É preciso estar atento às mudanças nos padrões éticos

 

justitia-2597016_960_720

 

Na leitura em busca de inspiração para novo projeto que inicio nesta semana – sobre o qual a gente conversa mais à frente – deparei-me com “Ética e imprensa“, livro de Eugênio Bucci, publicado pela Companhia das Letras. Dentre conflitos de interesse descritos, o professor lembra de privilégios que jornalistas mantiveram por anos no Brasil tais como ser isento de imposto de renda, imposto predial e de transmissão de imóveis.

 

A Constituição Federal de 1946 determinava em seu artigo 203: “Nenhum imposto gravará diretamente os direitos de autor, nem a remuneração de professores e jornalistas”. No mesmo texto constitucional, lia-se no artigo 27 das Disposições Transitórias: “Durante o prazo de quinze anos, a contar da instação da Assembléia Constituinte, imóvel adquirido, para sua residência por jornalista que outro não possua, será isento do imposto de transmissão e, enquanto servir ao fim previsto neste artigo, do respectivo imposto predial”.

 

Privilégios para jornalistas, institucionalizados e aceitos pela maioria dos profissionais e órgãos de imprensa. Provavelmente a maior parcela da sociedade sequer soubesse desses agrados àqueles que por ofício devem, entre tantas outras funções, identificar, investigar e relatar fatos que não estejam de acordo com as normas na gestão pública. E se soubesse talvez não fizesse oposição, apesar de um evidente conflito de interesse.

 

Sim, caro e raro leitor deste blog, os jornalistas, assim como os juízes, procuradores e promotores públicos nos dias de hoje, também recebiam uma espécie de auxílio-moradia; além da isenção de imposto de renda. As regras, consideradas normais para aquela época, vieram a cair a medida que o grau de exigência ética da sociedade evoluiu. A independência na cobertura jornalísticas foi demanda crescente; os veículos de comunicação, seus proprietários e profissionais, perceberam ou foram levados a perceber que o privilégio era inconcebível.

 

Historicamente, registram-se mudanças nos padrões éticos que costumam ser percebidas mais rapidamente ou tardiamente conforme a instituição. Algumas pagam um preço muito alto e terão dificuldades para recuperar sua reputação. A crise de representatividade de políticos e partidos é um exemplo. Há a expectativa que a conta será cobrada pelo eleitor no pleito de outubro. A conferir.

 

A Justiça brasileira também está diante deste desafio: a insistência de juízes em receber o auxílio-moradia de R$ 4.377,73, – mesmo aqueles que têm residência própria, alguns com várias delas, inclusive – sinaliza a dificuldade que os magistrados têm de traduzir as novas demandas do cidadão. Ao reivindicar o pagamento com base na lei e sob a justificativa que é uma compensação aos reajustes escassos para o serviço público, distorcem a discussão.

 

Primeiro, porque os que pedem salários mais justos que levem o debate aos fóruns competentes, encontrem espaço no Orçamento para vencimentos mais próximos das suas necessidades e, claro, dentro da capacidade finita do Estado remunerá-los.

 

Segundo, porque os que pedem o fim do privilégio sabem o que está escrito na lei e é esta lei que questionam devido aos novos padrões éticos exigidos no poder público.

 

Assim como no passado perdeu o sentido benesses do estado aos jornalistas diante da necessidade de se manter a independência e a credibilidade, a Justiça e seus juízes, tanto quanto o Ministério Público e seus procuradores e promotores, que se apressem em entender o grito do cidadão contra seus privilégios. A falta de apoio popular e o desconsideração com os novos padrões éticos enfraquecerão lutas justas e necessárias que estão em andamento no país, como as que travam contra a corrupção. E não podemos perder esta luta de maneira alguma.

Deputados de São Paulo em defesa de seus interesses (os próprios)

Texto publicado, originalmente, no Blog Adote São Paulo na revista Época SP

 

Os deputados estaduais de São Paulo sempre criticados pela falta de ação e ausência de debates sobre temas fundamentais para o desenvolvimento do estado começaram o ano legislativo com muito trabalho. Desde a semana passada, os bastidores da Casa estão agitados, os parlamentares não saem do noticiário e os funcionários chegam a se surpreender com a atividade intensa neste período em que não há nenhum projeto de interesse do Governo. Tudo devido a uma proposta assinada pelo deputado Campos Machado, líder do PTB, e apoiada por boa parte de seus pares que restringe as investigações realizadas pelos promotores públicos de São Paulo. É a PEC da Impunidade ou, como prefere chamar seu autor, a PEC da Dignidade.

 

A proposta de emenda constitucional concentra exclusivamente nas mãos do procurador-geral o direito de investigar secretários de Estado, prefeitos e, claro, deputados estaduais. Hoje, esta função pode ser realizada por qualquer promotor em qualquer município paulista. O presidente da Associação Paulista do Ministério Público, Felipe Locke, disse, em nota, que a proposta “cerceia, restringe e coíbe o poder de atuação dos promotores, prejudicando a população e o andamento de investigações de grande importância”. Já Campos Machado diz é que é para resgatar o respeito que os promotores devem ter com os agentes públicos. Por coincidência, este desejo do deputado surgiu logo após a Promotoria ter tirado o auxílio-moradia dos parlamentares, que custava R$ 2,5 mi aos cofres públicos (ao nosso bolso).

 

Sou incapaz de avaliar a disposição dos deputados paulistas em aprovar a proposta de emenda à constituição apesar de seu caráter anti-popular. A experiência já mostrou que a sensibilidade deles à opinião pública está aquém do desejado e costumam ser muito mais pautados por seus interesses particulares do que pela pressão da sociedade (também o são, e muito, pelos interesses do Executivo). Mas ao menos não podemos dizer que os deputados não fazem nada lá na Assembleia. Fazem, sim. E trabalham muito quando eles se sentem prejudicados.

 

Quem sabe um dia terão o mesmo empenho para discutir ideias que ajudem a melhorar o Estado de São Paulo.

Por procuradores e poderes independentes

 

Por Carlos Magno Gibrail

 

Ao não acatar a eleição de Felipe Locke Cavalcanti como Procurador do Estado no próximo biênio, o Governador de São Paulo sinaliza poder político que evidencia e minimiza a esfera do Ministério Público.

 

Eleito democraticamente pelo voto, Geraldo Alckmin decidiu não dar a sequência natural no processo eleitoral para escolha do Procurador. Agiu de forma ditatorial, seguindo Covas há anos quando empossou Marrey ou, mais recentemente, quando outro correligionário, José Serra, optou por não colocar como reitor da USP o mais votado. É um artifício bem antigo, pois o Império Bizantino dominou a Igreja através de expediente semelhante, chegando séculos depois a D.Pedro II, que controlava o Senado desta maneira.

 

Após a democratização, tivemos poucos episódios iguais, o que deve levar esta exceção a repercutir favoravelmente no andamento da PEC 31/2009 que propõe acabar com a nomeação política para os Procuradores Gerais pelos governadores. Esta proposta de autoria do deputado Francisco Praciano – PT AM foi aprovada no dia 3 pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

 

Felipe Cavalcanti, em depoimento ontem, a par da situação de ganhar sem levar, nos disse que o aborrecimento pela perda sem derrota, é efetivamente uma frustração inigualável. Entretanto ao mesmo tempo em que não abrigará expectativa de mudança na lei, continuará trilhando o mesmo espaço com a independência que o caracterizou. Como membro do CNJ ou do MP. Mesmo considerando que esta postura possa ter custado o cargo que ganhou e foi impedido de ocupá-lo.

 

A separação dos poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, é a forma mais salutar e a maneira mais eficaz de manter o sistema de poder fortificado e equilibrado. As democracias refletem este cenário, tão abatido pelas ditaduras.

 


Carlos Magno Gibrail é mestre em Administração, Organização e Recursos Humanos, e escreve às quartas-feiras, no Blog do Mílton Jung