Conte Sua História de São Paulo: o rei e a rainha na porta do hotel

Andrea Wolffenbüttel

Ouvinte da CBN

Entrada do antigo Ca’D’Oro em foto de divulgação

Sou carioca por nascimento, paulistana por vocação. Era 1978. Um ano muito especial porque eu havia deixado a escola de bairro, no Brooklin, onde morava, e cursava o 1º ano do Ensino Médio, no Mackenzie, bem no centro de São Paulo. Para chegar até lá, eu deveria embar em um ônibus executivo, que passava em frente à minha casa, e descer em um ponto na Consolação. 

Meus pais queriam que eu usasse esse serviço diferenciado de transporte público. Afinal, eram minhas primeiras incursões, sozinha, fora dos arredores de casa. Acontece que o ônibus executivo era caro e eu logo percebi que poderia tomar um transporte convencional e economizar o resto do dinheiro para gastar no lanche. Melhor ainda, para um cinema. 

Por isso, eu pegava um ônibus da linha Santo Amaro–Praça das Bandeiras, descia na Nove de julho, subia uma escadaria de 100 degraus, que desembocava na curva onde a Frei Caneca virava Caio Prado. Seguia em frente, cruzava a Augusta, a Consolação e atingia a Maria Antônia, onde fica o Mackenzie. 

Porém, em uma manhã, ao atravessar a rua Augusta, vi uma estranha movimentação em frente ao Hotel Ca’d’Oro. À época, um estabelecimento de luxo. Fiquei curiosa, fui perguntar e me informaram que o rei de Espanha, Dom Juan Carlos I, estava hospedado ali. E logo sairia para seu primeiro compromisso.

Não lembro sequer de ter me questionado se deveria permanecer ou seguir para a escola. Simplesmente, fiquei ali, parada, olhando fixamente para a saída do hotel. Não sei quanto tempo passou, mas em um determinado momento: o rei. Ele saiu elegantíssimo como sempre, acompanhado da rainha Sofia. Parecia um filme, ou um sonho. 

Só voltei à realidade quando a comitiva real desapareceu na rua Augusta e, junto com a sensação de enlevo veio a recordação de que eu tinha prova de química na primeira aula! 

Ai meu Deus! Eu havia estudado tanto e a esta altura a prova já deveria estar perto do fim! Corri, corri muito! Subi as escadarias do prédio do Mackenzie aos saltos e cheguei ofegante à sala de aula quando a professora já estava recolhendo a prova. 

Ela me olhou com aquela expressão de “isso são horas?” e continuou sua tarefa indiferentemente. Me aproximei com cara de arrependimento e confessei: “professora, me atrasei porque fiquei na frente do Ca’d’Oro esperando para ver o rei e a rainha de Espanha”. A professora refletiu um instante, que me pareceu infinito. Sorriu e me disse: “essa é a desculpa mais maluca que já ouvi, mas para ver o rei da Espanha, eu também esperaria. Senta aí e faz a prova já… você só tem 15 minutos”. Não precisava de mais tempo… Fiz a prova e tirei 10! 

Ao longo dos anos, o hotel Ca d’Oro entrou em decadência, parou de funcionar, foi vendido e, agora, reinaugurado, tenta resgatar o glamour de antigamente. Eu tive a oportunidade de frequentá-lo, encontrar amigos, almoçar e jantar diversas vezes em seu restaurante. Mas sempre que passo pela frente, revejo a cena do casal real na calçada e uma menina do outro lado da rua, se sentindo em um conto de fadas.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Andrea Wolffenbüttel é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Claudio Antonio. Seja você também uma personagem da nossa cidade. Escreva seu texto agora e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos visite o meu blog miltonjung.com.br ou ouça o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Do Palácio de Buckingham às praças de Sucupira!

Por Christian Müller Jung

Photo by Romu00e9o on Pexels.com

“Se vogliamo che tutto rimanga come è,
bisogna che tutto cambi.”
Giuseppe Tomasi di Lampedusa

“É preciso que as coisas mudem para que elas permaneçam.” Assim respondeu a Rainha Elizabeth II, quando o jornalista perguntou a respeito dos seus 70 anos de reinado.  Era uma referência à frase original, que pertence à obra de Giuseppe Tomasi di Lampedusa e está impressa no livro ‘Il Gattopardo (O Leopardo)’, publicado em 1958, sobre a decadência da aristocracia siciliana durante o Risorgimento. Ganhou fama e as telas de cinema cinco anos depois, em filme assinado por Luchino Visconti e com Alain Delon no papel de Tancredi – descrito como arruinado e simpático oportunista ‘Príncipe de Falconeri’. Perante a possibilidade de mudança, a aristocracia resolve pactuar com a burguesia para a sobrevivência de ambas, e Tancredi anuncia ao tio, Don Fabrizio Corbera, Príncipe de Salina, que se unirá aos revoltosos e ,na tentativa de convertê-lo, imortaliza o ensinamento:

“Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude.”

A frase me veio à mente quando da morte da Rainha Elizabeth II que, aos 96 anos de vida e 70 de reinado, manteve-se respeitada e a mais atual que as regras da monarquia permitiam. A Rainha foi capaz de sobreviver, nessas sete décadas que manteve a coroa, com sua imagem icônica, dentre outros fatores, por ter sabido se adaptar ao tempo, ter mudado para que tudo permanecesse igual.

Inspiro-me na lição de Lampedusa e na rigidez de padrões que pauta o reinado, para convidar você a pensar sobre a necessidade de adaptação da prática protocolar nos tempos atuais, destacando não apenas os papeis de Mestre de Cerimônias e cerimonialista – com os quais tenho intimidade profissional -, mas refletindo, também, sobre até que ponto a liturgia do cargo das autoridades deve se moldar às novas realidades.

Passamos, necessariamente, por uma atualização na forma de executar os eventos, devido ao momento pandêmico. Regime de exceção, é lógico. Foram praticamente dois anos de desespero pelas faltas de trabalho e contato interpessoal. Tempo que nos desafiou a continuar. A transmissão via internet foi o que possibilitou a realização de uma demanda de eventos e, de lá pra cá, a modalidade foi incorporada tornando-os híbridos e ampliando a participação do público.

Mesmo na minha área de atuação, a de Cerimonial Público, as transmissões online se fizeram presentes e os canais das redes sociais entraram nos endereços dos, até então, “imexíveis” convites oficiais do Governo. Foi um aprendizado à força, com acontecimentos senão constrangedores, por vezes engraçados – mas isso fica para outra conversa. Fiquemos com os protocolos!

A rigidez dos padrões têm cedido à nova dinâmica do cotidiano. A rapidez da evolução tecnológica nos empurra para isso. Um dos questionamentos é quanto à interminável lista do “Prestigiam”, que costuma abrir os eventos ou os “Vocativos” das autoridades. Talvez o espaço para a leitura dessa lista de nomes e cargos pudesse ser ocupado por citações mais genéricas, focando no discurso, no conteúdo da fala.

Precisamos entender que o vocativo, mesmo que pareça entediante em determinados momentos, dignifica o evento, que tem sua importância expressa pela presença dos representantes de outros poderes, instituições e da sociedade civil. Não é, portanto, tão somente uma leitura de nomes e cargos. Ainda assim, temos percebido que parcela das pessoas gosta de algo mais informal e com menos pronomes de tratamento. Preferindo um “papo reto” – como se diz na gíria.

Há quem defenda que se substitua o formato tradicional das cerimônias, inclusive as públicas, por cenários e roteiros que lembrem programas de televisão, com a ideia de descontrair o ambiente. Nos cerimoniais e, em especial, no cerimonial público, essa liberalidade pode gerar conflitos ou revelar a insensibilidade dos organizadores. Ao transformar o protocolar em programa de auditório corre-se o risco de se desprestigiar os demais poderes que participam do evento. E como você sabe, todo mundo quer “aparecer na foto”. Dar destaque e seguir a precedência é a forma com que se construiu uma sociedade, que levou tempo para se organizar. 

Isso não significa que mudanças não devam ser realizadas, nem que tenham deixado de acontecer, especialmente do ponto de vista tecnológico. Os equipamentos estão muito mais avançados. Microfones têm cápsulas mais sensíveis, amplificadores mais potentes, dando voz até mesmo a quem não tem um padrão adequado para se pronunciar. Os registros e transmissões de fotos e vídeos são imediatos, feitos em celulares e não dando chance de se editar os erros.

Essas transformações moldam gerações. Vamos lembrar das belas e potentes vozes que marcaram o início da ‘Era do Rádio’. Naquela época, os cantores se apresentavam ao vivo, ao lado das orquestras e dentro de estúdios. Os microfones e equipamentos não eram tão modernos e sensíveis como os de hoje. Se o cantor ou cantora não tivesse uma voz potente, ninguém os escutaria – a carreira acabava ali mesmo. Os locutores, da mesma forma. Todos com a conhecida “Voz de Peito”.

Voltemos a nos inspirar na Rainha para refletir sobre o cerimonial dos novos tempos. O que teria mudado em seus 70 anos de coroa para que permanecesse uma liderança? É certo que da missa não se sabe um terço, mas é bem provável que o “discurso”. Sim, o discurso se adaptou ao tempo dos smartphones. O conteúdo também, ao tratar de questões mais relevantes para o desenvolvimento das nações. A imagem da Rainha se transformou: sempre alinhada, moderna ao estilo de uma senhora, sem ficar com a imagem do ranço da corte, mas da elegância que ela nos ensina. Se manteve mulher nesse mundo onde sabemos que elas ainda têm muito para lutar. Ainda mais nessas terras Tupiniquins.

Por falar em Brasil, não devemos esquecer de nossas peculiaridades. Ao mesmo tempo em que assistimos aos eventos em formato de arena, com telões digitais ao centro, aproximando-nos de personalidades mundiais em tempo real, até mesmo com o uso de holografia, metaverso e as mais avançadas tecnologias, ainda fazemos inaugurações de trechos asfálticos, trevos de acesso e portais de cidades com tribunas emprestadas de câmaras de vereadores, em palcos de madeira ou aboletados na caçamba de caminhões, com dezenas de autoridades amontoadas e se equilibrando para aparecer na primeira página da próxima edição do jornal local. 

Do Palácio de Buckingham às praças de Sucupira, de tudo ainda temos um pouco. 

Christian Jung é publicitário, locutor e mestre de cerimônia. Este texto foi publicado originalmente no site Coletiva.net

A Jovem Rainha Vitória: para entender a Era Vitoriana

 


Por Biba Mello

 

 

FILME DA SEMANA
“A Jovem Rainha Vitória”
Um filme de Jean Marc Vallè
Gênero: biografia/histórico.
País:EUA

 

Biografia da Rainha Vitória da Inglaterra, em sua juventude.

 

Por que ver
Amo filmes biográficos. Este, além de muito bem filmado, coerente e fiel aos fatos, conta a linda história de amor entre dois monarcas: Vitória e Albert.

 

Interessante saber como seria a vida de uma princesa e rainha… Confesso que achei ser uma vida bastante chata… O filme é repleto de detalhes do dia a dia de um nobre.

 

Amei especificamente este filme pois desde pequena sonhava em ser princesa (pude ver que a realidade não é muito um conto de fadas, rsrsrsrs), uma vez fui para Disney, e estava chorando porque tinha brigado com minha irmã. Minha mãe falou: “Gabriela, o príncipe pode estar disfarçado aqui na Disney e se ele te vir chorando não vai querer casar com você”… Imediatamente sequei minhas lágrimas e ameacei minha irmã com toda convicção do mundo: “quando eu for princesa e morar no castelo, vou convidar todo mundo para ir lá, menos você. Você não servirá nem para Aia!”… Tiraninha, não!

 

Curiosidades
Fui checar se o filme era uma reinterpretação da realidade ou se era fidedigno e achei algumas curiosidades…

 

Já Rainha, logo após sua primeira noite com Albert, Vitória escreveu em seu diário:

NUNCA, NUNCA passei uma noite assim!!! O MEU QUERIDO, QUERIDO, QUERIDO Alberto (…) o seu grande amor e afecto fizeram-me sentir num paraíso de amor e felicidade que nunca pensei alguma vez sentir! Segurou-me nos seus braços e beijamo-nos uma e outra e outra vez! A sua beleza, a sua doçura e gentileza – como posso agradecer vezes suficientes ter um marido assim! (…) ser chamada por nomes ternurentos, que nunca me chamaram antes – foi uma benção inacreditável! Oh! Este foi o dia mais feliz da minha vida!”

Foram muito apaixonados um pelo outro, trabalharam intensamente juntos em prol da Inglaterra, e logo que ele morreu, aos 42 anos de idade, a Rainha nunca mais tirou o luto, vestindo preto por uma vida…

 

O seu reinado de 63 anos e 7 meses foi o mais longo, até aquela data, da história do Reino Unido e ficou conhecido como a Era Vitoriana. Foi um período de mudança industrial, cultural, política, científica e militar no Reino Unido.

 

Quando não ver
Se você também sonhou em ser princesa e não quer desistir tão cedo! Afinal, o Harry está solteiro!!! (muitos risos)

 

Biba Mello, diretora de cinema, blogger e apaixonada por assuntos femininos. Escreve sobre filmes no Blog do Mílton Jung.

O trote na rainha e o trote da rainha

 

Por Carlos Magno Gibrail

 

 

A rainha Isabel II da Inglaterra, em 1995, por ocasião do referendo sobre a Independência do Canadá recebeu no Palácio de Buckingham um telefonema do humorista Pierre Brassard imitando o primeiro ministro canadense Jean Chrétien, então preocupado com o separatismo de Quebec. O trote transmitido pela rádio CKOI FM, que começou com sotaque britânico, ao passar para o quebequiano, fez a rainha demonstrar certo embaraço. Logo completado quando o humorista passou da política para o preparativo com os trajes do dia das bruxas. Sua Majestade, ainda assim continuou e disse que era assunto que interessava aos netos. Ao que o comediante desfechou: “Mas para vossa Majestade é simples; basta colocar um chapéu”.

 

A mesma rainha, 17 anos depois, como Elizabeth II da Inglaterra, por ocasião do internamento de sua neta por afinidade, voltou a estar envolvida com trote. Parece que o inigualável humor britânico é exclusivo dos ingleses, que não conseguiram passar os bons modos às colônias do Império Britânico. Ao mesmo tempo em que a Corôa é alvo potencial de ataques de humor duvidoso. E, como sabemos desta vez com final trágico. A enfermeira indiana Jacintha Saldanha não aguentou a ridicularização a que foi exposta pelos radialistas da 2DayFM da Austrália e se suicidou. Os radialistas Mel Greig e Michael Christian, depois de curtirem projeção mundial instantânea, imitando a rainha Elizabeth II no trote à Jacintha, caíram na verdadeira extensão do ato. Menos mal que reconheceram a infeliz forma de fazer humor e se retrataram. Ainda que por forte pressão, talvez da própria mídia e do público que inicialmente se divertiu, mas agora os repreende ferozmente.

 

O recrudescimento dos programas de humor grosseiro em nosso país e as atitudes criminosas internacionais embrionadas em bullying são testemunhas de que não se respeita mais nada. Bebês, crianças, costumes, direitos humanos, etc.

 

É preciso parar, e respeitar a todos.

 

Carlos Magno Gibrail é mestre em Administração, Organização e Recursos Humanos. Escreve no Blog do Mílton Jung, às quartas-feiras.