A nossa Língua Portuguesa

 

Por Julio Tannus

 

Como lidamos com a Língua Portuguesa de maneira tão diferente, nós brasileiros e nossos irmãos portugueses. Os implícitos, os subentendidos, os subtextos, as entrelinhas fazem parte de nossa literatura e de nosso cotidiano, diferentemente dos portugueses, que a lidam de forma mais concreta.

 

Hospedado em um hotel na cidade de Lisboa, perguntei a um porteiro onde ficava a farmácia mais perto. Ele responde: depende. Diante de minha surpresa ele pergunta: à direita ou à esquerda?

 

Na cidade do Porto, interessado em ir ao Teatro Rivoli, perguntei: o sr. sabe onde fica o Teatro Rivoli? A resposta: sei!

 

Uma anedota: Manuel retorna a Portugal após visita ao Rio de Janeiro. Perguntado sobre o que achou de diferente, responde – lá os táxis voam, pois quando cheguei ao aeroporto o taxista me perguntou aonde eu ia, então respondi vou para Copacabana. E Aí ele me diz – a que altura o sr. vai?

 

Uma das últimas manifestações literárias do gerúndio em Portugal se vê em Camões, conforme se vê no Canto 2. E no Canto 106 uma expressão dos dias de hoje:

 

Luís Vaz de Camões – Os Lusíadas

 

Canto 1

As armas e os barões assinalados,

Que da ocidental praia Lusitana,

Por mares nunca de antes navegados,

Passaram ainda além da Taprobana,

Em perigos e guerras esforçados,

Mais do que prometia a força humana,

E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram;

 

Canto 2


E também as memórias gloriosas

Daqueles Reis, que foram dilatando

A Fé, o Império, e as terras viciosas

De África e de Ásia andaram devastando;

E aqueles, que por obras valerosas

Se vão da lei da morte libertando;

Cantando espalharei por toda parte,

Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

 

Canto 106

No mar tanta tormenta, e tanto dano,

Tantas vezes a morte apercebida!

Na terra tanta guerra, tanto engano,

Tanta necessidade avorrecida!

Onde pode acolher-se um fraco humano,

Onde terá segura a curta vida,

Que não se arme, e se indigne o Céu sereno

Contra um bicho da terra tão pequeno?

 

Julio Tannus é consultor em estudos e pesquisa aplicada, co-autor do livro “Teoria e Prática da Pesquisa Aplicada” (Editora Elsevier) e escreve, às terças-feiras, no Blog do Mílton Jung

Mais um festival de besteiras, na língua e no trânsito

 

Por Milton Ferretti Jung

Hoje vou tratar de dois assuntos, um relativamente ameno. É por este que começo. Creio que a imprensa brasileira aboliu a figura do revisor. Lembro que, ao iniciar minha carreira no rádio e no jornalismo, todo jornal que se prezasse possuía revisores. Eles eram imprescindíveis (o copidesque surgiu mais tarde), não digo que fossem infalíveis, mas era difícil que deixassem escapar erros, alguns deles crassos, que lemos nos dias de hoje. Por falar em erro crasso, vale recordar quem está na origem desta expressão. Veio de um general chamado Marco Licinius Crasso, que em 59 a.C. dividia o poder, em Roma, com Júlio César e Pompeu Magnus. Ao contrário dos seus talentosos parceiros, Crasso tinha uma idéia fixa: conquistar os Partos, povo persa cujo império ocupava boa parte do Oriente Médio. No comando de 50 mil homens tentou, simplesmente, se atirar ao ataque, abandonando as táticas romanas. O resultado não poderia ter sido pior: suas tropas foram dizimadas e ele foi uma das vítimas do massacre. A asneira cometida por Crasso virou, em várias línguas, sinônimo de estupidez.

Volto ao meu assunto inicial. Existissem ainda os revisores, redatores de todas espécies, não imitariam o infeliz general romano ou, pelo menos, teriam seus erros minimizados. Os repórteres e redatores das editorias de assuntos policiais ou esportivos são os que mais cometem gafes. Algumas, como as duas que vou citar, lê-se, repetidamente, nas páginas dedicadas ao futebol: o jogador fulano, contratado ao Bambala, será apresentado hoje. Esta vai ipsis verbis: No segundo tempo, Jô fez a sua estréia. Repatriado ao Manchester City, ainda está sem ritmo de jogo, etc.

Gostaria de saber como ser faz para “repatriar” um jogador de algum clube estrangeiro. Além de erros que atentam contra o vernáculo, os jornais estão cheios de modismos. “Apontar” é um deles. Será que não existe um sinônimo só para, de vez em quando,variar? O mais recente, conforme ando notando, é o “por conta”. Exemplo: Por conta das chuvas, que castigam a região serrana, já há milhares de flagelados. Os narradores esportivos, os comentaristas e repórteres não sabem, pelo jeito, que há dois tipos de moral. A palavra moral é feminina quando empregada na acepção de conjunto de costumes, de modos de procedimento, de corpo de preceitos naturais ou tradicionais, para distinguir as ações dos homens: “A moral cristã”” – “A moral ordena que assim procedamos”. Já moral é do gênero masculino quando indica o contrário de material, isso é, quando designa as forças de inteligência, de espírito de ânimo: – “O moral das tropas está abatido” – “O moral dos jogadores é grande”.

No início escrevi que, neste espaço, abordaria dois assuntos. A Zero Hora dessa segunda-feira, na página 25, mancheteou: ”Sete jovens morrem em acidentes”. O jornal gaúcho, na matéria, acrescentou que quase a metade dos jovens tinha até 25 anos. Os fins de semana são trágicos no Rio Grande do Sul e, provavelmente, São Paulo não lhe fica atrás do meu estado. Talvez, até contribua com número maior de vítimas. Quando vejo as estatísticas, especialmente as que se referem aos finais de semana, constato que em boa parte dos acidentes os envolvidos são jovens que participaram de festas e, imagino, tenham exagerado na bebida. As pessoas, por mais campanhas que sejam feitas alertando para os perigos de dirigir depois da ingestão de álcool, seguem bebendo e apostando na sorte.

Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)

Mais um festival de besteiras na nossa língua

 

Por Milton Ferretti Jung

Meu filho, responsável por este blog, fez-me uma sugestão: a de escrever mais sobre o novo festival de besteiras que assola o país. Creio que Stanislaw Ponte Preta, o criador desse título, falecido em 68, me  perdoará pelo plágio. Mas vamos ao assunto.

A principal asneira a que chama a minha atenção, talvez até passe despercebida pela maioria. Refiro-me à reforma ortográfica, a mais recente e, ao mesmo tempo, uma das piores a que assisti, não, é claro nos  meus 76 anos de vida porque se passou um bom tempo até que tivesse idade para me preocupar com mudanças do tipo da que citei. O que me deixa danado da vida é que todos os que falam português deveriam, pelo menos ,ter a obrigação de adotá-la. Em Portugal, porém, ainda se escreve facto, acto e assim por diante. Por que os portugueses não seguem os ditames da reforma? E como ficam os mais velhos e muitos jovens também que aprenderam, por exemplo, a pôr trema em inúmeras palavras, e este já não pode mais ser usado?  Seja lá como for, não existe reforma ortográfica capaz de resolver todos os descalabros que são cometidos por aí afora com a “última flor do Lácio”.

Esta, que li num portal da internet, é de doer. O redator deve ter imaginado que estava produzindo uma frase criativa ao escrever que “o atacante só range um pouco o  cenho da testa ao falar de um assunto: Flamengo”. Existiria algum cenho além do da testa?

Li na Wikipédia, ao procurar o que esta dizia sobre “blitz”, que o  termo significa guerra relâmpago e foi criado “a nível operacional…” Ainda há quem use este desgraçado “a nível”. Por falar em blitz, palavra que vem do alemão “blitzkrieger”, estranho que, como foi aceita pelos nossos dicionários, no plural seja “blitze” ou “blitzen” e não blitzes, bem mais de acordo com o que seria de se esperar.

Seria de se esperar, igualmente, que a mídia parasse com o uso abusivo de blindar. Nos últimos tempos o verbo sempre aparece e, em geral, com sentido figurado.

Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas, escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)

Modismo e analfabetismo que assolam a mídia

 

Por Mílton Ferretti Jung

Talvez eu seja um chato, mas não de galochas, porque, mesmo quando chovia, as usei pouquíssimo e somente por exigência paterna. Meu pai temia que, se molhasse os pés, pegaria gripe. Além disso, não creio que ainda exista quem as vista. Posso esperar, então, que minha chatice, pelo menos, dispense o acréscimo referido linhas acima.

Seja lá como for, vou tratar do modismo que tomou conta da mídia. Não estarei faltando com a ética. Afinal, estou na estrada da profissão desde 1954, o que, imagino, me assegura certos direitos, um deles o de criticar o que me irrita quando leio jornais, vejo televisão e/ou ouço rádio.

Claro que não tenho a pretensão de escrever algo parecido com o que, faz bom tempo – mas nunca esqueci do texto – Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto, alinhou no livro intitulado “O festival de besteiras que assola o país”. Creio que pesquisou um bocado para reunir as asneiras que coletou na época ou, quem sabe, nem precisou se esbaldar procurando-as, tantas foram.

As de agora também são muitas, diferentes, porém, das relatadas por Stanislaw. Vou, no entanto, citar poucas para não encher a paciência dos que me dão o prazer de sua leitura aqui no blog do meu filho. Não sei se por preguiça ou desconhecimento gramatical, principalmente a turma das rádios não usa mais os verbos reflexivos, isto é, os que exigem a presença da partícula apassivadora – o se. Aí o que se escuta, por exemplo, é que “o jogo iniciou, o jogador machucou, o time concentrou”, e outras pérolas semelhantes.

Já o verbo realizar se transformou num proscrito. É pouquíssimo usado atualmente. Preferem dizer que “o festival aconteceu”. Tudo acontece, pouco se realiza. Devem ter aprendido a besteira com os cronistas sociais…

A moda que mais me incomoda, entretanto, é a do uso indiscriminado do verbo apontar. Parece que, para ele, não existem sinônimos. Não passa um dia que não se lê o maldito apontar em frases nas quais poderia ser substituído por indicar ou mostrar, sem prejudicar o sentido.

Afora esses modismos (até, talvez, analfabetismos) que causam dor de ouvido, ainda se faz necessário aguentar certos neologismos, entre os quais, um que detesto profundamente por ser uma invenção desnecessária. Refiro-me a disponibilizar. Seria bem mais fácil utilizar oferecer que, aliás, é bem mais bonito do que seu imenso sinônimo inventado sei lá por quem.

Acredito ter feito critica construtiva. Quem não concordar,que se manifeste.


Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)