujo é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio e a interpretação de Mílton Jung. Escreva seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, coloque entre os seus favoritos o podcast do Conte Sua História de São Paulo.
“Quando um commodity é vendido como uma marca, o cenário de negócios muda completamente. Os cuidados com o produto precisam ser ainda maiores”
Cecília Russo
No universo do branding, até mesmo produtos básicos como arroz ou grama podem deixar de ser commodities para se tornarem marcas reconhecidas. Este é o tema do comentário de Jaime Troiano e Cecília Russo no”Sua Marca Vai Ser Um Sucesso”, da CBN. O debate traz à tona como itens, que à primeira vista parecem indiferenciados, ganham valor ao serem transformados em marcas.
Jaime Troiano explica: “Quando você compra carne com marca, como Friboi ou Frisa, paga um preço mais alto pela confiança na qualidade e no resultado que esse produto oferece”. Cecília Russo complementa: “Commodities, como arroz, deixam de ser apenas produtos comuns quando ganham um nome, como o Arroz Tio João. A partir desse ponto, entram em um novo patamar de diferenciação”.
O programa discute como a transformação de commodities em marcas requer um cuidado redobrado. Ao dar um nome a um produto que antes era vendido apenas por toneladas, empresas precisam investir em comunicação, design de embalagem e estratégias de marketing. A entrega de um valor percebido, que justifique um preço maior em relação à commodity, é essencial.
A marca do Sua Marca
O comentário destaca que “a confiança na qualidade” é o principal pilar quando uma commodity se transforma em marca. Esse certificado de origem, como mencionado por Jaime Troiano, é um dos pontos centrais que sustenta a diferenciação no mercado, e o consumidor passa a pagar não só pelo produto, mas pela marca que ele representa.
Ouça o Sua Marca Vai Ser Um Sucesso
O Sua Marca Vai Ser Um Sucesso vai ao ar aos sábados, logo após às 7h50 da manhã, no Jornal da CBN. A apresentação é de Jaime Troiano e Cecília Russo.