Uma outra Reforma Política

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

 

Não há mais possibilidade de contornar temas aflitivos que despertam indignação social. A sucessão de Comissões e adiamentos impulsiona uma sensação de que o desfecho pretendido jamais será alcançado. Se por um ângulo a constante exposição da matéria converteu a Reforma Política numa espécie de redenção ética de cunho salvacionista, a outro é leviano supor que a sua aprovação funcionará, por si só, como um antídoto capaz de eliminar todas as mazelas políticas que vicejam no país.

 

É essencial que prevaleça lucidez na delimitação de temas que possam dar vitalidade à política como atividade pública respeitável. Lista fechada, voto distrital e financiamento público são temas importantes mas demasiadamente complexos para este momento-limite, onde a população rejeita o formato vigente. Outras questões mais factíveis e nem por isso menos decisivas, todas amparadas em projetos formulados e tramitando, se credenciam como viáveis para atenuar os níveis de saturação que o sistema eleitoral e de representação manifestam.

 

Ampliação das atribuições de deputados estaduais e vereadores – A administração pública, de qualquer grau, é sempre compartilhada. Não é razoável que iniciativas parlamentares sejam restringidas sob a alegação de interferência no Executivo. Projetos relevantes não podem ser repelidos por sua origem parlamentar. Parlamentos são polpas vivas das comunidades e merecem real autonomia, sobretudo porque seus integrantes são tão eleitos quanto os Chefes do Poder Executivo.

 

Eliminação do quociente eleitoral – A representação popular sofre desvirtuamento quando um candidato ao Legislativo, amparado em votação retumbante, é preterido por outro de desempenho inferior. Conforme a PEC 54/07, os eleitores, além de não entenderem, desconfiam de um sistema eleitoral que admite a eleição de candidatos com pouca votação. A eleição dos mais votados corresponde à verdade eleitoral num país com mais de 30 siglas registradas na Justiça Eleitoral.

 

Suplentes no recesso – Porque contrasta à realidade e ao bom senso, a efetivação de substitutos remunerados nos períodos de recesso parlamentar é descartável vez que a sua finalidade se revela contraproducente. O parlamentar fica impossibilitado de apresentar projetos, participar de sessões e as Comissões não se reúnem. Esta anomalia desacredita o Parlamento perante o eleitor.

 

Candidaturas avulsas – A exemplo de diversos países (Estados Unidos, Itália, Israel, Portugal, Alemanha), admitir candidaturas de não-filiados subscritas por eleitores ou entidades civis ampliaria a participação política. As candidaturas independentes já foram possíveis até meados da década de 40 no Brasil.

 

Redução da Câmara dos Deputados – Inoperância pelo excesso de parlamentares, elevado custo público, sucessões de escândalos, apresentação de projetos inúteis ou bizarros, produção legislativa escassa ou irrelevante. É a indisfarçável ineficiência de uma estrutura acrítica justificando a sua diminuição.

 

Extinção dos suplentes de senador – Preenchida de forma indireta e confinada à homologação de nomes indicados pelos partidos, a suplência, além de impopular, é destituída de respaldo pelo eleitor e vulnera a soberania popular que chancela as eleições para os demais cargos.

 

Redução de mandato dos senadores – A demasiada extensão do mandato senatorial, a par de anacrônica, é fator impeditivo à renovação e fiscalização da Casa Legislativa e de seus membros. O cargo de Senador é relevante por suas atribuições e não pela sua duração. Oito anos é tempo demasiadamente extenso. Sua redução para quatro seria adequada, inclusive porque todos os demais mandatos são por este período.

 

“Janela” partidária – Uma troca de partido no curso do mandato não pode ser vedada de forma artificial e tampouco rotulada de injustificável. É imperativo atenuar o rigorismo vigente, imposto artificialmente pelo TSE através de uma medida administrativa ao invés de uma lei votada pelo Parlamento. Nas agremiações muitas vezes ocorrem fatos que tornam a coexistência insuportável. O mandatário, desde que justificadamente, tem o direito de exercer a sua representação em partido diverso daquele pelo qual se elegeu.

 

Para a efetivação destas melhorias, plebiscito, referendo e constituinte são procedimentos demagógicos, desnecessários, onerosos e inúteis. A Reforma Política é um empreendimento da cidadania que depende exclusivamente do Congresso Nacional restaurar a sua missão precípua e indelegável: legislar de acordo com a Constituição vigente.

 

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor dos livros “Prefeitos de Porto Alegre – Cotidiano e Administração da Capital Gaúcha entre 1889 e 2012” (Editora Verbo Jurídico), “Vereança e Câmaras Municipais – questões legais e constitucionais” (Editora Verbo Jurídico) e “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Escreve no Blog do Mílton Jung.

Pelo fim do quociente eleitoral

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

A cada pleito, o fato se reproduz. Este ano não foi diferente.

Luciana Genro (PSOL) no Rio Grande do Sul. Sílvio Torres (PSDB), Walter Feldman (PSDB) e Régis de Oliveira (PSC) em São Paulo. Ricardo Gomyde (PCdoB) no Paraná. Bonifácio Andrada (PSDB) em Minas Gerais. Serys Slhessarenko (PT) pelo Mato Grosso. Estes parlamentares formam uma bancada suprapartidária: a dos que embora bem votados, não foram eleitos em razão de que seus partidos não atingiram o quociente eleitoral, ou seja, um determinado número de votos para viabilizar o alcance de uma primeira cadeira e daí por diante. É a democracia sendo solapada pela aritmética inconstitucional.

Isto, a par de incompreensível para o eleitorado, é algo nefasto. Nenhuma Casa Legislativa, das Câmaras Municipais ao Congresso Nacional, pode prescindir de parlamentares que se distinguem positivamente. Aquele que reúne experiência, atuação e produtividade deve ser valorizado e não depreciado de forma genérica como um “político profissional”, rótulo que muitas vezes traduz “injusta coloração pejorativa”, conforme o TSE.

Ser profissional não é pecado. Nem mesmo na política. Acumular mandatos também não. Se o reeleito é digno, respeitável e tem credibilidade, onde está o problema em mantê-lo com mandato? Renovação não é sinônimo de qualificação, em hipótese alguma. Criticar por criticar não resolve.

Adiante, surgem duas figuras anacrônicas: o “quociente eleitoral” e as coligações. É o momento de abolir ambos para que sejam eleitos ou reeleitos os mais votados que os partidos apresentarem. Não se justifica manter a possibilidade de coligação quando justamente o STF e o TSE, através de várias e conhecidas decisões, valorizaram os partidos políticos ao extremo na questão da Fidelidade Partidária a ponto de excluir da legitimidade os suplentes da coligação que não forem do partido.

Visando aperfeiçoamento, tramita no Senado Federal a Proposta de Emenda Constitucional Nº 54/2007, de autoria do Senador Francisco Dornelles (RJ). Esta PEC, oportuna e realista, altera o art. 45 da Constituição Federal para estabelecer o sistema majoritário na eleição de Deputados Federais, Estaduais e Vereadores ao dispor que “Estarão eleitos os candidatos mais votados na circunscrição eleitoral, na ordem de votação nominal que cada um tenha recebido, até o número de lugares a preencher”.

O parecer do relator enfatiza que a aplicação desta regra evitaria a ocorrência de situações paradoxais (verdadeiras anomalias) mas hoje frequentes e sucessivas: a eleição de candidatos com poucos votos, na esteira de um ou mais candidatos bem votados do mesmo partido ou coligação, e a derrota de candidatos que não alcançaram o quociente eleitoral, embora com votações expressivas. Até porque, como bem referido pelo mesmo em seu voto favorável à aprovação da Proposta, “o eleitor não entende e desconfia de um sistema que exclui candidatos bem votados, representativos nas respectivas comunidades, e que elege outros candidatos com pouca votação”.

Sendo a Democracia assentada na representação popular, somente com a eleição e posse dos parlamentares mais votados é que haverá fidelidade à vontade do eleitor. Coligação é cálculo, eleição é votação.

No Rio Grande do Sul por exemplo, Luciana Genro, combativa e atuante, foi a oitava mais votada no RS em 3 de outubro. Sua votação superou a soma dos três últimos candidatos eleitos e em 4,6 vezes a do menos votado, o qual, por conta de votos em coligação, será legitimamente diplomado à luz das regras vigentes. Dante de Oliveira (MT) e João Caldas (AL) tiveram absurdas experiências similares a de Luciana em pleitos anteriores (1990 e 2006, respectivamente).

Diante da Constituição Federal, o quociente eleitoral significa uma “cláusula de exclusão”, viola o princípio da igualdade de chances, o pluralismo político, o princípio do voto com valor igual e o próprio sistema proporcional.

Em síntese: deforma a verdade eleitoral. A democracia evolui e hoje não há mais espaço para fórmulas matemáticas para determinar quem será eleito. O voto é soberano e merece ser valorizado ao invés de calculado. Quociente eleitoral é anacronia e artificialismo.

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor do livro “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.