De percepção e opção

 

Por Maria Lucia Solla

Ouça “De percepção e opção” na voz e sonorizado pela autora

ML Menina

Hoje me vem de falar de alegria e de tristeza, o que não é diferente da comida que se põe na mesa. De prato, travessa, feiura e beleza.

Alegria é como prato bem feito, equilibrado na porção, caloria e gordura. Bonito. Que alimenta e contenta.

Tristeza é prato relaxado, privado de arte; tem tudo demais, enche a pança, é certo, mas não contenta jamais.

Admito que sou exagerada e que falo pelos cotovelos e de forma figurada, mas isso não me traz problema nem nada.

Fui menina triste. Tinha tudo na matéria, mas a tristeza era tanta que você podia jurar que eu brotava da miséria.

Nem me pergunte por quê. Quem é que sabe da vida o quê?

Do porquê já confessei ignorância, mas tristeza, a seu modo, me ajudou muito na infância.

Eu me enterrava no estudo e na leitura, mas não se apoquente que eu também sabia ser contente e tinha meus momentos de alegria e de pura gostosura.

Quem é que pode dizer o que é muito, pouco ou suficiente? Só a medida que te deixa contente.

Aí fui crescendo, olhando, loucamente copiando e pouquissimamente selecionando. Fui curtindo a vida e, sendo curtida por ela.

ML Mulher

Hoje percebo o tempo que passei, instalando, do lado de fora de mim e à mercê das intempéries, meu bem-estar; e meu coração, afinado que é, se via afastado do cantar.

Ao longo do tempo busquei felicidade e emoção e disso tudo tive uma porção, mas eram momentos fugazes que me deixavam sedenta, pedindo sempre mais, quando o que havia já não havia mais.

Também carreguei no peito mágoa, que ficou ali recolhida e amarelada. Só me dou conta hoje de que ela poderia, muito antes, ter sido esquecida e apagada.

Agora, quando algo me faz entristecer, pisco muito, que esse é um cacoete, enxugo um par de lágrimas durante um par de dias, e marco o evento a lápis no calendário, em vez de gravá-lo no meu diário, e então, deixo esse algo lá, onde deve mesmo ficar.

E decido eu o que quero sentir e que pensamento pensar, em vez de por eles, por anos a fio, me escravizar.

Uma coisa é certa, tendo ou não tendo o que quero, não abro mão do meu sonho, que só faz aumentar minha capacidade de amar.

E você, está a fim de experimentar?

Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.


Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língiua estrangeira e realiza curso de comunicação e expressão. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung.

De descobertas

Por Maria Lucia Solla

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Ouça e veja as “descobertas” na voz da autora clicando na imagem acima. A música é St. louis Blues – Benny Goodman  

Olá,

Esta semana, dirigindo à noite na Marginal Pinheiros, fiz uma descoberta do tipo dois. Deliciosa.

Conheço e percebo dois tipos de descoberta. A do tipo um que acontece de fora para dentro, e é chamada de aprendizado ou conhecimento, e a do tipo dois que acontece de dentro para fora, e é chamada de percepção, intuição, clarão, loucura ou eureka. Vão em sentido contrário, mas são porções da mesmíssima realidade, e uma contem a outra. A do tipo um é popular e circula por aí, feito celebridade. A do tipo dois já se mostra com cautela; é comentada a boca pequena, como no tempo da fogueira e da forca. Ao pé do ouvido.

No entanto, o modo como somos treinados a viver nos dificulta o contato com a descoberta do tipo dois, e a gente não consegue ver o que mora debaixo de véus, carimbos, dissimulação, e crenças adquiridas. Imagine! Crença adquirida! Adquirimos sim, herdamos, engolimos a seco ou com um trago, recebemos intravenosamente… Compramos a maioria das crenças, e nem chiamos. Que loucura!

Na adolescência, um dos meus amigos tinha mais de um carro, e meu pai não gostava nem um pouco quando ele me trazia da escola para casa num carro diferente. O que os vizinhos iriam pensar?! Claro que ele herdou essa crença. Não podia ser uma escolha dele. Eu era sua filha. Ele me conhecia. Conhecia meus amigos. Percebia quem eu era. Ou não? Enfim, só um exemplo de que corremos o risco de nos transformarmos naquilo que aprendemos. Usamos fragmentos de conhecimento para construir barreiras, dogmas, preconceitos, e para nos protegermos da vida.

Não nos deixamos permear.

Impermeabilizamos as cidades, e é exatamente o que fazemos conosco. Veias, artérias, vísceras; nossas emoções. Nos reprimimos doentiamente, e adoecemos doentiamente. Lutamos contra a própria Terra, através da terra e dos rios. Nós a aprisionamos, nós a sufocamos, nós a violentamos. Boicotamos nossa sociedade criando partidos que abrigam indivíduos que tiram partido deles. Nós os criamos para que se oponham visceralmente. Brigam tanto, medindo forças, que acabam brigando só por si mesmos e estamos conversados.

Mas voltando a elas, a maior parte das vezes, quando fazemos uma descoberta do tipo um, entramos em contato só com uma partícula da realidade. Aquela visível através dos olhos do corpo, inteligível através da mente terrena. Não reconhecemos o outro; não percebemos o outro. Estamos tão acostumados a olhar carcaças e a usá-las como espelho, que acabamos nos contentando com pouco.

Subverter é preciso. Afinal, subverter não quer dizer descobrir? Não quer dizer mudar a vertente? Mudar a direção? Sub não é um prefixo que dá a idéia de por baixo, pela base da estrutura? Então, é por isso que o verbo foi mandado para a masmorra. Subverter ganhou outro significado, outra roupagem. Hoje quer dizer quebrar a ordem vigente. Percebe?

Prefiro chamar a descoberta de dentro para fora de percepção, que está em estreita sintonia com a Vida. Perceber é um verbo que usamos quase sem perceber. É como se ele se escondesse dele, e nele mesmo. Os esotéricos seguramente perceberam que o perceber se escondia  ali e, alguns se prevaleceram dessa percepção para dominar e manipular o  mundo em volta, sem que o mundo percebesse. E a história se repete.

E você, costuma perceber?

Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.

Maria Lucia Solla é terapeuta e professora de língua estrangeira. Aos domingos, nos ajuda a olhar as coisas de outro modo, sem modos nem modas.