Conte Sua História de São Paulo: fui office-boy com pastinha de plástico na mão

Carlos Assis

Ouvinte da CBN

Foto: Ouvinte da CBN Ricardo Biserra

Meu pai tinha uma firma de material industrial na rua dos Andradas. E minha mãe ajudava fazendo os pagamentos nos bancos. Antigamente, um título do Bradesco — título, era assim que chamávamos os boletos — só podia ser pago no Bradesco. O do Banco do Brasil só no Banco do Brasil. E havia bancos em São Paulo com apenas uma ou duas agências. Então, a gente tinha de ir ao centro velho, na rua Boa Vista, na São Bento, na Quinze de Novembro … E fazia tudo a pé. Não tinha metrô. Desse modo, conheci bem a cidade. 

Passei dezenas e dezenas de vezes no viaduto Santa Ifigênia, no viaduto do Chá, no Largo Paissandu. A agência do Citybank era na avenida São João com a Ipiranga, em frente ao Bar Brahma — bar que nunca visitei, apesar de passar pela frente uma centena de vezes. 

Minha mãe era uma pessoa simples e católica, o que me fez conhecer as igrejas do centro: o Mosteiro de São Bento, a Sé, a de São Francisco, a do Rosário, a de Santo Antônio.

Lembro quando fui com ela pagar um título no Unibanco, na Praça do Patriarca. Assim que entramos havia uma escada rolante. Precisávamos subir no primeiro pavimento. Minha mãe tinha medo da escada rolante, que era algo novo na cidade. O segurança teve de desligar a escada para a gente subir e depois descer. 

Com uns 13 anos, já era office-boy e andava com aquela pastinha de plástico na mão. Mas não me atrevia a fazer malabarismos como os garotos maiores. Minha diversão era entrar por uma rua e sair em outra, passando por dentro de prédios. Adorava andar na galeria da Avenida São João, passar pelas lanchonetes, sentir aquele cheiro de comida no ar, e sair na 24 de Maio. 

Entrava nas Lojas Americanas e Brasileiras, na rua Direita, e saia na rua José Bonifácio, do outro lado. Entrava no Banco de Boston, no Vale do Anhangabaú, e alcançava a Libero Badaró — essa agência foi a primeira a ter porta automática e era m luxo ver a porta se abrindo sozinha. Outro atalho que usava era entrar no prédio da Telefônica, na Sete de Abril, e sair na Basílio da Gama. Ou entrar na Galeria Metrópole para chegar na praça da Biblioteca Municipal.

Além de pagar contas, eu fazia entregas de documentos, cartas e cotações. Frequentava os Correios para passar telegramas e despachar cartas. Os Correios tinham máquinas automáticas que selavam as cartas. Eu levava centenas de cartas em uma mochila. E lá era o único lugar em que se podia fazer isso. Entregava cotações paras as empresas. 

A CSN Companhia Siderúrgica Nacional ficava na avenida Senador Queirós; a Petrobras na Barão de Itapetininga; a Petrobras Distribuidora ficava no Edifício Andraus. Sim, eu estive no vigésimo-segundo andar do mesmo prédio que pegou fogo. Dei sorte. E algumas vezes, ia na avenida Paulista entregar cotação na Liquigás, no Conjunto Nacional. Fui dezenas de vezes nas Indústrias Matarazzo, na Água Branca, e a na Companhia Antártica, na Borges de Figueiredo. Uma vez fui na Bayer, em Santo Amaro. Acho que demorei quase duas horas para chegar lá. 

Certa vez, passando o farol fechado —- office-boy não esperava o farol abrir —, na rua Xavier Toledo, em frente ao Mappin, levei um apitaço do Guarda Luizinho. Meus ouvidos ficaram zunindo. Nem entendi o que ele disse. Só vi as pessoas rindo. Daquele dia em diante, aprendi a usar a passagem subterrânea que tinha do lado do prédio da Light — acho que por pura vergonha. 

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Carlos Assis é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte você também mais um capítulo da nossa cidade. Escreva seu texto para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outras histórias como essa, vá no podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: para que lado fica a Rua Direita?

 

Por Eduardo Menezes
Ouvinte-internauta da CBN

 

 

Era 1989. Eu com 16 anos de idade. Iniciei minha carreira profissional em uma empresa de informática em Diadema, ABC paulista. O emprego era de office-boy e, logo nos primeiros dias de trabalho, minha chefe designou um dos office-boys mais velhos para nos ensinar o trabalho. Tudo foi muito bem na primeira semana, na parte teórica (se é que se pode dizer assim) e na semana seguinte partimos para a prática.

 

Andamos a pé desde a empresa na divisa da cidade com São Paulo, no Jardim Miriam, e chegamos ao ponto de ônibus, o que já tinha sido uma aventura e tanto para os meus padrões. Pegamos o ônibus com destino ao Metrô Paraíso e fizemos o restante do caminho a pé. Andamos toda a Paulista e meus olhos brilhavam com tanta grandiosidade, trânsito, gente importante e, o melhor de tudo, tantas meninas bonitas. Apesar de estar maravilhado, tinha um pouco de vergonha em usar o uniforme da empresa, mas fazia parte do trabalho.

 

Andamos por toda a Paulista com destino à Angélica, sempre parando em alguns escritórios e empresas. Descemos a Angélica até o Centro e seguimos para o Terraço Itália, na Av. Ipiranga. Foi aí que meu “mestre” na arte de andar por São Paulo, percebendo que eu era “esperto”, teve uma daquelas idéias geniais, que nunca deveriam ter sido executadas. Propôs que, para agilizar o nosso trabalho, nós dividíssemos o nosso trabalho e assim iríamos para casa mais cedo. Ele me ensinou como chegar da Av. Ipiranga até a Praça da Sé, local em que ele me encontraria em aproximadamente uma hora. Parecia muito simples, segundo ele, bastaria pegar a rua Barão de Itapetininga, atravessar o viaduto do Chá, pegar a rua Direita que já estaria na praça da Sé.

 

Que ideia brilhante!

 

Fiz o meu trabalho na Ipiranga e como o mestre havia explicado segui pela Barão, passando pelo viaduto do Chá e virei à Direita. Para meu espanto, havia uma praça, sim, neste caminho, mas não era a Sé. Fiquei confuso. Como qualquer office-boy que se preze, fui perguntar ao jornaleiro, que sem nem olhar mim, disse: “volte por esta rua e pegue a rua Direita”. Pois bem, voltei e pegue a rua logo a minha direita e novamente não deu em nada!

 

Resolvi voltar ao caminho original e ver se não tinha feito nada de errado, mas para meu espanto mais uma vez sempre que entrava a minha direita, após o Viaduto do Chá, não chegava na praça da Sé.

 

Quase desesperado, perdido, sem dinheiro, eis que olho uma placa na rua com o nome “Rua Direita”. Quase chorei de raiva, alegria, vergonha, sei lá. Sei apenas que virei piada no trabalho por muitos anos. Uma história sobre minha relação com esta cidade que aprendia a amar e respeitar seus nomes estranhos.