Lembranças de Pedro Carneiro Pereira – II

 

Por Milton Ferretti Jung

 

 

Promessa é dívida. Na última quinta-feira, ao encerrar o texto que postei no blog do Mílton, no qual, para início de conversa, lembrei dos dois jogos da minha longa carreira de narrador que, por motivos diferentes, não pude relatar, embora com tal propósito tenha ido aos estádios onde se realizaram. Em um, para quem não leu o que escrevi na semana passada, a RADIONAL, empresa responsável pela cedência da linha telefônica, me deixou falando em vão, isto é, a transmissão não foi ao ar. No outro, em Vitória, saí do estádio às pressas, junto com meus colegas de trabalho, porque, no Autódromo de Tarumã, Pedro Carneiro Pereira, competindo pelo Campeonato Gaúcho da Divisão Turismo, envolvera-se em acidente que lhe custou a vida.

 

Foi sobre a estreia dele no automobilismo de competição e os passos seguintes da sua carreira em pistas de ruas – 12 Horas de Porto Alegre, por exemplo – em estradas e no Autódromo no qual morreu, que prometi escrever. Pedro, digo de passagem, foi, como Presidente do Automóvel Clube do Rio Grande do Sul e até antes disso, um dos que mais batalharam para que a pista de Viamão se tornasse realidade. Narramos, ainda quando trabalhávamos na Rádio Canoas, corridas realizadas no circuito da Pedra Redonda, em Porto Alegre. Já na Rádio Guaíba, Pedrinho foi a São Paulo para cobrir a famosa Mil Milhas e foi à África, com Armindo Antônio Ranzolin, para narrar uma prova de Fórmula 1.

 

Pedro Pereira sonhava, entretanto, em participar de competições automobilísticas. Sua primeira prova foi um “quilômetro de arrancada”. Seu pai era dono de um Buick, carro com câmbio automático. Sem que o velho soubesse, Pedrinho increveu-se para a prova, disputada na Avenida Praia de Belas, em Porto Alegre, mas o Buick, pesadão como ele só, não permitiu que projeto de piloto se desse bem. Foi então que Pedrinho comprou – ou ganhou do pai – um fusca. O Aldo Costa, experiente piloto, era dono de uma oficina de automóveis. Nela, o fusquinha foi preparado para a prova “Antoninho Burlamachi”, que começava em Gravataí e terminava nas areias de Capão da Canoa. O “preparo” não passava de uma regulagem do carburador. O Volks ficou sem freios muito ligeiro e isso acabou com qualquer chance de bom resultado. Recordo-me que, meu pai e eu, nos postamos à beira da estrada, esperando em vão pela passagem do Pedrinho, no seu fusca.

 

A “Antoninho Burlamachi” era disputada todos os anos. Em uma delas, Pedro pilotou um Gordini 1093. Nessa, sofreu o seu primeiro acidente. Atropelou um porco, saiu da estrada e o carro se chocou contra uma árvore. Pedrinho quebrou o braço direito. Por pouco não foi à Copa do Mundo de 1966. Chegou à Inglaterra com a competição já em andamento. Como o Brasil caiu nas oitavas de final, o narrador Pedro Carneio Pereira fez um discurso inflamado, no qual criticou os erros cometidos na preparação da Seleção Brasileira.

 

Pedrinho teve participações bem interessantes nas “12 Horas de Porto Alegre”. Numa de suas edições, os técnicos de áudio da Guaíba, instalaram um rádio-transmissor no Gordini. Esperava-se que o Pedro corresse e narrasse o que fazia. Se não me engano, durante algum tempo da longa prova no circuito da Cavalhada, ele conseguiu dirigir e transmitir. De repente, porém, o rádio-transmissor parou de funcionar. Se bem me lembro, nessa época, Pedro estava na presidência do ACRGS e, após cada competição, eram julgadas irregularidades cometidas por pilotos. Este seu criado fazia parte da Comissão Julgadora por ser secretário do Automóvel Clube. Numa das “12 Horas” foram tantos os desclassificados, que o Pedro por pouco não ficou em 1º lugar. Não pensem, por favor, que a Comissão Julgadora não era séria.

 

O Pedrinho era uma pessoa cheia de compromissos. Comandava o esporte da Guaíba, era o principal narrador, advogado e publicitário (foi diretor da Standard Propaganda) e ainda achava tempo para se dedicar ao automobilismo de competição. Quando ainda corria de Volks e Gordini, pedia-me que “amaciasse” os carrinhos. Lembro-me como se fosse hoje que, uma noite, véspera de uma “Antoninho Burlamachi”, fui com o Volks dele, prontinho para a corrida, de Porto Alegre a Tramandaí. Era noite e meu pai, temendo que eu fosse pisar fundo no acelerador, fez questão de me fazer companhia. Outra vez, ao amaciar o motor do Gordini para uma edição das “12 Horas”, como o carro possuía iluminação extra, uma vez que a largada da competição era à meia-noite, no meu rodar amaciante, pessoas me faziam sinal para parar. Pensavam que se tratasse de um táxi.

 

Pedro Carneiro Pereira teve, entre seus carros de competição, um JK (FNM), uma baratinha Fórmula Ford e, finalmente, o Opala 22, envenenadíssimo, com o qual sofreu o acidente fatal, no dia 21 de outubro.

 

*Na foto, o Opala de Pedrinho liderando o pelotão na curva 2 de Tarumã

 

Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)

Lembranças de Pedro Carneiro Pereira

 

Por Milton Ferretti Jung

 


Em minha carreira de narrador de futebol, que eu me lembre, não consegui narrar apenas dois jogos. Um deles – não me perguntem o ano, por favor – foi Atlético x Grêmio, no Estádio Independência. Já contei, em uma dessas quintas-feiras, o ocorrido com a transmissão da Rádio Guaíba, nesse jogo. Em resumo, a RADIONAL deixou-me na mão: narrei 85 minutos e só parei quando, nos meus fones, ouvi a voz do meu colega Marco Aurélio, que apresentava o rádio jornal noturno. O motivo que me impediu de relatar uma partida pela segunda vez foi, porém, bem mais sério. Fui escalado para narrar, pelo Campeonato Brasileiro, Desportiva x Grêmio em Vitória, capital do Espírito Santo. A equipe que eu comandava desembarcou no sábado, descansou e, no domingo, rumou para o Estádio Engenheiro Araripe. Em Porto Alegre, Armindo Antônio Ranzolin já começara a narrar Inter x São Paulo. O jogo, em Vitória, começa mais tarde. No Autódromo de Tarumã, localizado no município de Viamão, bem próximo da capital gaúcha, o repórter Clóvis Rezende, acompanhava a 4ª Etapa do Campeonato Gaúcho de Turismo. Antes que se estabelecesse o nosso contato com a central técnica da Guaíba, alguém comentou que um grave acidente havia ocorrido no Autódromo. Tão pronto fizemos contato, fomos informados pelo operador da central que deveríamos retornar para Porto Alegre. O nosso companheiro Pedro Carneiro Pereira envolvera-se num acidente com Ivã Iglesias ao tentar ultrapassá-lo. Os carros se chocaram e ambos bateram no muro de proteção dos boxes. Imediatamente se incendiaram. Os pilotos não puderam ser retirados em tempo de serem salvos. No Beira-Rio, o árbitro Arnaldo César Coelho, ao ser informado do ocorrido, interrompeu a partida por alguns minutos. A Rádio Guaíba encerrou a jornada esportiva e passou a rodar músicas. Saímos às pressas do Engenheiro Araripe, corremos até uma agência da Transbrasil e conseguimos voar, debaixo de mau tempo, para o Rio de Janeiro. Lá,embarcamos no “corujão” da Cruzeiro. Eu e meus companheiros largamos nossas bagagens em casa e rumamos para o velório do Pedrinho. Corria, então, o ano de 1973. Estávamos no dia 21 de outubro

 

Conheci Pedro Carneiro Pereira quando a Rádio Canoas, cujos estúdios situavam-se em Porto Alegre, chamou interessados em fazer carreira no rádio. Entre os inúmeros candidatos a uma vaga de locutor, estava um jovem pouco mais moço que eu. Não me esqueço, sei lá a razão, que vestia uma camisa esporte quadriculada. O teste não era dos mais fáceis. Não bastava, para quem buscava lugar na Canoas, ler, sem errar, textos comerciais e noticiários. Exigia-se, também, que falassem de improviso sobre assunto que desse na cabeça do testado. Somente um dos candidatos passou no teste: Pedro Carneiro Pereira. Em 1958, deixei a Rádio Canoas e sentei praça na Guaíba, onde estou até hoje. Pedrinho e eu narramos várias provas automobilísticas quando ambos ainda estávamos na Emissora da Caldas Jr. Pedro saiu da Canoas, fez teste na Rádio Difusora e,claro,foi aprovado. Indiquei-o para Mendes Ribeiro, diretor de broadcasting da Guaíba. Ele foi contratado e voltamos a trabalhar lado a lado, fazendo dupla, às vezes, na locução comercial. Naquela época éramos dez locutores. A Rádio não aceitava jingles nem spots. Era tudo ao vivo. Acabamos os dois trabalhando na equipe esportiva. A história do Pedrinho, porém, não termina aqui. Na próxima quinta-feira, contarei como foi a estreia dele no automobilismo de competição.

 


Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)