Avalanche Tricolor: a ilusão que nos move

Grêmio 4×0 Caxias
Gaúcho – Arena do Grêmio, Porto Alegre/RS

Pavon comemora em foto de Lucas Uebel/GrêmioFBPA

O apito final mal havia soado, e a avalanche de mensagens já rolava pelo WhatsApp, inundando as telas com euforia gremista. “O que faz a mão de um técnico!”, exclamava um amigo. “Imagina quando os reforços chegarem?”, arriscava outro, cheio de esperança. Eu, no entanto, observava tudo de longe, entre um sorriso discreto e uma dose de ceticismo. Talvez seja a idade ou os muitos campeonatos que me ensinaram que a alegria no futebol, assim como a bola, sempre gira.

Cético como nunca antes, mesmo diante da empolgação contagiante de meus companheiros de torcida, optei pelo silêncio. Não fui ao computador para conversar com você, caro e cada vez mais raro leitor desta Avalanche, como costumo fazer ao fim das partidas. Na estreia, deixei de escrever porque achei que seria um desperdício de sono. A atuação pífia não merecia palavras. Já na noite de domingo, mesmo diante da goleada, decidi adiar o prazer de escrever. Não queria me render ao excesso nem ser cúmplice da ilusão que, certamente, contaminava as conversas gremistas após a primeira apresentação do time na Arena, em 2025.

Mas ilusão nem sempre é algo ruim. Foi o que aprendi recentemente ao reler o livro Rasgando o véu da ilusão, em que minha esposa é uma das autoras, junto de duas colegas psicólogas. No prefácio, o professor Alexandre Marques Cabral me desarmou com uma reflexão poderosa: a ilusão é um “conceito imprescindível para que a finitude da condição humana se faça visível e possa ser assumida em toda a sua dramaticidade e grandeza”. Decepções e desilusões, diz ele, não são o fim do caminho, mas portas de entrada para compreender os contornos da vida e aprender a conviver com as aparências – nem todas erradas, nem todas a serem corrigidas.

Dito em futebolês: aproveite que seu time está ganhando e se jogue. Comemore a vitória, celebre o bom desempenho, entusiasme-se com a dinâmica em campo. Faça tudo isso sem culpa, porque, como me lembrou hoje cedo Paulo Vinicius Coelho, o Grêmio de Gustavo Quinteros ainda não tomou gols nesta temporada — em contraponto a fragilidade defensiva das duas últimas temporadas. Reconheça a realidade como ela é, sem pressa de antecipar o que não sabemos se acontecerá. Porque não há razão para desperdiçar a alegria desse momento.

Que o Grêmio de Quinteros continue a me iludir — porque, no fim das contas, no futebol, a ilusão não é apenas inevitável: é indispensável.

Nos acréscimos: o livro “Rasgando o véu da ilusão” (Dialetica), foi escrito por Abigail Costa, Aline Machado e Vanessa Maichin

Pensamento à toa

Abigail Costa

@abigailcosta

“O pensamento parece uma coisa à toa

 mas como é que a gente voa

 quando começa a pensar?”

Lupicínio Rodrigues

Quando a música de Lupicinio, cantada por Caetano, começou a tocar na Rádio Nacional, no começo dos anos de 1970, eu era uma menina que acreditava no que diziam as canções e fascinada pelas palavras de felicidade. Viajei nos pensamentos! Lembro-me de ter ido parar numa loja de brinquedos enorme na região da Teodoro Sampaio, no bairro de Pinheiro, em São Paulo. Nunca havia conhecido a loja pessoalmente mas de tanto ouvir histórias das meninas do meu bairro, construí uma imagem e passeei pelos corredores até chegar a seção de bonecas. Lá peguei uma “Dorminhoca”, aquela boneca molenga de cor lilás. Linda de viver!

Também incentivada pela letra da música, comprei um saco bem grande, recheado de coisas quase proibitivas em casa, doces antes das refeições — tinha maria-mole, uma variedade de chocolates e um monte de balas Juquinha, sabor frutas de mentirinha. Ao contrário do que minha mãe jurava que aconteceria, nem uma coisa nem outra foi verdade nos meus pensamentos: não perdia o apetite do sagrado arroz e feijão mais bife, muito menos que sentia dor de barriga.

Junto com o meu crescimento, os pensamentos também perderam a inocência, ganharam maioridade, maturidade, ficaram mais chatos,  desconfortáveis e passaram a voar mais perigosamente.

Num determinado momento, tive que confrontar as palavras da música quando fiquei sabendo que certos pensamentos são bem-vindos enquanto outros, Ave Maria!

Comecei a ouvir que pensamentos não são ações. Como assim? E as minhas histórias? A visita a loja, a boneca Dorminhoca, o saco de guloseimas?

Foi estudando que aprendi que certos pensamentos deixam a gente doente, que podem ser negativos, acelerados; e pra voar nos bons pensamentos é preciso me certificar que estou com os dois pés fincados nos chão. 

A simplicidade de só pensar é objeto de estudo.

Fico eu aqui pensando no Lupicínio, no Caetano…

“felicidade foi-se embora

 e a saudade no meu peito inda mora, 

porque eu sei que a falsidade não demora.”

Abigail Costa é jornalista, tem MBA em Gestão de Luxo, é estudante de Psicologia na FMU, faz pós-graduação em Gerontologia, no Hospital Albert Einstein, e escreve como colaboradora a convite do Blog do Mílton Jung.