Conte Sua História de São Paulo: na cidade e na arte, encontrei acolhimento e inclusão

Márcia de Castro Sá

Concerto do Bem Foto: Instituo Olga Kos

Nasci prematuramente, em 7 de outubro de 1984, no Brooklin, em São Paulo— (minha mãe deu à luz quando completou sete meses de gestação. O meu pai, que trabalhava como assessor econômico em uma fabricante de automóveis; minha mãe, totalmente empenhada com os cuidados do lar e da família, assim como os meus irmãos mais velhos, acolheram-me com muito carinho. 

Nos anos 1980, durante um passeio em um clube paulistano, acompanhada de meus pais, uma prima paterna, fisioterapeuta, notou que eu não reagia a determinados movimentos como normalmente ocorrem em bebês. Logo, fui encaminhada para uma consulta médica, onde foi constatado o diagnóstico de paralisia cerebral.

Em um primeiro momento, aquela notícia surpreendeu a todos. Os cuidados para comigo passaram a ser redobrados. Adiante, recebi mais um diagnóstico: o de baixa visão no olho esquerdo; e miopia no olho direito, o único ainda com capacidade de visão. Digo isso, pois recentemente fui diagnosticada com catarata no olho direito e terei que me submeter a uma cirurgia. Isso sem contar que há mais de 20 anos aguardo uma vaga de uma cirurgia para sanar uma escoliose severa.

Empenhada em superar barreiras em função de minhas deficiências e contando com o apoio familiar total, segui e sigo adiante, em busca de encontrar vias que ajudem a me motivar.

Em 2009, entre minhas sessões de reabilitação, uma fisioterapeuta me apresentou o Instituto Olga Kos. Um momento marcante, pois me abriu portas e ajudou a ressignificar o meu cotidiano, fazendo aflorar algumas aptidões artísticas, como a minha identificação com música, canto e pintura sobre telas.

Recordo que por meio do Instituto, participei de projetos como o “Pintou a Síndrome do Respeito”, que abriu a oportunidade de eu produzir releituras de artistas renomados da pintura nacional.

Desde então, fui sendo inserida em outros projetos, como o “Cor e Ritmo – Arte Inclusiva”, que, além das artes, fez-me notar como música e canto regam minha vida positivamente.

Mais recentemente, outros registros inclusivos são as minhas participações no “Concerto do Bem”, que já teve três edições, sendo a última no Memorial da América Latina, um dos cartões postais de São Paulo, com recorde de público.

Faço questão de observar que todas as atividades que participo ocorrem em locações na cidade de São Paulo, um berço cultural. Não consigo imaginar viver em outra cidade.

Quanto ao Instituto Olga Kos, agradeço pelo acolhimento e por todas as oportunidades que me deram e, certamente, darão. O Olga, como é carinhosamente chamado, desenvolve projetos artísticos e esportivos, além de pesquisas pela inclusão de pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade social. A minha história espelha, inclusive, a alma desse instituto, que é trabalhar por um mundo mais inclusivo.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Márcia de Castro Sá é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade você visita agora o meu blog miltonjung.com.br ou vai lá no Spotify e coloca entre os seus favoritos o podcast do Conte Sua História de São Paulo. 

Até que tá durando!

Por Christian Müller Jung

Conviver com pessoas com deficiência ou alguma síndrome vai muito além das dificuldades de espaço social, acessibilidade e inclusão no mercado de trabalho. É preciso também lidar com a ignorância. Já contei em outros artigos que sou pai da Vitória, que tem paralisia cerebral, e meu genro tem síndrome de Down. Aprendi muito nesses 30 anos de vida — idade da Vitória. Não é nada fácil. E aqui me restrinjo a falar sobre eles, porque, em diferentes casos, teremos diferentes comportamentos, alguns relacionados às limitações cognitivas, outros às limitações físicas.

Dia desses, encontrei um pai com uma menina de 9 anos com síndrome de Down. Feliz, ela corria pelo posto de gasolina, desfilando com seu uniforme do colégio. Me aproximei e comentei sobre as possibilidades que ela teria pela frente, já que, na minha bagagem, carrego algumas batalhas vencidas.

Quando somos pais novos, corremos atrás de informações o tempo todo. Precisamos romper barreiras de preconceito que reduzem nossos filhos a pessoas doentes, limitadas, sem perspectiva. Há decisões difíceis: escolher entre escola particular ou pública, enfrentar experiências frustrantes com instituições que carecem de estrutura pedagógica adequada, lidar com professores que, muitas vezes, não estão preparados ou encontram dificuldades no ensino. Tudo isso, no fim, é uma loteria. Há colégios públicos com excelentes profissionais, particulares com limitações — e vice-versa. Cada fase nos obriga a repensar.

De volta ao pai e sua filha no posto de gasolina. Contei sobre a importância do convívio social e das possibilidades de viver em harmonia: participar de festas, ter amigos, namorar, noivar, casar, se for o caso. Conviver com pessoas que também enfrentam suas dificuldades e limitações. Alguns se alfabetizam, outros não… e tudo bem. Não adianta colocar as frustrações acima das expectativas. Com certeza, não é como nos comerciais de margarina — nada é como nos comerciais, aliás. E lembrei que, por vezes, achamos que não vamos conseguir.

Na troca de ideias, ele me perguntou:

— E vocês? Amadureceram muito?

— Envelhecemos — respondi.

Me arrependi na hora. Mas foi o peso da responsabilidade que veio aos ombros. Conforme envelhecemos, e nossos filhos também, é inevitável pensar no futuro deles: haverá alguém para ampará-los? E esse alguém precisa assumir essa responsabilidade? São perguntas que nos atormentam diariamente, porque não temos como prever o destino de cada um.

Mesmo com todas as nossas preocupações como pais, sabemos que hoje há avanços médicos e sociais que garantem uma qualidade de vida muito melhor para nossos filhos, especialmente se compararmos com um passado em que o conhecimento sobre tratamentos era mais limitado.

No caso de pessoas com síndrome de Down e paralisia cerebral, sabemos que a estimulação precoce, os avanços na medicina — com exames e cirurgias —, o acolhimento e o apoio são transformadores. Para os pais também. Não é fácil. Temos momentos de alegria e tristezas arrebatadoras. Momentos de instabilidade emocional e de suprema surpresa.

No caso da Vitória e do meu genro, a relação vem sendo construída há anos, envolvendo tanto a família dele quanto a nossa. Não existe uma independência definitiva. Mas existe a possibilidade de amarem alguém, como todo mundo. De viverem as alegrias de conquistar e perder um amor, de se tocarem, conhecerem seus corpos e aproveitarem a vida com o que lhes foi dado. É uma construção diária, até o fim.

Mas a ignorância sempre nos dá um tapa na cara.

Em uma dessas conversas de clube social, à beira da piscina, um casal se aproximou dos pais de uma jovem com síndrome de Down. Ela é querida, bonita, esperta, divertida e extremamente gentil. A família é descolada, experiente, já enfrentou várias batalhas. Mas sempre pode ser surpreendida.

— Que idade ela tem?
— 34!
— Nossa, como ela tá durando!

Quando pensamos que já ouvimos de tudo, nos vemos encurralados, tendo que justificar a ignorância alheia.

— Por que ela disse isso, mãe? Eu tenho que morrer?

Engulo minha lágrima enquanto reproduzo esse diálogo e concluo: infelizmente, a ignorância ainda “tá durando”!

Christian Müller Jung é pai da Vitória e do Fernando, publicitário de formação e mestre de cerimônia por profissão. Colabora com o blog do Mílton Jung — o irmão dele, com muito orgulho.

Mundo Corporativo: Carolina Ignarra, da Talento Incluir, diz que contratar pessoas com deficiência não é caridade

No bastidor da entrevista online com Carolina Ignarra, foto: Priscila Gubiotti/CBN

“E eu garanto que fazer inclusão bem feita expande o cumprimento de uma lei. Com certeza traz benefícios para o negócio e para a sociedade toda.”

Carolina Ignarra, Talento Incluir

Apenas 1% das pessoas com deficiência no Brasil ocupa cargos de liderança. Pior (ou seria tão ruim quanto?), 63% delas nunca recebeu uma promoção, mesmo estando há anos na mesma empresa. Esses dados, revelados pela pesquisa Radar da Inclusão, mostram que, apesar dos avanços, barreiras estruturais ainda impedem uma verdadeira equidade no mercado de trabalho. A forma como as organizações enxergam esses profissionais é um dos principais entraves. Esse foi o tema abordado no programa Mundo Corporativo, em entrevista com Carolina Ignarra, CEO do Grupo Talento Incluir.

Carolina era educadora física quando sofreu um acidente que a tornou cadeirante. Ao contrário da maioria das pessoas com deficiência, rapidamente retornou ao mercado de trabalho sem que o fato de ser paraplégica tenha sido impedimento ou privilégio: “eu fui reintegrada no trabalho com a minha singularidade, com a minha diferença fazendo parte, mas sem que a deficiência fosse o motivo da minha incapacidade ou o motivo da minha capacidade”.

Logo ela percebeu que a deficiência é só uma característica que não define nem diz quem é a pessoa. Da mesma forma, aprendeu que essa experiência não era compartilhada por outras pessoas com deficiência, o que fez Carolina decidir-se por atuar na inclusão dentro das empresas.

A realidade ainda é de uma contratação baseada em cotas, não em convicção. “As empresas acham que já estão fazendo um favor ao contratar uma pessoa com deficiência e não enxergam esse profissional com toda a sua integralidade e potencial”. Esse pensamento limita o desenvolvimento desses profissionais, que enfrentam um histórico de exclusão e falta de oportunidades.

O papel da liderança na inclusão

Para Carolina, a mudança só ocorre quando as empresas fazem da inclusão uma escolha consciente. “Fazer por obrigação é o mínimo. Fazer por conveniência é importante, mas só avançamos quando fazemos por convicção”. Isso significa entender que contratar e desenvolver pessoas com deficiência não é caridade, mas uma estratégia que beneficia a empresa e a sociedade.

A pesquisa Radar da Inclusão também aponta que “nove a cada dez profissionais com deficiência afirmam ter passado por capacitismo no trabalho”. Carolina explica que o capacitismo está enraizado na sociedade e impacta tanto as empresas quanto os próprios profissionais com deficiência, que podem internalizar essa visão limitadora. “Nós somos autocapacitistas. Quando crescemos ouvindo que não podemos ou não conseguimos, é natural que internalizemos essa crença”.

A experiência da Eurofarma

Um exemplo de iniciativa voltada para a inclusão é o projeto de mentoria da Eurofarma. A empresa estruturou um programa para desenvolver talentos com deficiência, promovendo treinamentos e acompanhamento personalizado. “O projeto envolveu 40 pessoas com deficiência, que foram mentoradas por líderes da organização. Essa troca fortalece a confiança dos profissionais e impulsiona suas carreiras”, explica Carolina. Além disso, o programa resultou em promoções e avanços profissionais, demonstrando que inclusão bem-feita vai além do cumprimento de cotas. “As empresas que investem em inclusão com planejamento e propósito colhem benefícios concretos, tanto no ambiente corporativo quanto na sociedade”.

Assista ao Mundo Corporativo

O Mundo Corporativo pode ser assistido, ao vivo, às quartas-feiras, 11 horas da manhã, pelo canal da CBN no YouTube. O programa vai ao ar aos sábados, no Jornal da CBN, e aos domingos, às 10 da noite, em horário alternativo. Você pode ouvir, também, em podcast.

Colaboram com o Mundo Corporativo: Carlos Grecco, Rafael Furugen, Débora Gonçalves e Letícia Valente.

Mundo Corporativo: Kelly Lopes, do IOS, defende que a educação digital transforma a vida de jovens e pessoas com deficiência

Foto de fauxels

“É a capacitação técnica que abre a porta para esse jovem entrar na empresa, mas é a responsabilidade comportamental, o engajamento, a responsabilidade dele, que o faz brilhar, que abre para ele as oportunidades de carreira — inclusive para as pessoas com deficiência”.

Kelly Lopres, Instituto de Oportunidade Social

A necessidade de educação digital se tornou evidente ao longo dos anos, à medida que a sociedade avançou tecnologicamente. Estar mais bem preparado para atender a essa demanda pode ser o grande diferencial para jovens e pessoas com deficiência que buscam espaço nas empresas. De olho nessa oportunidade foi que surgiu o Instituto de Oportunidade Social que tem como superintendente Kelly Lopes, entrevistada do Mundo Corporativo da CBN.

Instituto promove formação profissional

Kelly diz que o IOS tem desempenhado um papel fundamental na formação profissional e na empregabilidade de jovens entre 15 e 29 anos e pessoas com deficiência, a partir de 16 anos. Um aspecto que ela destaca é a ênfase na formação tecnológica. O Instituto aborda esse desafio fornecendo formação profissional extracurricular em tecnologia, que pode ser realizada simultaneamente ou após a conclusão do ensino médio. O objetivo é capacitar os jovens a conquistarem seu primeiro emprego ou obterem uma recolocação profissional no mercado de trabalho formal.

O Instituto, que completa 25 anos de existência, teve sua origem em uma iniciativa da empresa Totvs, que segue sendo sua principal mantenedora. No entanto, ao longo dos anos, o IOS estabeleceu parcerias com outras empresas, como Dell e 3M no Brasil, além de colaborar com órgãos governamentais municipais e estaduais em São Paulo e Minas Gerais, por meio de projetos de incentivo fiscal e fundos de defesa das crianças e adolescentes.

O desafio de jovens e pessoas com deficiência

Um dos principais desafios enfrentados pelos jovens na busca por emprego é a falta de preparação do ambiente escolar para o mercado de trabalho. A educação básica não costuma abordar as habilidades técnicas e comportamentais necessárias no mundo corporativo, avalia Kelly . Além disso, a maioria dos jovens não recebe orientação sobre suas opções de carreira ou mentoria. Por outro lado, as empresas enfrentam desafios relacionados à digitalização do processo seletivo, que pode tornar difícil identificar os verdadeiros talentos entre os candidatos. 

“O nosso jovem brasileiro, ele é o jovem do corre, ele é o jovem que faz as coisas acontecer. Está faltando para ele referência, mentoria, cuidado e acolhimento. Principalmente, agora no pós-pandemia. No Instituto, a gente faz esse complemento, esse atendimento niversal do indivíduo. E aí é quase uma mágica”. 

Taxa de desemprego entre jovens é enorme

Kelly enfatiza que o IOS se preocupa em promover a educação digital, preparando os jovens para lidar com as ferramentas tecnológicas usadas no ambiente corporativo. Muitos jovens estão conectados digitalmente, mas não possuem as habilidades necessárias para se destacarem no mercado de trabalho.

O público-alvo do IOS são jovens de 15 a 29 anos, com a maioria situada na faixa etária de 15 a 21 anos. Esses jovens frequentemente enfrentam altas taxas de desemprego, mesmo com incentivos existentes. Kelly destaca a importância de proporcionar oportunidades de capacitação e emprego para essa faixa etária.

Desafio é maior entre pessoas com deficiência

Quando se trata de pessoas com deficiência, a situação é ainda mais desafiadora. Muitas vezes, elas enfrentam dificuldades não apenas na educação formal, mas também no acesso à tecnologia e no entendimento do mundo corporativo. A falta de acesso à educação inclusiva e a falta de apoio adequado contribuem para a exclusão dessas pessoas do mercado de trabalho formal.

No entanto, o IOS está fazendo a diferença na vida dessas pessoas, oferecendo formação profissional e apoio psicossocial sob demanda, diz Kelly. Os resultados são impressionantes, com uma média de 65% de empregabilidade bem-sucedida para os jovens formados pelo Instituto e até 80% para pessoas com deficiência.

O IOS não se limita apenas à capacitação. Também trabalha com empresas para sensibilizá-las sobre a importância da diversidade e inclusão, ajudando a criar oportunidades para jovens e pessoas com deficiência. Além disso, o Instituto auxilia na preparação das empresas para receberem esses profissionais e promove a conscientização e o treinamento de lideranças sobre como apoiar e incluir esses colaboradores. 

“É importante a gente também mostrar para as empresas que a gente pode apoiá-las na questão da diversidade, porque o nosso jovem é diverso. Estou atendendo jovem da escola pública, muitos em situação de vulnerabilidade, pessoas negras, pessoas com deficiência, o público LGBTQIA+. É um público diverso que a gente está atendendo e isso também traz valor para a empresa”. 

Uma história inspiradora

Kelly compartilha uma história inspiradora de uma jovem chamada Beatriz, que superou desafios e encontrou sucesso profissional após participar dos cursos do IOS. Beatriz, uma jovem negra da periferia de Diadema, ingressou no Instituto, fez cursos de tecnologia e gestão empresarial e conseguiu se destacar em um processo seletivo em uma grande multinacional de tecnologia. Sua jornada de superação demonstra o potencial dos jovens quando recebem oportunidades adequadas.

No Brasil, a educação técnica de nível médio ainda é subutilizada, com apenas 11% dos jovens tendo acesso a esse tipo de formação. Kelly enfatiza a importância de levar a capacitação técnica para dentro das escolas, capacitando professores e promovendo o voluntariado corporativo para ampliar as oportunidades para os jovens.

Ao final da entrevista, Kelly destacou que a tecnologia não deve ser apenas uma ferramenta, mas também um meio para empoderar jovens e pessoas com deficiência. A capacitação e o desenvolvimento de habilidades comportamentais são essenciais para abrir portas para esses indivíduos no mercado de trabalho.

Assista à entrevista completa com Kelly Lopes no Mundo Corporativo

O  Mundo Corporativo da CBN pode ser assistido ao vivo, às quartas-feiras, 11 horas da manhã, no canal da CBN No You Tube. O programa tem a colaboração de Renato Barcellos, Larissa Machado, Priscila Gubiotti e Rafael Furugen.

Pais, onde estamos na vida de filhos com deficiência?

Christian Müller Jung

Foto de Dobromir Dobrev

Esses dias assistindo a um desses programas dominicais na televisão deparei com mais uma reportagem a respeito da criação de filhos com deficiência.

Sem surpresa na abordagem. Lá estavam, novamente, duas coisas que me incomodam quando o tema é tratado. Primeiro, a figura paterna não existe. Segundo, o amor pelos filhos com deficiência é colocado em uma escala acima daquele que se tem pelos filhos sem deficiência.

Vamos partir do princípio que todo filho é uma dadiva. O amor incondicional não passa a existir com a presença ou não de uma deficiência. Existe porque existe. Porque se ama. Se é que você me entende!

Evidentemente, o envolvimento com o filho deficiente tem maior intensidade em razão dos cuidados, físicos e psicológicos, que ele exige. Ter um filho deficiente mesmo que seja uma escolha, como no caso de adoção, não é tarefa fácil! Deixe-me, porém, voltar ao assunto dos pais.

Como sou pai de uma menina deficiente, eu sei e já vi muitas dessas histórias de pais que pulam fora quando o problema surge. Não suportam o tanto de dedicação e paciência que é preciso, porque a partir daquele momento, em muitos casos, não se terá um filho que será independente quando chegar na fase adulta. Teremos alguém que vai precisar da gente para o resto de nossas vidas. Tem-se ainda a real preocupação do que será deles e quem os cuidará, já que pela expectativa de vida nós iremos embora antes deles. Não é coisa pra gente fraca!

Porém, conheço muitos pais que são exemplo de dedicação. Pais que casam com mulheres que já tem um filho deficiente e foram deixadas de lado no primeiro casamento por este motivo.

