Morumbi é atacado por terra, ar e em casa

 

Por Carlos Magno Gibrail

 

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Em 1948, o engenheiro Oscar Americano iniciou loteamento com grandes espaços compostos de ruas sinuosas, destinados à ocupação urbana de alta qualidade. O local descendia da Fazenda Morumby, propriedade do inglês John Rudge, onde introduziu a primeira plantação de chá da Índia em território brasileiro.

 

Não demorou muito para que os cuidados de Oscar Americano, tais como a arborização oriunda da Mata Atlântica, a restauração da Casa Grande da Fazenda e Capela pelo arquiteto Gregori Warchavchik, fossem correspondidos. Várias residências de alto padrão começaram a ser instaladas, como a Casa de Vidro de Lina Bo Bardi. Um marco arquitetônico de São Paulo.

 

O distrito do Morumby, com 32 mil habitantes em 11 km2,  IDH invejável de 0,938 e renda mensal de R$ 5mil, é hoje composto por um conjunto representativo de logradouros e edificações. Por exemplo: Praça Vinícius de Morais, Parque Alfredo Volpi, Hipódromo Cidade Jardim, Estádio do Morumbi, Clube Paineiras do Morumby, Hospital Albert Einstein, Hospital São Luiz, Colégio Santo Américo, Colégio Porto Seguro, Colégio Miguel de Cervantes, Palácio dos Bandeirantes, etc.

 

Da trajetória de 78 anos, ressalta-se a força da iniciativa privada na região, ao mesmo tempo em que o poder público faltou ao permitir a ocupação desordenada por oportunismo político e demagogia, sendo formadas comunidades sem as mínimas condições habitacionais.

 

E justamente agora assistimos à Prefeitura, logo após impingir uma Lei de Zoneamento que afronta a qualidade de vida original do bairro, implantar faixa de ônibus inconsequente.

 

Enquanto se espremem em uma faixa única de veículos, os moradores veem a Avenida Giovanni Gronchi com espaço reservado a ônibus, porém sem aumento da frota, o que restringe a migração do carro para o sistema de transporte público. É mais do que surreal. É ameaçador. Os carros parados criam oportunidade a assaltos. Os veículos que desviam por ruas secundárias buscando alternativas ao congestionamento passam a circular em áreas antes não acessadas. Essas regiões adquirem visibilidade e suas casas entram no rol dos assaltantes – como já  se percebe nas notícias do cotidiano do bairro. Sem contar o impacto ambiental gerado no seu interior.

 

De outro lado, mudanças de rotas de aviões estão poluindo a região com voos fora do horário, pousos e decolagens em baixa altitude; e aumento de rotas e voos.  A SOS Cantareira, a Associação dos Moradores do Jardim Guedala e o CONSEG Morumbi, com o apoio do Morumbi News, estão se reunindo com o DECEA Departamento de Controle do Espaço Aéreo para estudar o assunto.

 

O Morumbi vai precisar mais do que nunca da qualidade de seus moradores, para enfrentar estes ataques. Articulações já começaram. Que seja em boa hora.

 

Carlos Magno Gibrail é mestre em Administração, Organização e Recursos Humanos. Escreve no Blog do Milton Jung, às quartas-feiras.

De proteção

 

Por Maria Lucia Solla

 

 

Criador de tudo o que me rodeia e do que está dentro de mim; tu que não conheço, mas que intuo e reconheço em cada porção de tua Criação; que ouço na respiração tranquila dos filhos que dormem, que fazem meu corpo tremer e meu coração se espreguiçar. Que criou uma flor tão linda, que povoa o meu jardim e, sem guarda, se oferta jorrando beleza indescritível, perfeição de transparência, oferecendo vida e morte, para renascer depois e sempre.

 

Senhor, unge-me com gotas desse desprendimento. Não peço e nem poderia pedir emprestado seu perfume ou beleza, mas me encanta o seu dar-se, o entregar-se sem medida, mesmo em vida tão breve. A mim servirá, e eu anseio.

 

Faz com que eu não arraste os minutos, Senhor, mas que os viva intensamente. Faz com que meu sorriso se misture a lágrimas, que eu saiba deixar espaço para a esperança se instalar enquanto a desesperança vem se servir de mim. Que eu critique menos e compreenda mais, que me curve para não quebrar e que esteja preparada hoje e sempre para amar.

 

Enquanto peço isto e aquilo, minha alma abre espaço pelo emaranhado do ego e jorra gratidão, por onde passa. Gratidão pela vida. Ponto.

 

Senhor, doma pensamento e medo, que brotam feito mato na minha mente que mente, se espalhando como inço, alimentando-se de nacos preciosos do que sou.

 

Enfim, Senhor, se é da tua alçada direta, me protege de mim.

 


Maria Lucia Solla é professora, realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung

De exercício

 

Por Maria Lucia Solla


Ouça ‘De Exercício’ na voz e sonorizado pela autora

proteção todos nós temos
a mesma
abençoados todos nós somos
sem exceção
dizem que viemos aqui
para aprender a lição

É preciso apenas reconhecer o fato, para encontrar a paz, agradecer sempre pela vida, límpida ou nebulosa, com gosto doce ou amargo.

Quanto tempo perdi, meu Deus, choramingando mais do que quinze minutos por qualquer coisa – por mínima ou máxima que fosse – que me desagradasse, que fosse contrária aos meus desejos; aos meus princípios.

E que raio de princípios são esses, que mal se pode ler na cartilha esquecida no banco do carona do carro da minha vida?

Abro a porta e me desfaço dela, e até hoje busco força para desinstalá-la de mim. Sei que felicidade existe na proporção inversa da lembrança do conteúdo da tal cartilha, e que é preciso arregaçar as mangas e seguir em frente com a faxina, dia após dia; descer aos porões e subir ao sótão, escancarar portas e janelas, espanar, varrer e recolher o entulho. Desfazer-se dele, cada um à sua maneira. Com ou sem ritual, no raiar do dia ou no seu final.

desfragmentar-me é preciso
libertar-me é preciso
renovar
aceitar o palatável
rejeitar o indesejável
largar a mágoa na esquina da rua que sobe e desce

agir
agir sempre
exercer a vida
é condição
não opção
assim a gente cria
faz e se expressa
na correria
ou sem pressa

Hoje consigo vislumbrar raiozinhos de luz aqui e ali. Tateio o dia, tropeço na emoção, me equilibro entre o sim e o não. Me sinto só, célula desgarrada do tecido social, mesmo sabendo que faço parte de uma imensa, forte e sempre crescente rede de outros seres conhecidos, desconhecidos, visíveis e invisíveis aos olhos da carne, e aos olhos da saudade.

Quando sinto que algo ou alguém está sendo levado de mim, o reflexo aprendido na cartilha mofada e embolorada é chorar, lamentar, ou driblar a responsabilidade e passá-la para o vivente mais perto da jogada; ou ainda chutá-la para o alto, mirando o Criador, o Pai, a Mãe, pensando estar cheio de razão. Só que razão não enche barriga, não aplaca tristeza; é ativo inútil e não negociável. E vou tocando meu barco, de preferência sem razão, que pesa, não ajuda a remar, é arrogante e nem de longe elegante.

E ontem hoje e amanhã, me rendo, rindo ou chorando, ao inevitável exercer a vida.

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de comunicação e expressão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung.