No Brasil, o combate ao racismo nas escolas é uma questão de urgência cívica e social. No entanto, apenas metade das instituições de ensino público havia adotado ações contra o racismo em 2021. Para entender o cenário atual e preparar a política nacional de educação antirracista, o Ministério da Educação convocou prefeitos e secretários de educação para participarem de uma pesquisa sobre as ações desenvolvidas pelas redes de ensino para enfrentar o racismo.
É preocupante notar que, apesar da importância dessa iniciativa, a adesão dos estados mostra um cenário desigual. A Atricon informa que o estado de São Paulo teve a menor adesão até o momento, com apenas 54,3% dos prefeitos paulistas respondendo à pesquisa. Amapá (56,3%), Rondônia (57,7%), Tocantins (58,3%) e Rio Grande do Sul (59,6%) seguem nesta lista de estados com menor adesão. Em contraste, Minas Gerais alcançou 100% de adesão, com todas as 853 cidades respondendo ao levantamento. Ceará e Alagoas também tiveram adesão total.
Surge a questão: a baixa adesão dos prefeitos à pesquisa seria por receio de serem vistos como omissos no combate ao racismo? Tal hesitação poderia refletir falta de responsabilidade ou comprometimento com suas obrigações.
O MEC prepara-se para lançar a “Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola”, um passo potencialmente transformador se acompanhado de envolvimento efetivo das esferas governamentais locais. Este momento é crítico: prefeitos e secretários municipais de educação devem reconhecer a importância de sua participação ativa nesta pesquisa, que não apenas moldará políticas futuras, mas também impactará diretamente na formação cívica e cultural de jovens estudantes.
Portanto, é imperativo que todos os estados e municípios brasileiros estejam alinhados e engajados com o MEC nesse esforço conjunto. A diversidade é uma riqueza inestimável do Brasil e deve ser refletida e respeitada em nossas salas de aula. Para que isso aconteça, é essencial que cada prefeito e secretário de educação responda à chamada do MEC, ajudando a transformar nosso sistema educacional em um espaço verdadeiramente inclusivo e representativo.
Gravação online com Leizer Pereira, foto: Priscila Gubiotti
“Ninguém quer se assumir como racista, machista ou homofóbico. Acho que o maior desafio está na resistência em reconhecer que você é parte do problema e também da solução. Existem os vieses inconscientes, que são os preconceitos que todos nós temos e que criam barreiras para as pessoas.”
Leizer Pereira, Empodera
Apesar de 94% dos líderes reconhecerem o valor da diversidade para atrair e reter talentos, a efetivação da diversidade como uma prioridade real cai pela metade. O Brasil, marcado por sua rica tapeçaria de culturas e histórias, ainda enfrenta desafios significativos quando se trata de diversidade e inclusão nas organizações. Esta não é apenas uma questão de justiça ou de fazer o que é moralmente correto; é também uma questão estratégica que pode impulsionar a inovação e a rentabilidade em um mundo corporativo em constante mudança.
Da conscientização à ação: a missão da Empodera
Leizer Pereira, fundador e CEO da Empodera, mergulha profundamente nesta questão em entrevista ao Mundo Corporativo, da CBN. Ele destaca que, embora muitas organizações estejam cientes do valor da diversidade, ainda existe uma lacuna significativa na transformação dessa compreensão em ações concretas e sistematizadas.
“Eu acho que precisamos promover mais oportunidades para as pessoas. Promova oportunidades, equidade e deixa as pessoas crescer na velocidade do seu talento e esforço. Tem muita gente boa sendo deixada para trás nesse país. A gente não tem. A gente não tá com essa possibilidade de desperdiçar talento”
A Empodera, fundada em 2017, busca capacitar empresas a entender e abraçar verdadeiramente a diversidade. Além de focar na diversidade racial, a organização também aborda questões de gênero, LGBTQIA+, gerações e pessoas com deficiência, reforçando a ideia de diversidade de pensamento como chave para soluções criativas e integradas.
Desafios e oportunidades: a perspectiva pessoal de Leizer
A trajetória pessoal de Leizer Pereira, como um homem negro que cresceu na periferia do Rio de Janeiro e posteriormente ascendeu ao mundo corporativo, oferece uma perspectiva sobre os desafios e oportunidades presentes na jornada de inclusão. Ele argumenta que, enquanto o acesso ao ensino superior tem se tornado mais democrático no Brasil, ainda há um longo caminho a percorrer para garantir que os jovens, especialmente aqueles de origens desfavorecidas, estejam preparados não apenas academicamente, mas também emocional e culturalmente para os desafios do mundo corporativo.
Com o crescente reconhecimento da importância da diversidade, resta saber se as organizações brasileiras vão intensificar seus esforços para transformar palavras em ações e garantir que a diversidade e a inclusão sejam mais do que apenas palavras da moda, mas sim pilares fundamentais de sua cultura e estratégia.
“Então, as empresas ainda têm um longo caminho, porque elas são inclusivas para quem? Hoje não é para todo mundo. Então, a gente precisa construir essa organização inclusiva para todas as pessoas”.
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Quando assistir: Quartas-feiras, às 11 da manhã, ao vivo.
Onde assistir: Canal da CBN no YouTube.
No ar: sábado no Jornal da CBN e domingo, às dez da noite.
Podcast: no site da CBN, no Spotify ou na Alexa.
Colaboram com o Mundo Corporativo: Renata Barcellos, Priscila Gubiotti, Letícia Valente e Rafael Furugen.
Meu pai foi negrinho engraxate, minha avó preta empregada, a mãe dela escrava, e Zé Índio meu vô.
Tenho cor clara pra quem olha, mas melanina não define quem sou.
Sou ítalo africano brasileiro americano.
Sou cidadão do mundo, tenho um pouco de tudo.
Já fui menino de rua, do mato, da loja, da escola, agora da Califórnia.
Tenho uma história mulata que minha aparência sonega.
Sou o mesmo que eles, aqueles julgados por fora.
Injustiça que mata.
Mas foi mais fácil pra mim.
Subir os vidros do carro, esconder os pertences, sentir o medo no olhar.
Já estive dos dois lados, se assustar e ser julgado, mas qualquer roupa me muda de patamar.
Posso ser rico, ser pobre, bem vestido ou rasgado.
Sou apenas o que decido ser.
Tenho a cor negra no sangue, que a pele não mostra.
Mas a vida é injusta, e foi mais fácil pra mim.
Sou igual mas diferente. E é bem mais fácil pra mim.
Eu nunca fui presidente, atleta de elite, ou guitarrista dos bons. Não fui artista famoso, escritor respeitado, ou então pensador.
Por que eu seria superior?
Eu sou melhor em quê?
Se tem um vírus que mata, bota o lenço na cara.
No espelho o que vê?
A cor do pano te muda?
Você se sente mais forte, mais esperto, mais nobre?
A cor muda você?
Se tapamos o rosto, se olhamos no olho, não somos todos iguais?
Você se acha distinto, mas é melhor em quê?
Rodrigo Tomaz é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite agora o meu blog miltonjung.com.br e assine o podcast do Conte Sua História de São Paulo.
“Se o seu modelo de pensamento não estiver programado para o sucesso profissional, não importa o que você faca, você não vai gerar o resultado que você espera”
Poucos, muito poucos, são os negros que sentam nas cadeiras reservadas aos conselheiros das 500 maiores empresas brasileiras. Nem 5% delas, diz pesquisa do Instituo Ethos. E se você circular por suas sedes, perceberá que o mesmo acontece com os cargos de executivos (4,7%) e gerentes (1,3%). Foi com esses números que Emerson Feliciano iniciou sua entrevista no programa Mundo Corporativo. Mesmo com a ressalva de que prefere as histórias aos números, o consultor recorreu às estatísticas para dar noção do grande caminho que se tem para equilibrar a balança étnico racial no ambiente empresarial.
Ele próprio encontrou barreiras na sua trajetória profissional, o que somado ao racismo estrutural e a falta de oportunidade que atinge mulheres e homens negros, o levou a se dedicar no treinamento e mentoria de carreiras. Emerson criou o curso Mentoria P&D – Profissional e Diferenciado e trabalha com o objetivo de permitir que profissionais de diversos níveis dentro da empresa alcancem mais rapidamente seus objetivos de promoção.
“Quando a gente fala do negro, o modelo de pensamento não é voltado para o sucesso. Porque quando ele decide fazer uma faculdade, uma pós-graduação, a primeira palavra de cancelamento vem de casa: o que você vai fazer com isso? Isso é muita para você? Na sua família ninguém fez faculdade”.
A falta de referências também é apontada como uma barreira mental que os negros enfrentam no cenário corporativo. Emerson diz que basta fazer o “teste do pescoço”: levante o pescoço e olhe ao seu entorno, veja quantos negros são líderes dentro das empresas, quantos são os que dão aula na universidade, quantos são os militares que ocupam os postos mais altos …
“Claro, se a gente for olhar para trás, quanto a gente pensa neste racismo estrutural e racismo institucional, vemos que pouco o negro ocupou os lugares de “poder” dentro da sociedade. Isso é uma marca que a gente precisa aos poucos quebrar e eu, dentro do mundo corporativo, converso com os meus colegas diretores para que a gente vá quebrando cada vez mais esse racismo”.
A mudança de mentalidade é um dos cinco pilares com os quais Emerson Feliciano trabalha no desenvolvimento de profissionais e na preparação para a ascensão nas empresas. Vamos a eles:
Mudança de mentalidade
Propósito (por que e por quem você está fazendo aquilo?)
Habilidades comportamentais
Preparação
Ação
“O conhecimento é estático, é como uma moeda de ouro lá no fundo do oceano. Você sabe que está lá, mas no fundo do oceano não vale nada. Você precisa de ação para fazer esse seu conhecimento se destacar”.
Para as empresas, o recado de Emerson é quanto ao potencial que está sendo desperdiçado a medida que se mantém os padrões anteriores e se impede a diversidade étnico-racial. A começar por mudar seus indicadores de lucro pelos indicadores de desempenho: satisfação do cliente, imagem da empresa e diversidade, por exemplo. O instituo McKinsey mostrou em pesquisa realizada em 12 países de que as empresas que investem na diversidade lucram 36% a mais:
“… porque quando você coloca essas pessoas que vêm de culturas diferentes para pensar juntas, cara, isso gera uma inovação que as empresas ainda não conseguiram entender o poder desse ativo. Quando conseguirem certamente a gente vai vai investir muito mais na diversidade.
Assista à entrevista completa com o consultor Emerson Feliciano, no Mundo Corporativo:
Colaboraram com este capítulo do Mundo Corporativo, Bruno Teixeira, Renato Barcellos, Débora Gonçalves e Rafael Furugen.
Um homem negro foi espancado até a morte, na garagem de uma das lojas do supermercado Carrefour, no bairro do Passo da Areia, zona norte de Porto Alegre. Logo na minha Porto Alegre, como gosto de me referir à cidade em que nasci, aprendi, amei e sofri. Logo lá! Foi o que pensei quando li a notícia na abertura do Jornal da CBN desta sexta-feira marcada pelo Dia da Consciência Negra. Logo tu, Porto Alegre, de onde saí em 1991 e trouxe um carinho especial pelas pessoas que me cercavam e o orgulho por ter entendido quão rica culturalmente e diversa é a capital gaúcha — após anos de passeios noturnos do Bom Fim à Cidade Baixa, dali para o Menino Deus, com paradas no Ocidente, no Opinião, no Bar do Pio e outros locais tão anônimos quanto eu que os frequentava muitas vezes sozinho, e acompanhado de uma bebida qualquer.
Sim, foi de Porto Alegre que o repórter da rádio Gaúcha Tiago Boff falou ao vivo no programa e relatou como João Alberto Silveira Freitas, o Beto, um homem negro, de 40 anos, aposentado por invalidez, após um suposto desentendimento com a fiscal de caixa, foi levado por cinco pessoas para fora do supermercado — eram três homens e duas mulheres —- e espancado por dois deles, e pisoteado, e sufocado até morrer. A mulher de Beto, que havia ficado para pagar a conta do supermercado, para o qual os assassinos de seu marido trabalham, encontrou-o no chão e em tempo de ouvir seu último desejo: “Emilia me ajuda”. Não deu tempo, ele morreu com os dois homens ainda prensando-o no chão com o uso dos pés.
Emília agora chora porque não pode ajudar o marido. Chora o pai de Beto, Joao Batista Rodrigues, de 65 anos, que teve de reconhecer o corpo do filho no DLM, lá na avenida Ipiranga — contramão para quem mora no Passo da Areia como a família de Beto. Eles moram —- Beto não mora mais — pertinho do supermercado, são clientes e o pai diz que até fez o cartão de compras por sugestão do filho. Programa de fidelidade que será “recompensado” com as custas do funeral, o “suporte necessário” e um lamento impresso em nota assinada pelo Carrefour.
Saber que Porto Alegre estará na boca do mundo por essa lamentável e irreparável ocorrência me entristeceu nesta manhã —- o que foi percebido pelo sempre observador Dan Stulbach, na conversa do Hora de Expediente. Minha tristeza, lógico, não se constrói apenas por um sentimento paroquial. É muito maior pelo crime cometido. E acrescida por perceber que vivemos em um país onde muita gente ainda é capaz de relativizar a violência imensurável sofrida por negros, seja lá na minha Porto Alegre, seja aqui na minha São Paulo, seja onde for.
Por mais que houvesse pessoas solidárias ao drama da família e indignadas com o ato que expressa o racismo estrutural da nossa sociedade —- transformando-se em dose de bom senso e esperança —-, confesso que doeu no coração saber que há aqueles que são tão incapazes de se sensibilizar com esse comportamento quanto rápidos em criticar quem o denuncia. Poucos minutos após o relato jornalístico das barbaridades cometidas contra Beto, um homem negro, na minha Porto Alegre, alertas de mensagens piscaram na tela do computador.
Por que destacar que a vítima é negra? Se fosse branco, você diria? Se fosse branco, não teria a mesma importância? Quem disse que ele foi morto porque é negro? Racismo é isso que vocês fazem! Cadê a ética jornalística? Todas as vidas importam. Vocês tem de ser isentos!
Exclamações e interrogações de mãos dadas com a fatídica conjunção coordenativa de adversidade: …. não se deve matar, mas quem disse que …; eles erraram, mas o cara …; o mas —- que lá na minha Porto Alegre é pronunciado com o som do a fechado — sempre surge distorcendo o fato e querendo por dúvidas onde só temos uma certeza: o racismo existe e é praticado diariamente no Brasil.
O negacionista surge travestido de defensor da moral e dos bons costumes. Pede isenção quando o que quer é ser isento de punição. Só lembra de soletrar a palavra igualdade quando tenta impedir a implantação de políticas afirmativas. Fala em discriminação invertida onde o que existe —- e se exige — é discriminação positiva, aquela que estabelece equilíbrios e garantias para pessoas que historicamente foram excluídas pela sociedade. Surrupia o nome do crime que comete ao questionar o discriminado.
Beto foi morto porque é negro. Porque se branco fosse, seria oferecido a ele a abordagem do gerente do supermercado e não a intervenção violenta dos seguranças. Morreu porque é negro e morreu lá na minha Porto Alegre! Que triste!
”A gente precisa entender que olhar para a população negra no Brasil não é favor, é estratégia de negócios, é ética e é também lei” — Luana Genót ID_BR
O interesse de empresários brasileiros na promoção da igualdade racial aumentou de maio até agora, mesmo com a crise provocada pela pandemia do coronavírus. Quem observou essa mudança de comportamento foi Luana Genót, diretora-executiva do ID_BR Instituto Identidades do Brasil. O curioso é que, em um país onde a violência contra os negros se expressa no cotidiano e nas estatísticas, foi um fator externo que motivou essa reação.
Em entrevista ao programa Mundo Corporativo, da CBN, a jornalista disse que a instituição, fundada por ela em 2016, passou a ser mais procurada por dirigentes empresariais, aqui no Brasil, desde o assassinato de George Floyd, por policiais do estado de Minessota, lá nos Estados Unidos.
Luana entende que o movimento seja resultado do forte impacto gerado pelo crime que levou pessoas às ruas em diferentes partes do Mundo e foi acompanhado de perto pela mídia internacional. Lamenta, porém, que a violência sofrida pela população negra no Brasil não provoque essa mesma indignação. De acordo com o Atlas da Violência 2020, os casos de homicídio de pessoas negras aumentaram 11,5% em uma década, enquanto os de não negros reduziram em 12,9%.
“Costumo dizer que a gente não precisa mais de pessoas negras morrendo para ter um posicionamento antirracista ao longo do ano e também não precisa ser só um caso que venha de fora”
O ID_BR atua com a ideia de acelerar o processo de igualdade racial no mercado de trabalho e ajuda as empresas a desenvolverem estratégias que incentivem a presença de negros em cargos de liderança. Segundo Luana, apesar de ter triplicado o número de negros com ensino superior completo, nos últimos dez anos, isso não se reflete nas corporações sobretudo no alto escalão. É preciso mudar a cultura, torná-la mais inclusiva.
“É uma pauta que tem de ser transversal; não é uma pauta só de recrutamento; é uma pauta de posicionamento; é uma pauta de comunicação; é uma pauta estratégica para toda a empresa que quer crescer para além de olhar só a metade da população do Brasil. Tem de olhar a população por inteiro”.
Na campanha ‘Sim à Igualdade Racial”, promovida pelo ID_BR, são identificados três estágios de atuação das empresas:
Compromisso —- as empresas são estimuladas a desenvolver durante um ano ações de sensibilização e letramento racial; fazem um diagnóstico de sua realidade e iniciam o desenho de suas metas e prazos de inclusão de profissionais negros a serem atingidos.
Engajamento — as empresas estão há, pelo menos, dois anos desenvolvendo as ações e já estão um pouco mais avançadas. Para além do desenho, nessa etapa, elas também implementam políticas de metas atreladas às áreas e prazos.
Influência — as empresas estão há, pelo menos, três anos atuando na pauta, têm resultados tangíveis sobre a presença de pessoas negras em cargos de liderança e influenciam toda a cadeia produtiva e demais segmentos no seu entorno na busca pela igualdade racial.
As experiências de Luana, do instituto e das empresas engajadas na defesa da igualdade racial mostram que a sociedade ganha como um todo, a partir do momento que este tema passa a fazer parte da estratégia corporativa:
“Não olhar para isso de forma estratégica, não investir nesta temática é uma forma de simplesmente dizer: ‘ah, eu não sabia’. Mas agora a população está cada vez mais cobrando isso. Então, esse tem sido o nosso convite para as lideranças que ainda se veem surpresas diante desses cenários que no meu ver não deveria causar nenhuma surpresa”
O Mundo Corporativo é gravado às quartas-feiras, 11 horas, e pode ser assistido, ao vivo, no canal da CBN no You Tube. O programa vai ao ar aos sábados, no Jornal da CBN, e fica disponível em podcast. Colaboram com o Mundo Corporativo: Juliana Prado, Guilherme Dogo, Rafael Furugen, Débora Gonçalves e Priscila Gubioti.
Milwaukee Bucks iniciou movimento de paralisação da NBA Crédito: Kevin C. Cox/Getty Images/Site CBN
A ausência de jogadores da NBA nas quadras, na noite de quarta-feira, em Orlando, foi o gesto mais simbólico e de maior repercussão contra a violência aos negros, nos Estados Unidos, desde que policiais de Kenosha atiraram sete vezes e pelas costas no negro Jacob Blacke, no domingo, no estado do Winsconsin. O primeiro ato foi dos jogadores de basquete do Milwaukee Bucks seguidos pelos demais colegas da liga e se estendeu ao basquete feminino e ao beisebol, com a paralisação das rodadas da WMBA e da MLB.
A despeito de o presidente dos Estados Unidos Donald Trump ter feito comentário crítico e dito que é por isso que a NBA está perdendo audiência — o assunto ganhou espaço no noticiário esportivo, avançou pelas demais editorias dos jornais, destacou-se nas manchetes dos telejornais e de programas de rádio pelo mundo.
Eram 5h50 da manhã, aqui no Brasil, quando o apresentador Frederico Goulart nos provocava a refletir sobre o feito, no quadro que fazemos ao lado de Cássia Godoy, no CBN Primeiras Notícias. Ressaltei que foi a jogada mais marcante do basquete americano já vista nas quadras — esporte que quando jogado é um espetáculo por si só. E foi a forma de revelar a força antirracista que se expressa nos Estados Unidos com protestos nas ruas e manifestações nem sempre pacíficas — porque pacíficos também jamais foram os atos contra os negros.
Voltamos em seguida, às 6h, no Jornal da CBN com o noticiário e as reações pelo Mundo, para ainda antes das 7 da manhã, ouvirmos Juca Kfouri comentar que o esporte americano encestou o racismo:
A notícia foi destaque a cada meia hora, no Repórter CBN e tema único do bate-papo com Dan Stulbach, Zé Godoy e Luiz Gustavo Medina, no Hora de Expediente, no qual sempre preferimos ser diversos e divertidos nas notícias abordadas. Os três haviam conversado com Roque Júnior, ex-jogador de futebol, com títulos na Europa e campeão do Mundo pelo Brasil, na sexta-feira passada — oportunidade em que ele destacou as diferenças de reações contra o racismo que se tem nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil; e justificou que o campo reflete a sociedade da qual faz parte.
Ao longo do Jornal da CBN ainda lembrei de entrevista que gravei nessa quarta-feira, com Luana Génot, do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), que vai ao ar no dia 12 de setembro, no programa Mundo Corporativo. Ela e sua organização fazem trabalho de excelência na busca da diversidade e da igualdade racial nas empresas.
Sem spoiler — mesmo porque o vídeo da gravação pode ser visto no Facebook e no canal da CBN no You Tube –, Luana constatou que desde o assassinato de George Floyd, em Maio, e as manifestações que se seguiram nos Estados Unidos, aumentou o número de empresários brasileiros em busca de informações do ID_BR para entender como podem se transformar em agentes desta luta contra o racismo, que restringe a entrada de negros no mercado de trabalho e reduz as chances deles ascenderem aos cargos mais altos da hierarquia corporativa.
Isso não acontece só com líderes empresarias; nós da mídia também somos culpados por, na maioria das vezes, somente sermos alertados para a gravidade dessa injustiça racial quando o noticiário no exterior fala mais alto —- Luana também aborda essa questão no Mundo Corporativo.
Nesse ciclo de crueldade, em que não se vêem representadas nos diversos espaços da sociedade, muitas crianças negras crescem na descrença de que são capazes de mudar esta história, com dificuldade até mesmo de se reconhecerem como cidadãos e negros. Foi o que me disse um ouvinte da CBN em e-mail que fiz questão de ler na íntegra durante o Jornal e compartilho com você, caro e raro leitor deste blog.
Leia até o fim, pense sobre o assunto, busque outras fontes que se expressam sobre o racismo e leve essa discussão à frente. Se uma palavra sua inspirar uma outra pessoa a seguir na mesma direção, tornaremos essa jornada menos árdua.
Foi o que Vitor Del Rey fez hoje e a ele agradeço pela generosidade da mensagem e pela sinceridade em compartilhar com o público da CBN que, frente ao preconceito e racismo estrutural que vivemos, só se aceitou como negro, aos 27 anos:
“Mílton, bom dia!
Acredito ser diferente no Brasil, porque, ainda criança, os negros americanos ouvem sobre Luther King, Rosa Parks, Malcoln X e tantos outros. Aqui no Brasil, ainda criança, nós somos condicionados a odiar a nossa cor. Quando cresce, o ideal é ser moreno, não negro..
Eu me aceitei como negro aos 27 anos, mesmo sendo um negro retinto, ou seja, bem escuro. Na verdade, eu sempre soube que era negro, não tinha como não saber: a polícia jogava isso bem na minha cara. A questão é que eu não tinha estímulo nenhum para amar a minha cor.
Daí, conheci a EDUCAFRO, que além de me trazer a possibilidade do ensino superior me entregou algo bem maior: a oportunidade de conhecer a minha história, os heróis reais que nós temos, e a lutar por igualdade.
Hoje, sou formado em Ciências Sócias pela FGV, faço mestrado lá. em Administração Pública, trabalho com o ex-ministro da Educação Jose Henrique Paim e tenho um instituto: Instituto GUETTO — Gestão Urbana de Empreendedorismo, Trabalho e Tecnologia Organizada. Sou ponta de lança no combate ao racismo no Brasil e no mundo.
Hoje, reverenciamos Rafaela Silva, a jovem carioca que aos 24 anos ganhou a medalha de ouro, no judô olímpico. O primeiro ouro brasileiro na Rio2016. Falamos seu nome com orgulho. Há quem a considere uma heroína, outros a transformaram em sinônimo de superação; e todos a queremos como referência e exemplo para os jovens que nascem desgraçados da vida.
Nem sempre foi assim.
Como você já deve saber, Rafa – sim, nos atrevemos a tratá-la pelo apelido que antes só servia aos íntimos – é de família muito pobre, da Cidade de Deus, superou-se ao encontrar projeto social que investe no esporte e teve seu desempenho financiado com o cartão de crédito do treinador Geraldo Bernardes.
A coragem de se transformar em vencedora, vivendo em um lugar onde seus moradores não têm este direito, cobrou dela preço muito caro: classificou-se para representar o Brasil nas Olimpíadas de Londres, em 2012 – o que seria um orgulho para qualquer atleta. Uma irregularidade cometida no tatame, porém, tirou-lhe a chance de medalha e a colocou no centro de ataques racistas.
Rafaela não esqueceu o que enfrentou. A mãe dela também não.
A atleta queria ficar esquecida dentro de seu quarto. Escondida. A mãe contou com o apoio dos amigos para a jovem voltar a treinar. Voltou e foi campeã mundial.
Nem assim Rafaela esqueceu. A mãe também não.
Desde a primeira entrevista ainda suando e ofegante da última luta desta terça-feira até a fala com os jornalistas após tomar um banho dourado pela medalha conquistada, Rafaela e a mãe repetiram à exaustão as palavras que foram usadas para atacar a jovem: macaca. E assim que falam, choram. Só elas sabem o tamanho desta dor. Elas e todos os que como elas são frequentemente atacadas por essa gente estúpida e racista.
Foi esta jovem, a crença de sua mãe e o poder transformador do esporte que me fizeram chorar escondido por mais de uma vez e todas às vezes em que ela apareceu na televisão, após o ouro olímpico. Chorei emocionado pelo que conquistaram. E envergonhado pelo que sofreram.
Grêmio 0 x 0 Santos Campeonato Brasileiro – Arena Grêmio
Grêmioooo, Grêmiooooo, Grêmioooooo!
Foi esse o grito que marcou boa parte do jogo desta noite de quinta-feira. Houve vaias, também. E vaias contra Aranha e contra o Santos. O goleiro entendeu que a reação do torcedor foi apoio à injúria racista da qual ele foi vítima na última passagem por Porto Alegre. Há quem pense que tenha sido apenas ato de repúdio à eliminação da Copa do Brasil, punição imposta por um tribunal de comportamento questionável – afinal, outros clubes não sofreram pena semelhante quando seus torcedores se envolveram em cenas de violência e morte. Outros dizem que o goleiro, hoje, se transformou em alvo não pela raça, mas pela pirraça. Prefiro não entrar nessa bola dividida, pois, como torcedor que sou, e não escondo esta minha faceta, temo que minha opinião nesta hora seja julgada mais pela minha paixão do que minha razão. Além disso, confesso a você, caro e raro leitor desta Avalanche, que tenho tido cada vez mais dificuldade para explicar o comportamento do ser humano, talvez pela própria complexidade das relações contemporâneas. Diante disto, peço licença para me ater ao grito de incentivo.
Fiquei feliz ao ouvir o torcedor cantar o nome do Grêmio, pois esta deve ser nossa verdadeira marca nos estádios por onde passarmos. Invejo as torcidas que sabem empurrar o time para cima do adversário, mesmo quando este não apresenta futebol à altura de uma vitória. E vibro ao perceber nossos torcedores dispostos a protagonizar este papel. Na época em que minha presença era frequente nos estádios – e isto foi na era do Olímpico Monumental – assisti muitas vezes ao Grêmio ser levado nas costas por seu torcedor e a arrancar vitórias praticamente impossíveis. Hoje, nos minutos finais da partida, mesmo que a impaciência já parecesse tomar conta de todos nós – eu estava que não me aguentava mais no sofá diante da televisão -, havia torcedores incentivando e acreditando em um lance fortuito que levasse a bola para dentro do gol adversário.
Não se espante com o fato de ter dedicado dois parágrafos desta Avalanche a falar da torcida. Prefiro isto a ter de criticar a falta de alternativas do nosso time, aos erros constantes e irritantes de passe, as poucas opções de jogadas e a criatividade limitada que marcou nosso desempenho nesta noite. Se cabem palavras positivas ao que assistimos em campo, deixo registrado meu contentamento com a forma segura com que a defesa gremista tem se comportado nos últimos jogos. Foi este setor que reduziu o risco de tomarmos gols do adversário, garantiu um ponto a mais no campeonato e a subida de uma posição na tabela de classificação.
A chegada ao G4 fica para domingo que vem. E com o grito que deve ser a nossa verdadeira marca: Grêmioooo, Grêmiooooo, Grêmioooooo!
Quinta coluna: as gerações brasileiras que nasceram durante a Segunda Guerra Mundial talvez,dando tratos à memória,se lembrem dessas duas palavras. Se algum leitor deste blog se der ao trabalho de abrir o Google,com certeza,ficará sabendo o significado delas. Os sites especializados nos mais diversos tipos de pesquisa,comuns na internet e,diga-se de passagem,muito úteis para esclarecer dúvidas ou desconhecimentos,foram bondosos ao definir a expressão “quinta coluna”. Explicam que ela teve origem na Guerra Civil Espanhola. Nessa, o General (o Google,pelo menos,não esclareceu o nome do dito cujo)referia-se a sua tropa que ía para Madri,como quinta coluna. A expressão foi mais uma vez usada durante a Segunda Guerra Mundial para chamar os soldados que apoiavam a política dos nazistas e de seus aliados.
Nasci em 1935 e me criei ouvindo notícias e,mais do que isso,tomando conhecimento da ida daqueles que eram chamados,carinhosamente, de “pracinhas”,para combater os alemães e quem quer que estivesse ao lado dele. Muitos não voltaram aos seus lares. Durante boa parte da minha infância ouvi pessoas chamarem os seus desafetos ou,o que é mais grave,de quintas colunas quem fosse contrário a ida dos nossos soldados para a Europa e coisas do tipo. Alguém – se é que tenho quem me leia nas quintas-feiras – está intrigado com o motivo de eu ter ressuscitado o termo quinta coluna,inusitado nesta época de tantas palavras novas – e mal usadas – por parte das mídia,pode se espantar. E já explico o por quê.
O jogo entre Grêmio e Santos,no decorrer do qual “torcedores gremistas”,postados atrás do gol defendido pelas teias construídas por Aranha,ofenderam o goleiro santista com termos racistas,deixou o Imortal Tricolor em maus lençóis,o que era de se esperar,especialmente porque o STJD não gosta dos nossos representes. E não é de hoje. Escrevo este texto numa terça-feira.Como não sou adivinho,não posso saber o que o Tribunal, que não simpatiza historicamente conosco, decidiu.
Gostaria, mais ainda de saber,porém,que tipo de penalidades o Grêmio aplicará nos torcedores bem identificados,que contra a grande maioria dos gremistas,não só cometeu racismo na partida contra o Santos como fez de conta que não viu as faixas que os bons torcedores levaram para a Arena em Grêmio x Bahia. Pessoas desse nível têm de ser banidas do clube,especialmente aqueles que conseguiram,por interesses de ordem política,se transformarem – pasmem – em “conselheiros” do Grêmio. Chega de maus elementos,Dr.Koff! Ou isso ou os bons vão acabar sumindo da Arena.É evidente que o Grêmio tem os seus quintas colunas e ainda vai se dar mal caso não se livres desta laia.
Em tempo: na quarta-feira, o STJD decidiu excluir o Grêmio da Copa do Brasil.
Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)