Conte Sua História de São Paulo: as capuchetas da rua das Vertentes

Por Reinado Nogueira

Ouvinte da CBN

Foto de Abriles_ no Flickr

 

O ano era 1966 quando nasci na maternidade do Brás, saudosa e bela, que me proporcionou a Luz Natal que carrego até hoje.

Tive uma infância muito legal, na rua das Vertentes, ali na Vila Constância, na zona norte – que era o meu mundo. Todos os dias, lá pelos meus cinco ou seis aninhos, ficava no muro de casa olhando a rua esburacada e não asfaltada que se estendia em uma subida longa à minha esquerda até sumir no horizonte.

Ahhh, como eu tinha o sonho de um dia vencer aquela subida e conhecer o que havia além daquele morro onde o sol se punha. Eu imaginava um mundo totalmente diferente e cheio de luzes, cores e movimento, onde tudo seria moderno.

Um dia fomos acordados por barulhos estrondosos de tratores e máquinas Era o progresso. O asfalto chegara! Simmmmmm, minha rua seria asfaltada. Será que agora eu conseguiria vencer aquela subida? 

Foi só em 1973, um idoso com meus sete anos, que decidi subir a rua até o seu fim e dar um perdido em casa — ops, para aquela época, isso era crime de estado e me valeu uma bronca federal da Dona Teresa, minha mãe. Ao menos descobri que o mundo poderia ser desafiador, com um visual totalmente diferente lá de cima e nada seria impossível: bastava querer!

Voltando aos limites. Descobri que poderia ser mais. Aos 12 anos e sem dinheiro para comprar minhas pipas, eu dobrava jornais velhos e fazia capuchetas, baratas e práticas. Desafiei os grandes que dominavam os céus e derrubei mais de um, o que me rendeu a fama de herói da rua.

O tempo passou e como diz João Nogueira em sua música “Espelho…”: “troquei de mal com Deus por me levar meu Pai”. Não foi papai. Foi minha mãe quem foi levada em um terrível acidente, em 1983. 

Passado o trauma, comecei a trabalhar cedo e como era fã de quebrar limites com 17 anos já era um pesquisador na área de tecnologia. Na época, havia o CPD – Centro de Processamento de Dados, onde comecei como digitador, operador de computador e depois programador.

No antigo colegial, graças a minha curiosidade entrei para um grupo musical afro, cantando Kunta Kinte, na Banda Raízes. Acabamos por ganhar um concurso estadual de música no Teatro Elis Regina. 

A faculdade chegou. Era à noite. Retornava para casa nos ônibus elétricos da CMTC, entre 11 e meia-noite, com aquela neblina forte e a tradicional garoa. Tempos diferentes, sem os perigos de hoje. Eram cansativos, também. Dormia em média cinco hora. Era felizes, porém, com minhas escolhas.

Nos anos de 1990, lecionei em programas de graduação e pós-graduação. Hoje, são 33 anos de docência, com muito orgulho. Casado, com filhos e netos, procuro todos os dias trazer a metáfora da rua das Vertentes para a educação dos meus queridos. Aquela rua me ensinou a transcender os meus limites.

 

Professor Reinaldo Nogueira é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Fique atento porque já estamos nos programando para mais uma série especial do Conte Sua História: escreva agora o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para conhecer outros capítulos da nossa cidade, visite meu blog miltonjung.com.br ou o nosso podcast.

Conte Sua História de São Paulo: os banhos no lago do Villa Lobos

 

Por Claudio Menezes

 

 

Descendente de imigrantes portugueses e italianos, minha família quase toda é do Alto da Lapa, na zona Oeste de São Paulo.

 

Meu bisavô ao lado dos filhos e de funcionários – ou de colaboradores, termo que costumam usar nos dias de hoje – participaram do trabalho de construção da Estrada da Boiada. Dizem que a Estrada era o caminho para ligar Santo Amaro a Pinheiros. Hoje, muitos de nós passamos por lá, sem boi, é claro: é a Avenida Diógenes Ribeiro de Lima.

 

Dentre outras obras importantes que meu avô e sua turma participaram está a Praça Panamericana, aquela enorme e verde rotatória, um marco do Alto de Pinheiros.

 

Na rua em que nossa família morava havia uma feira livre. Isso nos permitia embolsar uns trocados extras. Eu e outros meninos fazíamos carreto para os clientes da feira. Nós também aproveitávamos para pegar os barbantes que serviam para fechar sacos de feijão que eram feitos de estopa. O barbante era usado depois como linha de pipa que soltávamos lá pela região do parque Villa Lobos.

 

O parque ainda não existia. Lá havia lagoas. E, sem saber nadar nem noção do perigo, pegávamos pedaços de isopor para nos refrescar nos dias quentes.

 

Cláudio Menezes é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Venha contar a sua história aqui na CBN: escreva seu texto e envie para milton@cbn.com.br.

Conte Sua História de SP – 462 anos: uma pipa nas manhãs de sábado

 

Por Luiz Silva

 

 

Em 1970, éramos adolescentes e morávamos no bairro da Cidade A. E. Carvalho, zona leste de São Paulo. Nosso passatempo favorito era confeccionar e empinar pipas, nas manhãs de sábados. Nosso encontro aconteciam na entrada da casa do meu amigo Israel. O ritual alegre era acompanhado pela garotada da periferia que tentava descobrir como fazer belas e multicoloridas pipas.

 

Tudo era feito com muita descontração, desde o preparo da cola com farinha de trigo, que eu levava de casa e exigia muito esmero para não sujar o belíssimo fogão da dona Ondina, mãe do Israel. As folhas de papel de seda eram da lojinha da dona Matilde, escolhidas cuidadosamente entre as diversas cores dispostas na prateleira.

 

Existia um momento que exigia grande concentração, era quando começávamos a “afinar” as varetas retiradas do bambu do varal de roupas da dona Ondina. Nesse momento, até que adquirisse destreza com a afiadíssima faca dialogávamos sobre as novas namoradinhas, os estudos no Ginásio Estadual Cidade de Hiroshima, que localizava-se em Itaquera e sobre o serviço como Office-boy numa Cia. de Seguros no centro de São Paulo.

 

O grande prazer completava-se por estar ao lado do amigo que não via há uma semana e poder detalhar o perfil da nova namorada que trocávamos assim como éramos trocados freqüentemente.

 

Às vezes, éramos obrigados a abandonar nossa área de lazer momentaneamente, pois dona Ondina queria varrer a mesma, o que ocasionava um tempo de espera encostados no velho carro Ford semi-desmontado pelo Sr. Luis, pai do meu amigo, que era mecânico. Nesse momento passava o Zé Roque, irmão do meu amigo e parava na nossa frente com algumas peças de televisão na mão, pois o mesmo tinha uma oficina de conserto no quintal, e ficava zombando da nossa capacidade de confeccionar pipas. Gargalhadas espalhadas pelo ar entrecortadas pelos raios de Sol da bela manhã de sábado completava a nossa felicidade com a chegada do Lalá que com seu tradicional assobio chamando sua namorada que era a irmã do Israel. Saía toda perfumada, sorrindo e pisando cuidadosamente sobre os pipas para não amassá-las. Abraçavam-se carinhosamente e nós abaixávamos a cabeça concentrados na confecção da nossa namorada, que era a pipa.

 

Olhávamos o céu azul e a nossa maior preocupação era com o vento. Entre a confecção das pipas e a eterna paciência em fazer aquelas “rabiolas” quilométricas, molhávamos o dedo com saliva para saber qual a direção que o vento soprava e sua intensidade.

 

Dessa maneira tínhamos uma vaga noção por onde nossas pipas e nossos pensamentos voariam.

 

O vento da periferia sempre era bondoso conosco e jamais deixava de soprar aos sábados de manhã. Às vezes trazia o aroma agradabilíssimo do café coado pela dona Ondina, em xícaras de porcelana pelo Lalá e sua linda namorada. Sempre sorrindo e desejando-nos bons ventos.

 

Talvez por não existirem prédios, o vento soprava uma agradável brisa, na quantidade exata às nossas expectativas e aos nossos sonhos de adolescente, e soprava em quase todas as direções.

 

Fazíamos as pipas com perfeição e elas raramente deixavam de voar. Tínhamos uma brincadeira maravilhosa que consistia em dar nomes às nossas pipas e geralmente ganhavam nomes da última namorada e assim que o mesmo ganhava o céu ficávamos imaginando subir junto com eles e ficarmos olhando lá de cima tudo o que tinha acontecido, acontecia ou iria acontecer no nosso querido bairro Cidade A. E. Carvalho.

 

Havia sábados em que o vento soprava em direção ao bairro de Itaquera e nossos pensamentos avistavam cenas indescritíveis. Lá de cima podíamos avistar a padaria com sua enorme máquina de assar frangos, pessoas saindo com saquinhos de pães, carros com o volume do rádio um pouco acima do normal, tocando músicas de Roberto Carlos, Caetano Veloso, Beatles e Morris Albert cantando “Fellings”. Olhando atentamente poderia observar minha caixa de engraxar sapatos que outrora colocava em frente à padaria e ficava aguardando pacientemente os fregueses.

 

O ponto de ônibus em frente à padaria, e motoristas e cobradores sorrindo entre um gole de café, uma coxinha comida e um cigarro aceso. Pessoas entrando pela porta traseira e o ônibus saindo vagarosamente com motoristas com óculos escuros acenando aos companheiros com destino à Praça Clovis Bevilaqua. Viagem longa que nossas pipas não conseguiam acompanhar.

 

Observava crianças correndo alegremente, pelo pátio da escola Milton Cruzeiro durante o recreio e o ônibus Mogi-Parque D.Pedro II que passava em alta velocidade deixando-nos atônitos.

 

O vento mudava um pouco a direção e de lá de cima enxergava minha mãe e outras mães do bairro lavando roupas na mina e conversando sobre o sofrido cotidiano. Enquanto as roupas eram quaradas pelo tempo, trocavam receita de bolo e reclamavam do custo de vida que já naquela época fazia-se presente.

 

Eis que a pipa e os nossos pensamentos pairavam sobre a igreja do bairro e podíamos deliciar-nos com a tradicional quermesse que recebia as meninas com seus cabelos cortados “à Chanel”, devidamente arrumados com “laquê”, e trajando lindos vestidos rodados coloridos; e os meninos usando calças “boca de sino” com cintura alta, parecendo um toureiro da periferia, e suas inconfundíveis camisetas “volta ao mundo” ou “gola olímpica”.

 

Sentia o aroma dos bolinhos caipiras preparados pelas mães do bairro e avistava barracas coloridas, que ajudávamos a montar, que abrigavam diversos jogos e vendas de guloseimas. As meninas eram vigiadas constantemente pelas mães ou irmãos que não permitiam beijos ou abraços, o máximo era uma piscada bem longe dos olhos severos dos pais de antigamente.

 

O alto-falante sussurrando uma inaudível música de Nelson Ned entrecortada pela voz rouca do amigo Israel que era o locutor oficial da quermesse, anunciando o início do jogo de bingo que jamais conseguira ganhar, completava a paisagem.

 

O barulho estridente do trem que fazia o trajeto Brás-Mogi das Cruzes afastava os namorados que trocavam presentes na véspera do Natal.

 

O vento começava a parar de soprar e era hora de recolher as pipas, nossas imaginações e nossos sonhos e retornar às nossas casas, depois de um abraço e um aperto de mão. Estávamos novamente na terra e ficávamos torcendo para que a semana passasse rápido e o vento mudasse de direção para que pudéssemos nos encontrar e avistar novos lugares e acontecimentos do pacato bairro da Cidade A. E. Carvalho.

 

Um passado não muito distante que ganhara as alturas através da nossa criatividade e amizade sincera, que deixou muitas saudades de um tempo em que dávamos vazão a nossa imaginação de adolescente, através de uma pipa.

 

Uma pipa nas manhãs de sábados.

 

Esta é uma pequena homenagem ao meu amigo Israel Brienzo que faz uns 30 anos que não vejo. Soube que anda morando lá pelas “bandas” do Norte do Paraná. Abraços, amigo, e saiba que até hoje me lembro das lindas namoradas e pipas que tanto empinamos juntos.

 

Luiz Silva é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A narração é de Mílton Jung e a sonorização do Cláudio Antonio. Conte sua história da cidade: envie seu texto para milton@cbn.com.br

Presos usam "Super Mário" pra transportar celular

 

Pipa do Super Mário

 

Dia desses contei aqui no Blog sobre a tentativa de presos usarem pombas para transportar telefone celular e droga, hoje soube pela assessoria de comunicação da Secretaria de Assuntos Penitenciários de São Paulo que foi descoberta outra estratégia. Uma pipa com a imagem do Super Mário, herói dos videogames, de aproximadamente 90cm X 85cm, foi apreendida com telefone celular desmontado, bateria e carregador colados. Os agentes penitenciários desconfiam que crianças que estavam do lado externo tenha sido usadas para soltar a pipa que foi encontrada nos fundos do Centro de Progressão Penitenciária de Hortolândia, no interior paulista.