Pais que assumem com o maior carinho esse filho como sendo seu de sangue. Superam qualquer problema futuro em nome de um amor e dedicação. Pais que dividem a tarefa pesada da criação de um filho deficiente com a mãe dando equilíbrio a um casamento que algumas vezes se abala com esse inesperado acontecimento e que ninguém saberá lhe dar apoio a não ser o próprio tempo.

Eu sei o que fiz pela minha filha e o que venho fazendo. Quando ficamos sabendo que teríamos uma menina, pintei todo o quarto, montamos tudo para recebê-la da melhor forma. Por quase dois meses, com ela em coma, tinha que passar pela porta e ver o berço vazio sem saber se algum dia ela iria deitar ali. Lembro de quantas noites, depois dela ter chegado em casa, dormi no chão ao lado da cama com medo que ela tivesse uma convulsão como tantas que já tivera no hospital. Medo que parasse de respirar ou qualquer coisa do tipo. 

Você se dedica, se envolve, compartilha funções com a mãe, o casal enfrenta todas as barras pesadas que surgem no seu caminho e quando chega ao médico – e fomos há muitos neste tempo todo – você é considerado apenas uma figuração. O pai participativo não existe para aquele especialista. É como se falássemos com as paredes.  Eles olham e prestam atenção na mãe. O pai não existe, mais ou menos assim como nas reportagens da TV.

Claro que nem todos os médicos agem desta maneira, mas é preciso que se saiba que nem todos os pais agem da mesma maneira, também. É necessário entender a realidade de cada família.

Agora, pense comigo, se até profissionais acostumados com o cotidiano das crianças com deficiência nos tratam assim, imagine na reportagem da televisão.

Como escrevi logo no início, o outro aspecto que me incomoda é maneira como os filhos com deficiência são descritos. Por favor, não me veja como alguém cruel. Mas essa áurea de algo especial é muito mais bonita nas reportagens do que no dia a dia de quem se dedica a buscar uma melhor qualidade de vida aos seus filhos. E de forma geral as abordagens referentes aos filhos com algum tipo de problema é que eles são muito especiais. Sim, é lógico que são! Como todos os filhos são especiais para nós! Todos exigem cuidado, atenção e dedicação. 

Sem dúvida, quem tem maiores limites exigirá mais do que os que caminham e pensam por conta própria. Aliás, um alerta: é preciso cuidar muito desses que caminham e pensam por conta própria, porque eles também correm o risco de serem esquecidos em detrimento dos filhos com deficiência. E sabemos como é importante e necessário a atenção dos pais nas diversas fases da vida, sabemos das carências que eles tem, das dúvidas, das contradições que a infância e a adolescência nos impõe.

Não quero com este texto que você pense que sou um pai revoltado ou desgostoso com o que a vida me preparou, mas quero sim que saiba que a vida que levamos com os filhos deficientes é muito diferente de uma propaganda de margarina. Muito diferente da maioria das reportagens que assistimos. É uma vida dura, sim. Por vezes, é triste. É de eterna adaptação, é de estado de alerta. Muitas vezes temos de nos levar a superação para tolerar até mesmo comportamentos intempestivos. Fazemos de cada limão uma limonada. Tentamos tornar os dias o mais próximo do que idealizamos para eles. E, claro, também, sorrimos, nos emocionamos e comemoramos. 

Porque somos pais presentes, existentes! 

Christian Müller Jung é publicitário de formação, mestre de cerimônia por profissão e pai da Vitória e do Fernando. Colabora com o blogo do Mílton Jung — o irmão dele, com muito orgulho.

Inclusão e Desafios: como a inteligência artificial pode mudar a realidade da população com deficiência no Brasil

Por Mia Codegeist 

Foto de cottonbro studio

No Brasil, a inclusão e a garantia dos direitos das pessoas com deficiência são temas de extrema importância. De acordo com estimativas recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tem uma população de 18,6 milhões de indivíduos com deficiência, representando 8,9% da população com dois anos de idade ou mais. Diante dessa realidade, é crucial buscar soluções que promovam a inclusão e melhorem a qualidade de vida dessas pessoas. A Inteligência Artificial traz recursos que podem ser explorados pelos governos, instituições e pessoas que trabalham por respostas que atendam as necessidades das pessoas com deficiência. Antes de falarmos desse tema, vamos ao cenário que o IBGE acaba de revelar com base na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2022.

Desigualdades na Educação:

Uma das áreas em que as desigualdades são mais evidentes é a educação. Infelizmente, crianças e jovens com deficiência enfrentam maiores obstáculos para acessar a educação formal em comparação com aqueles sem deficiência. Dados do IBGE revelam que apenas 89,3% das crianças com deficiência entre 6 e 14 anos frequentam o ensino fundamental, enquanto essa taxa é de 93,9% para crianças sem deficiência. A disparidade se mantém no ensino médio e superior, demonstrando a necessidade de políticas inclusivas e recursos adequados para garantir o direito à educação de qualidade para todos.

Desafios no Mercado de Trabalho:

Outro aspecto preocupante é o acesso ao mercado de trabalho. A taxa de ocupação para pessoas com deficiência é de apenas 26,6%, em contraste com a média de 60,7% da população total. Essa discrepância reflete barreiras que ainda persistem, como preconceitos, falta de acessibilidade física e falta de oportunidades adequadas. É essencial que as empresas e órgãos governamentais se comprometam em criar ambientes inclusivos, promovendo a diversidade e garantindo oportunidades iguais para todos os profissionais, independentemente de suas habilidades ou limitações.

Desigualdades na Renda

As desigualdades também são evidentes quando analisamos a renda das pessoas com deficiência. O rendimento médio do trabalho para essa população é de R$ 1.860, enquanto para aqueles sem deficiência é de R$ 2.690. Além disso, existem diferenças regionais significativas. O Nordeste apresenta o menor rendimento médio, com uma diferença de R$ 508 entre pessoas com e sem deficiência. É fundamental que sejam implementadas políticas públicas que visem à redução dessas disparidades e à garantia de um salário digno para todos os trabalhadores.

O poder transformador da IA

A inteligência artificial tem um potencial transformador na promoção da inclusão e melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiência no Brasil. Por meio de tecnologias de acessibilidade, aprendizado personalizado, acessibilidade digital aprimorada, robótica assistiva e diagnóstico precoce, a IA pode ajudar a superar as barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência, proporcionando maior autonomia, independência e igualdade de oportunidades. A seguir, falamos sobre cada uma dessas cinco abordagens em que a inteligência artificial pode ser explorada em benefício das pessoas com deficiência.

1. Tecnologias de acessibilidade impulsionadas pela IA:

A IA tem o potencial de impulsionar o desenvolvimento de tecnologias de acessibilidade inovadoras. Por meio de avanços em reconhecimento de voz, tradução automática e próteses inteligentes, a IA pode auxiliar pessoas com deficiência de fala, audição ou mobilidade, proporcionando maior autonomia e inclusão social.

2. Aprendizado personalizado para a inclusão educacional:

A IA pode desempenhar um papel fundamental na promoção da inclusão educacional. Sistemas de aprendizado personalizado baseados em IA podem adaptar o conteúdo e as estratégias de ensino de acordo com as necessidades individuais dos alunos com deficiência, facilitando seu acesso à educação e promovendo um aprendizado mais eficaz e envolvente.

3. Acessibilidade digital aprimorada:

A IA pode ser usada para melhorar a acessibilidade de plataformas digitais, tornando-as mais inclusivas para pessoas com deficiência visual, auditiva ou cognitiva. Algoritmos de IA podem analisar e adaptar automaticamente o conteúdo, fornecendo descrições de imagens, legendas em vídeos e recursos de navegação simplificados, garantindo que todos tenham igual acesso à informação e aos serviços online.

4. Automação e robótica assistiva:

A IA tem o potencial de impulsionar o desenvolvimento de robôs e sistemas autônomos para auxiliar pessoas com deficiência em suas atividades diárias. Desde a locomoção e a realização de tarefas domésticas até o suporte emocional, essas tecnologias podem ampliar a independência e a autonomia, proporcionando uma maior qualidade de vida.

5. Prevenção e diagnóstico precoce:

Algoritmos de IA podem ser utilizados para analisar grandes volumes de dados médicos, permitindo a identificação de padrões e indicadores precoces de deficiências. Dessa forma, é possível realizar diagnósticos precoces e intervenções mais eficazes, melhorando os resultados de saúde e garantindo acesso adequado aos cuidados desde o início.

Dito isso, não esqueça: ao pensar em formas de explorar a inteligência artificial em favor das pessoas com deficiência é fundamental garantir uma implementação ética e inclusiva da IA, envolvendo essas pessoas em todas as fases do processo, para que suas necessidades e perspectivas sejam devidamente consideradas. Criar soluções inclusivas sem a abordagem das pessoas com deficiência não é inclusivo!

Mia Codegeist é autor que abusa da inteligência artificial para compartilhar conhecimento sobre temas relevantes à sociedade.

Menos de 0,5% das vagas de deficientes é para líderes

Os profissionais com deficiência ainda enfrentam grandes obstáculos quando se trata de alcançar cargos de liderança nas empresas. Segundo um levantamento realizado pela Talento Incluir, consultoria de diversidade e inclusão pioneira no Brasil, menos de 0,5% das vagas preenchidas por pessoas com deficiência oferecem oportunidades de liderança. Essa estatística revela a necessidade de avançar na promoção de uma inclusão mais profunda e verdadeira no ambiente corporativo.

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Desafios na inclusão

No ano de 2022, 82% das vagas preenchidas por profissionais com deficiência por meio da Talento Incluir eram para cargos de entrada, com salários médios de R$1.634,00. Dentre essas vagas, 17% eram para áreas operacionais, 22% para áreas comerciais e 61% para áreas administrativas. A disparidade se estende além da falta de oportunidades em cargos de liderança e reflete na qualidade das contratações. Segundo o IBGE, em 2019, a taxa de participação das pessoas com deficiência no mercado de trabalho era de apenas 28,3%, comparada a 66,3% das pessoas sem deficiência. Além disso, esses profissionais enfrentam uma diferença salarial significativa, recebendo cerca de R$1.000,00 a menos que o rendimento médio das pessoas sem deficiência.

Estudo revela desafios adicionais

O estudo “Pessoas com Deficiência e Empregabilidade”, liderado pela consultoria Noz Inteligência em parceria com a Talento Incluir, mostrou que mesmo as pessoas com deficiência que possuem ensino superior completo (53%) e estão há mais de 10 anos na mesma empresa (45%) têm dificuldade em serem promovidas. Esses resultados destacam o capacitismo como uma das principais barreiras ao desenvolvimento de carreira para esse grupo, mesmo quando eles estão tecnicamente preparados para assumir cargos de liderança.

Promovendo a inclusão efetiva

A CEO da Talento Incluir, Katya Hemelrijk, ressalta que as empresas verdadeiramente comprometidas com o aumento da diversidade entre seus colaboradores devem avançar em ações que ofereçam oportunidades e promovam o desenvolvimento de carreira para pessoas com deficiência, permitindo que elas alcancem cargos de liderança. Não basta apenas preencher vagas, é necessário ir além e promover uma inclusão produtiva, acolhedora e abrangente, que amplie a diversidade nas organizações.

É preciso esforço para criar um ambiente inclusivo

A inclusão de profissionais com deficiência em cargos de liderança ainda é uma realidade distante nas empresas. Os números revelam a necessidade de um esforço maior para criar um ambiente de trabalho verdadeiramente inclusivo, onde as habilidades e competências desses profissionais sejam valorizadas. A mudança real virá quando as empresas abraçarem a inclusão como uma estratégia fundamental para o sucesso organizacional.

As empresas devem adotar políticas inclusivas desde o recrutamento até o desenvolvimento profissional, garantindo que esses profissionais tenham acesso a oportunidades de crescimento e capacitação. É fundamental promover um ambiente de trabalho que valorize a diversidade, em que todos os colaboradores se sintam respeitados e acolhidos.

A mudança não se limita apenas às empresas. A sociedade como um todo deve assumir a responsabilidade de combater o preconceito e os estereótipos associados às pessoas com deficiência, reconhecendo e valorizando suas habilidades e talentos. A inclusão de profissionais com deficiência em cargos de liderança não apenas promove a equidade, mas também traz benefícios tangíveis para as organizações, como maior criatividade, inovação e desempenho.

Portanto, é imprescindível que as empresas se empenhem em superar as barreiras que impedem a ascensão de profissionais com deficiência a cargos de liderança. A inclusão efetiva desses talentos contribui para a construção de um ambiente de trabalho mais diverso, inclusivo e justo.

Mundo Corporativo: Helen Andrade, da Nestlé, ajuda a hackear barreiras que limitam a diversidade e a inclusão

Foto de fauxels no Pexels

“Não existe lugar que não é para você. Existe lugar que você ainda não chegou” 

Helen Andrade, Nestlé

Ao ler um anúncio de emprego oferecendo vaga para coordenador de manutenção, a primeira mensagem que profissionais recebem é de que a empresa está em busca de um homem. Pode parecer apenas um detalhe, mas a maneira como a vaga é descrita revela um viés inconsciente e reforça um preconceito. Observar as peculiaridades, identificar os desvios e incentivar a diversidade e inclusão são algumas das funções que Helen Andrade assumiu, no ano passado, em plena pandemia, na maior fabricante de alimentos e bebidas do mundo.

Em entrevista ao Mundo Corporativo, Helen, que é líder de Diversidade e Inclusão da Nestlé, chamou atenção para outros aspectos que influenciam na forma como as empresas selecionam seus profissionais ou oferecem oportunidades de crescimento:

“Uma grande empresa tem fluxo de pagamentos de 60 a 90 dias e isso é muito ruim para os pequenos fornecedores. Como a pessoa vai se sustentar recebendo daqui dois ou três meses? É preciso apoiar essa cadeia de fornecedores e, para isso, ampliar algumas políticas, sobretudo na forma de pagamento”.

No caso do anúncio de vaga, ela sugere que se tenha uma linguagem neutra na comunicação e as pessoas do setor de recursos humanos influenciem as lideranças em relação a não limitar a busca, já que o potencial pode ser encontrado em qualquer lugar. Helen alerta para cuidados que se deve ter na entrevista de emprego, porque uma pergunta pode estragar o processo seletivo e leva a empresa a perder talentos.

“Temos de entender como hackear o viés”

Mulher e negra, Helen também teve de superar as barreiras que existem para chegar a um cargo de comando dentro de uma grande empresa, apesar dela se considerar privilegiada por ter nascido em uma família na qual sempre teve o apoio da mãe para estudar e entrar na universidade. A educação fez diferença na vida dela. A indignação a levou em frente:

“É preciso ficar indignada e transformar essa indignação em ação”.

Ações afirmativas já vinham sendo desenvolvidas ao longo do tempo. Em 2015, com a inauguração da fábrica da Dolce Gusto, em São Paulo, se criou o desafio de transformá-la em exemplo de equidade de gênero. Em um ambiente estigmatizado como muito masculino, hoje 44% do corpo de funcionários são mulheres. Na fábrica da Garoto, em Vila Velha, Espírito Santo, são 100 profissionais surdos, de um total de 900 empregados com deficiência que atuam em toda a empresa, no Brasil.

A Nestlé inaugurou o centro de competência de diversidade e inclusão, área que funciona dentro da vice-presidência de gestão de pessoas e compliance, com a intenção de envolver todos os colaboradores e lideranças para que essa discussão —- na pauta racial, de gênero, de pessoas com deficiência, de LGBTi+, de jovens e com mais de 50 anos —- tenha efeitos internamente e reverbere nas demais comunidades que estão no entorno da empresa.

Logo que chegou à Nestlé, Helen promoveu um senso interno no qual identificou que 43% dos cerca de 30 mil empregados são pretos e pardos. Hoje, é possível saber onde estão, e em que nível da hierarquia se encontram —- informações que ajudam no planejamento de atividades. Para ajudar esses profissionais, foi lançado um programa de mentoria no qual são acompanhados por executivos da empresa, o que permite o desenvolvimento na carreira. Houve reformulação no recrutamento e seleção de pessoal: o programa de trainee, por exemplo, levou a contratação de 75% de negros e mais de 60% de mulheres.

“Não é uma questão unicamente de fazer para mostrar que está fazendo, é fazer o que é o correto e que vai te trazer resultado sim, sem dúvida, mas que você acredita nisso. e você só vai acreditar se você conhecer o tema”.

O Mundo Corporativo pode ser assistido, ao vivo, às quartas-feiras, 11 horas, no canal da CBN no Youtube, no site e na página da CBN no Facebook. O programa vai ao ar aos sábados, no Jornal da CBN, e aos domingos, às 10 da noite, em horário alternativo. E pode ser ouvido, também, em podcast. Colaboram com o Mundo Corporativo: Izabela Ares, Bruno Teixeira, Débora Gonçalves e Rafael Furugen.

Às mães atípicas

Por Simone Domingues

@simonedominguespsicologa

Especialmente na semana que comemoramos o Dia das Mães, o estereótipo materno invade os meios de comunicação, enaltecendo aquela que sabe de todas as coisas, que é a rainha do lar, capaz de tudo suportar. 

Ao longo do tempo,  o conceito de maternidade sofreu profundas mudanças históricas e culturais, mas a manutenção de uma visão poética e romantizada, por vezes, limita discussões e não corresponde à realidade de inúmeras mulheres. 

Maternidades típicas e atípicas.

Maternidade que por vezes vai além da noite mal dormida, da dúvida entre o aleitamento materno ou a mamadeira, do choro de cólica ou de colo.

Mães atípicas.

Sua maternidade é construída com o filho que tem deficiência,  transtornos do neurodesenvolvimento ou doenças raras.

Falo sobre essas mães. Mães que muitas vezes são esquecidas.

Descobriram com a maternidade uma jornada de desafios que excedem os padrões.

Frequentemente estão sozinhas ou são acompanhadas por olhares que englobam um misto de pena e responsabilização.

Onde falharam?

A pergunta que também ressoa em seus pensamentos, gerando culpa e impotência.

Não falharam.

Fizeram e fazem o melhor que podem, mas como não são heroínas, e sim mulheres de carne e osso, nem sempre conseguem fazer tudo o que gostariam.

Por vezes faltam recursos financeiros e educacionais, acesso a tratamentos adequados, apoio familiar, medidas governamentais. Mas não faltam o seu empenho, a sua dedicação, seu amor genuíno e uma vontade de seguir em frente mesmo quando parece não haver mais energia capaz de sustentar o seu corpo cansado, exausto pela rotina.

Lutam batalhas mais penosas, quando precisam exigir que seus filhos sejam incluídos e não sofram os preconceitos de uma sociedade cuja medida de valor se baseia excessivamente na análise  de desempenhos acadêmicos e sucessos profissionais em detrimento do afeto.

Perdem a paciência, sentem  tristeza. Perdem o sono, sentem medo. 

Vocês não são perfeitas, queridas mães. E está tudo bem. O que não vai bem é a nossa incapacidade de acolher a sua preocupação e o seu pranto, de conhecer as suas necessidades e lhes oferecer uma ajuda eficaz.   

Sim. Nós que somos mães, pais, filhos ou irmãos típicos, estamos falhando com vocês.

Parabéns para cada mãe. Para cada uma que apesar de não ter superpoderes, pode simplesmente ser. E isso, vamos combinar, já dá um trabalho danado!

Saiba mais sobre saúde mental e comportamento no canal 10porcentomais

Simone Domingues é Psicóloga especialista em Neuropsicologia, tem Pós-Doutorado em Neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das autoras do perfil @dezporcentomais no Youtube. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung