Quando nem Freud explica, tente a poesia!

 

Por Julio Tannus

 

Ao procurar um livro na minha biblioteca desarrumada, reencontrei a poesia. Compartilho aqui algumas delas:

 

Sigmund Freud: “Seja qual for o caminho que eu escolher, um poeta já passou por ele antes de mim”.

 

Bertolt Brecht: “Fôssemos infinitos / Tudo mudaria / Como somos finitos / Muito permanece”

 

Raimundo Gadelha: “E a tristeza maior é a certeza: nas multidões de todas as estatísticas eu, tão só, não estou só”.

 

Patativa do Assaré: Povão Sofrido

 


“Sou o sertanejo que cansa
De votá, com esperança
Do Brasí fica mió;
Mas o Brasí continua
Na cantiga da perua:
Que é: – pió, pió, pió…”

 

Mário Quintana: Da Sabedoria dos Livros

“Não penses compreender a vida nos autores.
Nenhum disto é capaz.
Mas, à medida que vivendo fores,
Melhor os compreenderás.”

 

Mário Quintana: Da Condição Humana

 

Custa o rico a entrar no Céu
(afirma o povo e não erra)
Porém muito mais difícil
É um pobre ficar na terra…

 

Nicolino Limongi: O Livro

 

“Fechado, é como um sol em potencial,
relicário de amor e de saber;
aberto, é verdadeiro manancial
de inspiração, de luz e de prazer.
Mestre amigo, incansável e cordial,
sempre pronto a servir e a esclarecer,
não protesta, não fala, não diz mal
daqueles que o não sabem compreender.
Se acaso jaz perdido, abandonado
sobre um móvel qualquer, velho empoeirado,
guarda em silêncio o bem que armazenou.
Se o espírito que o fere vem, sedento,
ao seio farto haurir conhecimento, ei-lo servindo à mão que o desdenhou.”

 

Olavo Bilac: Língua Portuguesa

 

“Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma”.

 

T.S. Eliot: Poesia

 

Ninguém nos deu emprego
Com as mãos nos bolsos
E o rosto cabisbaixo
De pé no descampado estamos
A tremer de frio em quartos obscuros.
Somente o vento ainda se move
Nos campos desolados, improfícuos
Onde o arado jaz inerte, em ângulo
Com os sulcos. Nesta terra
Um cigarro haverá para dois homens,
Para duas mulheres apenas um quartilho
De cerveja amarga. Nesta terra
Ninguém nos deu emprego.
Nossa vida é inoportuna, nossa morte,
Jamais anunciada pelo “Times”.

 

Arthur Rimbaud: Uma Temporada no Inferno

 

“Sim, a hora nova é a menos severa.

 

Pois posso dizer que a vitória está garantida: o ranger de dentes, as labaredas de fogo, os suspiros enfermos se moderam. Todas as lembranças sujas se apagam. Meus últimos remorsos se retiram, – invejas pelos mendigos, os facínoras, os amigos da morte, os retardados de toda espécie. – Condenados, se eu me vingasse!

 

É preciso ser absolutamente moderno.

 


Julio Tannus é consultor em estudos e pesquisa aplicada e co-autor do livro “Teoria e Prática da Pesquisa Aplicada” (Editora Elsevier). Às terças-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung

De prosa

 

Por Maria Lucia Solla

 

 

Já disseram tudo. Sóis e luas em forma humana. Drummond avisou que No meio do caminho tinha uma pedra. E sempre tem. Todo grande amor só é bem grande se for triste, ameaçou Vinícius, e depois ouvi o que tinham para dizer, Cora Coralina e Cecília Meireles. Um pouco de tudo. Muito de tão poucos. Acabou que não me importa mais se o mundo está acabando, se está mudando ou só começando.

 

Hoje de manhã falei com a tia Inês, no telefone. Fazia tempo que a gente não se falava, e isso não é normal. Mas o que é normal? Deus me livre do normal. Do uniforme. De uniforme eu gostava na escola. Me vestia de estudante, era vista na rua como estudante. Era uma honra, o uniforme! Mas voltando ao papo com a minha tia, a gente falava de vida, eu da minha, e ela da dela. Falamos, falamos, filosofamos. Quando eu choro ela me afaga de longe. Minha tia não chora. Vibramos com a alegria uma da outra. Falamos menos para informar a outra do que está acontecendo, do que para nos ouvirmos traduzindo cada uma o próprio coração, às vezes nos aventurando a traduzir o da outra, que é assim que a gente fala com quem se ama. Ultimamente andamos em descompasso no ritmo das nossas vidas, ela e eu, mas nunca nos afastamos. Esteja ela numa fase macia, e eu numa rugosa, ou o contrário, nos falamos. Hoje falamos de fases muito difíceis e muito longas. Até rimos quando nos demos conta de que quando a situação está ruim ainda pode ficar muito pior, dia após dia, sem intervalo entre os atos; sem tempo para trocar os costumes. Cenas pesadas se arrastam; as leves voam. Faz sentido! vamos descobrindo ao longo do papo.

 

Agora sei que a dor não é o fim. A dor é o começo. Caiu a ficha. É poção reparadora, transformadora, necessária, como todo o resto. É o espinafre no prato do menino carnívoro, talvez. Crescer dói, todo mundo sabe, mas desta vez devemos de verdade estar crescendo muito, porque a dor tem campeado desenfreada. A resistência e ela, de mãos dadas.

 

Quanto a mim, vou continuar não pedindo nada nas minhas orações. Agradeço e ponto. De manhã, de noite e milhares de vezes durante o dia, mas de hoje em diante, só no começo, até incorporar, vou agradecer também pela dor. Assim mesmo, com ênfase na gratidão por ela.

 

não vai ser fácil
mas vou repetir
de coração
só até acostumar
ou a dor terminar
de cumprir o seu dever

 

com tudo isso me dei conta
de que fui atrás de poetas
buscando o prosaico
na poesia
e acabei encontrando poesia
no prosaico

 

Obrigada, tia!

 


Maria Lucia Solla é professora, realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung