Não sou uma pomba, mas sou da paz

Texto publicado, originalmente, no Blog Adote São Paulo, da revista Época São Paulo

Bom dia, Revista Època,

Sr. Milton Jung será que o senhor não tinha nada mais útil à sociedade para escrever do que relatar essa sua perseguição as pombas???? Será mesmo que o problema são elas, ou você que em seu texto transborda ódio e raiva dos animais????? Sinceramente se elas o perseguem por toda parte, o senhor deve ter feito alguma coisa para tal reação da vida contra o senhor. De fato os animais podem causar doenças, mas garanto que usar cola para espantar o bando não é a atitude mais digna de um ser racional. Com certeza elas, sim, sim o símbolo da PAZ, talvez bem mais que sua atitude egoísta de escrever numa revista uma situação particular, ao invés de se preocupar com assuntos bem mais importantes, que com certeza a cidade de São Paulo tem. Boa sorte ao SENHOR, espero que como jornalista dê o exemplo às pessoas para que trate os animais bem , pois já vivemos num clima de violência incomensurável, bons exemplos sempre são bem vindos. Use seu espaço para tentar ajudar mais seu próximo,sua cidade,etc. garanto que a vida lhe será mais grata, até os pombos te libertaram de tal perseguição.

Sônia Pirrongelli

 

Minha coluna na Época São Paulo, de novembro, quando dediquei a última página da edição aos problemas que os pombos me causam – e à cidade, também -, provocou protestos da cara leitora Sônia Pirrongelli, a quem agradeço pela mensagem eletrônica enviada a sessão de cartas da revista (perdoe-me, inicialmente, por chamar assim este espaço dedicado aos leitores que há muito, imagino, não perdem tempo escrevendo missivas às redações quando podem, facilmente, enviar um e-mail). A bronca da leitora a este “perseguidor de pombas” me permite, no mínimo, retomar o assunto que se estendeu ao programa que apresento na rádio CBN. Os ouvintes-internautas, aliás, foram muito mais solidários a minha causa, o que, por si só, já desmonta o argumento de que o tema não tem importância para os cidadãos paulistanos. Imagine que no Centro de Zoonose existe um departamento especializado em combater as tais aves. Calma lá, combater não é a melhor palavra. Vamos dizer que os funcionários públicos têm o desafio de conter a proliferação de pombos.

 

O problema não se restringe a minha casa ou a cidade onde moro. Do Rio, soube que a prefeitura demonstrou preocupação com a superpopulação de pombos, enquanto do Paraná chegou alerta para a necessidade de aplicar com estas aves os mesmos conceitos de combate a pragas na agricultura. Algumas cidades do interior do Brasil lançaram campanha para que os moradores não deem comida aos pombos e espalham pílulas anticoncepcionais para as mocinhas de asa na esperança de que os estragos a prédios públicos e à saúde da população diminuam. Aproveito para informar que de nada adiantará o senhor ou a senhora que me lê comprar uma cartela na farmácia e espalhar pílulas pelo telhado ou pátio da casa. Para a prática dar resultado seria necessário que as pombas ingerissem uma quantidade inimaginável de anticoncepcional e durante um tempo muito longo.

 

Aliás, não me faltaram sugestões para espantar as pombas que me cercam. Falaram em um apito que causaria incômodo, sugeriram a contratação de gaviões e até mesmo que me mudasse de casa – o que está fora de cogitação. Não a abandonei nem quando foi ocupada por bandidos, imagine se me renderei aos invasores alados. A dica mais bem humorada enviada por um dos ouvintes, ao qual peço desculpas por não ter registrado o nome, foi pintar o telhado de verde. Como? A pomba vai pensar que é do Palmeiras e abandonar o lugar com medo de cair junto – disse ele.

 

Para Dona Sônia, autora da revoltada carta enviada à revista, quero dizer que apesar de não gostar das pombas nunca aceitei que fizessem maldade com elas. A tal cola citada no meu artigo na Época SP, é, na realidade, um gel que não causa qualquer dano, apenas deixa desconfortável o local ocupado. Tem mais ou menos o mesmo o efeito da rede de proteção que coloquei em parte do meu telhado (e que ainda não deu resultado). Um amigo que apareceu com arma de pressão foi mandado embora. O veneno recomendado, sequer levei em consideração. Não sou uma pomba, mas sou da paz.

 

Qualquer dúvida sobre como trato os animais, pergunte ao Eros, ao Ramazzotti e ao Boccelli – o labrador, o shitzu e o persa que moram na minha casa há uns bons anos. Pensando bem, é melhor deixar o Ramazzotti fora dessa, pois ontem, por recomendação médica, tive de castrar o baixinho, e creio que a opinião dele sobre minha pessoa, neste momento, não deve ser das melhores.

De pomba e circunstância

 


Por Maria Lucia Solla

 

 

Muitos têm caído de seus pedestais de papel moeda, levando consigo os abutres que os cercam. Desmoronam seus postos impostos a nós pela corja que nos esfrega na cara o caráter decomposto e malcheiroso. Veem entre lágrimas de crocodilo e sorrisos marotos o rolar de mansões milionárias erguidas à custa do suor e do sacrifício de muitos. Veem seus comparsas rolarem na fenda que se abre com grande possibilidade de continuar a se abrir sem trégua, até engoli-los também, mas mesmo assim não há motivo para perder a esperança e tomar um cálice de amargura temperada com preconceito, cada vez que as notícias quebram barreiras e insistem em chegar a nós.

 

É assim mesmo na hora da faxina que está acontecendo neste canto que nos cabe no Universo. Muito sabão, muito esfregão, muita pá de lixo ainda são precisos. Os ratos fogem para a escuridão solitária de seus esconderijos, mas muitos de nós continuamos de cabeça erguida, dormindo tranquilos em nossas camas forradas de vida e não de morte, de compaixão e não de prepotência, de mais perguntas que certezas.

 

São tempos de dureza estes vividos por nós humanos. Nada é fácil, dizem, mas dizem também que caminho fácil não leva a lugar que valha a pena. Não sei se é assim que funciona, e na minha experiência de vida não consigo encontrar base para essa afirmação e acreditar nela, mas acredito, sim, que se aprende mais quando há desafio que nos tira da zona de conforto. Acredito que além das matérias que compõem o currículo escolar dos nossos filhos e dos nossos netos, é urgente acrescentar outras humanas de verdade, que mostrem a eles que é sempre preciso estar alerta para o crescimento do ego que se esforça para sobrepujar a humanidade, a integridade e a liberdade que são nossas por direito.

 

Cachoeira, Demóstenes, Juquinha, Valério, Dirceu, Morais, e muito mané que vive no anonimato por ordem de importância política e econômica, são raposas que cuidam do nosso galinheiro, mas há esperança, sim, nos diz a pomba branca que pousou no esquife do Cardeal Eugênio Sales, que não precisou de advogados e juízes que se põem à venda. Há esperança, sim, nos diz a pomba branca, símbolo do Espírito Santo, que velou o corpo do trabalhador de Deus. Há esperança sim, nos diz ela que não abandonou o espaço onde jazia o corpo do homem de bem. Do homem do bem.

 

Maria Lucia Solla é professora, realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung