Dez Por Cento Mais: Ilvio Amaral e Maurício Canguçu refletem sobre a vida diante do Alzheimer

Imagem da peça Maio, antes que você me esqueça

“Não adianta pesar o que já é pesado.”
Maurício Canguçu, ator

A perda da memória, provocada pelo Alzheimer, não atinge apenas quem recebe o diagnóstico. Ela se espalha pela rotina da família, redefine papéis e exige novas formas de afeto. Foi dessa experiência pessoal que nasceu Maio, antes que você me esqueça, peça protagonizada pelos atores Ilvio Amaral e Maurício Canguçu, em cartaz há quase quatro anos. O tema foi assunto da entrevista no programa Dez Por Cento Mais, apresentado por Abigail Costa, no YouTube.

Do luto à cena

A ideia de montar a peça surgiu após momentos difíceis vividos pelos dois atores: Ilvio perdeu o pai em consequência do Parkinson, enquanto a mãe de Maurício foi diagnosticada com Alzheimer. “Nós começamos a conversar sobre isso e falamos: vamos pedir para o Jair escrever uma peça para nós dois fazermos”, contou Ilvio, lembrando da parceria com o dramaturgo e neurocirurgião Jair Raso.

Mesmo com o texto pronto em meados dos anos 2000, os atores adiaram a montagem. “Eu disse: ‘não tenho estrutura para fazer essa peça agora’”, recorda Ilvio. Só durante a pandemia, diante das leituras feitas em casa, perceberam que era o momento de encarar o palco. A montagem estreou em formato reduzido, em uma live para a UFRJ, e rapidamente ganhou corpo e público.

O peso da doença e a leveza do afeto

No espetáculo, Ilvio interpreta um pai de 85 anos com Alzheimer, enquanto Maurício faz o papel do filho. A relação conflituosa entre eles se mistura à fragilidade trazida pela doença. “O Alzheimer não é uma doença só do paciente. Ele afeta muito mais quem está em volta, a família que convive todos os dias”, disse Ilvio.

A peça mescla humor e drama. Os atores lembram que, durante o espetáculo, as pessoas riem muito da inocência do personagem com Alzheimer e, em seguida, são levadas a refletir sobre perdão e reconciliação. De acordo com Maurício, o humor não vem de um esforço cômico, mas da própria realidade: “A gente não faz nada para ser engraçado ou emocionante. Nós apenas contamos a história. O público é quem encontra as emoções.”

Entre memória e esquecimento

As histórias de bastidores também revelam a força do tema. Ambos os atores passaram por episódios de amnésia global transitória, uma súbita perda temporária de memória. Para eles, a experiência pessoal reforçou ainda mais o vínculo com o espetáculo.

No palco ou fora dele, a peça desperta identificação imediata. “Tem gente que sai chorando e diz: ‘eu achei que só eu sentia isso em relação à minha mãe’. A peça mostra que não estamos sozinhos nessa experiência”, contou Maurício.

No fim, a reflexão que fica é sobre a permanência do afeto. “Se não há amor e respeito, não tem como ser feliz”, resumiu Ilvio.

Vá ao teatro

Maio, antes que você me esqueça

Teatro Estúdio

R. Conselheiro Nébias,891, São Paulo – São Paulo

Até 14 de Setembro

Sexta e Sábado às 20h30, Domingo às 18h00

Compre seu ingresso aqui

Assista ao Dez Por Cento Mais

Toda quarta-feira, ao meio-dia, tem um novo episódio no canal Dez Por Cento Mais, no YouTube. Você pode ouvir as entrevistas, também, no Spotify.

Tudo é muito coisa

Por Simone Domingues

@simonedominguespsicologa

Reprodução do filme

“Eu sou aquela mulher
a quem o tempo muito ensinou.
Ensinou a amar a vida
e não desistir da luta,
recomeçar na derrota,
renunciar a palavras
e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos
e ser otimista”

Cora Coralina

O filme francês O fabuloso destino de Amélie Poulain (2001) conta a história de uma jovem sonhadora que dedica a vida a consertar pequenas dores de outras pessoas: devolve um brinquedo esquecido, junta casais ou espalha bilhetes anônimos para fazer alguém sorrir. Ela faz tanto pelos outros que, por um bom tempo, esquece de si mesma, deixando sua vida cheia de histórias alheias, mas vazia do próprio cuidado.

Assim como Amélie, muita gente acredita que precisa ser útil, boa e generosa ao extremo para garantir que será aceita, valorizada ou pertencente.

Evidentemente, esse não é um padrão que alguém escolhe ter de maneira consciente.

Em geral, a ideia de que ser amado está associado a ser útil nasce de experiências antigas, de situações nas quais a criança, cedo demais, entendeu que precisava fazer além do que podia para receber amor, atenção ou segurança.

Às vezes é o filho mais velho que, ainda pequeno, assume o cuidado de irmãos menores enquanto os pais trabalham, e aprende, sem se dar conta, que precisa ser “responsável” para ser elogiado ou notado; ou a criança que nota que os pais estão sobrecarregados, doentes ou emocionalmente ausentes, e então tenta não dar trabalho, engole a própria dor, faz tudo para ajudar em casa, acreditando que isso evita brigas e mantém a família unida. Em outros casos, é a criança que recebe afeto apenas quando tira boas notas, faz tudo “certinho”, ajuda em tudo e percebe que não há espaço para ser apenas criança, com erros e limites.

Assim, muito cedo, a mensagem se instala: “Eu só sou amado quando faço algo por alguém”.

E o que era apenas uma forma de sobreviver emocionalmente vira, na vida adulta, um padrão invisível, difícil de perceber, mas que faz a pessoa se doar além da conta, enquanto carrega, lá no fundo, a sensação de nunca ser suficiente.

Ser generoso, amoroso ou disponível não é um defeito. É algo valioso! O risco está em oferecer tudo sem critério. E quem já me conhece sabe que sempre digo: tudo é muita coisa!

Porque quando se faz demais, corre-se o risco de atrair quem só fica enquanto se beneficia. O resultado?  O que era afeto disponível vira recurso de utilidade.

Talvez dentro de você exista uma Amélie: doce, cuidadosa, disposta a juntar pedaços do mundo dos outros. Que bom! Mas, hoje, faça o compromisso de cuidar também do seu próprio mundo, de cuidar de você.

Quero lhe propor um desafio: Pense em alguém importante na sua vida e se pergunte: “Essa pessoa me procuraria se ela não precisasse de nada?”


Se a resposta for não, talvez seja hora de rever esse laço, não com amargura, mas com a leveza de quem entende que vínculos verdadeiros não funcionam como caixas eletrônicos, onde alguém passa, retira o que quer e vai embora. Relações autênticas são presenças vivas em vias de mão dupla.

Penso que o tempo nos ensina… Nos ensina a amar, a não desistir, a recomeçar, a acreditar nos valores humanos e ser otimista!

Há sempre um jeito de seguir sendo generoso, sem se sacrificar, mas com respeito, equilíbrio e limites.

Afinal, afeto saudável não se mede pelo quanto você faz pelos outros, mas pelo quanto você consegue permanecer inteiro depois de se doar.

Simone Domingues é psicóloga especialista em neuropsicologia, tem pós-doutorado em neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das fundadoras do canal @dezporcentomais, no YouTube. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung. 

Dez Por Cento Mais: Dr. Fabrício Oliveira discute sexualidade e longevidade sem tabus

Image by Mabel Amber from Pixabay
Image by Mabel Amber from Pixabay

“Desejo não envelhece.” A afirmação do Dr. Fabrício Oliveira poderia ser apenas uma provocação retórica se não viesse sustentada por mais de uma década de trabalho clínico com pessoas idosas e pela escuta atenta a histórias muitas vezes silenciadas dentro de casa. No programa Dez Por Cento Mais, apresentado por Abigail Costa, no YouTube, o psicólogo e gerontologista defendeu com firmeza que envelhecer não significa perder vontade, nem identidade.

A entrevista trata de um tema ainda cercado por preconceitos: a sexualidade na maturidade. “As pessoas confundem sexualidade com ato sexual. Sexualidade é afeto, é toque, é desejo, é companheirismo. E isso não tem prazo de validade”, disse Fabrício, que, desde 2010, atua no universo do envelhecimento com foco no bem-estar emocional, psicológico e relacional dos idosos.

“Eu só atendo idosos”

A decisão de se especializar no público idoso nasceu de um encontro entre a sensibilidade clínica e a demanda reprimida. Tudo começou com um trabalho de conclusão de curso que virou referência acadêmica. Depois, veio uma reportagem de televisão que repercutiu de forma inesperada. “Os idosos começaram a me procurar porque se sentiram representados. Eles diziam: ‘doutor, eu tenho vontade de reencontrar o primeiro amor, mas os meus filhos acham isso uma bobagem’”.

Fabrício entendeu que não bastava escutar. Era preciso acolher, orientar e também educar as famílias. Por isso, passou a oferecer atendimento domiciliar. “O idoso vai muito ao médico. Psicólogo? Só se for alguém que vá até ele. No consultório ele não aparece”, explicou. A visita à casa do paciente, segundo ele, abre espaço não só para a escuta terapêutica, mas também para a reorganização do ambiente doméstico — desde a retirada de tapetes até conversas com os filhos que, sem perceber, reforçam o etarismo.

Miss Longevidade e o protagonismo invisível

Se os consultórios ainda são pouco acessados, as passarelas podem ser caminhos de transformação. Foi assim que surgiu o projeto Miss e Mister Longevidade, idealizado por Fabrício em João Pessoa e já realizado em várias cidades da Paraíba. “A mulher passa o ano pensando no vestido. A neta vai à escola e diz: ‘minha avó é Miss’. Isso muda tudo.”

Mais do que promover autoestima, o concurso combate um estigma estrutural: a exclusão social da velhice. “A maior violência contra o idoso no Brasil não é a financeira. É a psicológica”, alertou. E parte dela começa na infância, quando se ouve frases como “cuidado com o velho do saco” ou se vê bruxas velhas como vilãs em contos infantis. Para ele, mudar isso exige uma presença ativa: “O idoso precisa ser protagonista. Quando ele afirma sua identidade, a família pensa duas vezes antes de zombar da idade ou fazer comentários discriminatórios”.

A velhice como escolha de vida

Perguntado sobre o que espera da própria velhice, Fabrício respondeu sem rodeios: “Eu não quero ser um velho cheio de manias. Mania afasta. Eu quero ser o velho legal, que abre a casa para os amigos, que está de boa”. Ele aposta na leveza como estratégia de convivência e qualidade de vida. E reforça: “Envelhecer é natural. O que não é natural é se isolar, deixar de viver, parar de amar”.

Ao fim da conversa, deixa uma sugestão simples, mas poderosa: “Acorde, olhe no espelho e diga: hoje eu envelheci mais um dia. E que bom que estou vivo”. Para ele, aceitar o processo com naturalidade e presença é a chave para viver bem — e melhor — os anos que virão.

Assista ao Dez Por Cento Mais

A entrevista completa está no canal Dez Por Cento Mais, que você assiste no YouTube. Inscreva-se no canal e receba as atualizações sempre que um episódio inédito for ao ar. Você também pode ouvir o programa em podcast, no Spotify. 

Relacionamentos na era da Inteligência Artificial: o que ainda é humano?

Pamela Magalhães

Psicóloga e Especialista em Relacionamentos

Foto de Pavel Danilyuk

Vivemos uma revolução silenciosa, que até recentemente parecia invisível, mas que agora se revela em cada mensagem respondida, música composta, imagem gerada ou conversa simulada por inteligência artificial. Em meio a tanta eficiência tecnológica, um novo dilema emocional surge: como preservar nossa autenticidade em tempos em que até as emoções podem ser imitadas?

Diferenciar o que é real do que é simulado se torna cada vez mais desafiador — e necessário. Uma pesquisa realizada com mais de 3,5 mil pessoas pela World no Brasil – uma rede da empresa Tools for Humanity que busca ajudar a diferenciar humanos de robôs e inteligências artificias – reflete esse contexto. Mais de 66% dos pesquisados se sentem preocupados quanto à possibilidade de encontrar bots ou perfis falsos em apps de relacionamento e 72% dos entrevistados disseram que já suspeitaram ou descobriram que algum de seus matches poderia ser um robô ou uma IA.

A IA não sente, mas simula sentir. Isso tem confundido a nossa percepção:

– Se um texto nos emociona, mesmo sendo criado por uma máquina, o sentimento é real?

– Se um avatar fala tudo o que queremos ouvir, isso basta?

Essa mistura entre o que é gerado artificialmente e o que vem de um ser humano está provocando um novo tipo de crise: a crise da identificação.

Começamos a nos perguntar:

– Isso foi feito por uma pessoa ou por uma IA?

– Essa emoção é verdadeira ou programada?

E nos relacionamentos?

Essa confusão não afeta apenas a forma como consumimos conteúdo — impacta diretamente a maneira como nos relacionamos. No mundo dos filtros, dos chats automatizados e das respostas perfeitas, começa a faltar espaço para o erro, a dúvida, o silêncio, a pausa, o imprevisto — ou seja, para o humano.

Relacionar-se de forma autêntica exige vulnerabilidade, mobiliza nossas emoções e, justamente nesse impasse, no emaranhado das sensações, é que nos conectamos e nos vinculamos realmente. Ainda assim, cada vez mais, estamos trocando essa vulnerabilidade por versões otimizadas de nós mesmos — versões editadas, práticas, seguras, agradáveis.

Estamos tentando ser o que “funciona”, não quem realmente somos.

O curioso disso tudo é que as ferramentas da IA otimizam e muito diversas atividades, encurtam etapas, nos poupam tempo e viabilizam caminhos. Mas quando o assunto é relacionamento entre humanos, a dinâmica natural das trocas fomenta o processo e é justamente nele que construímos pontes sólidas de interação, que nutrem nossos corações com o que mais necessitamos: amor.

Reconhecer, o quanto antes, se estamos nos comunicando com uma máquina ou um ser humano torna-se indispensável para nossa segurança. É preciso garantir que não estamos confiando o que temos de mais precioso — nossos sentimentos — a um robô que não sente e nunca foi o que se diz ser.

É preciso cultivar a autenticidade:

1.Reivindique o seu sentir

Não terceirize sua experiência à máquina. Sentir confusão, dúvida ou até tédio é humano — e essencial para amadurecer emocionalmente.

2. Exerça presença

A IA é rápida. Os vínculos reais, não. Eles exigem tempo, escuta, paciência e imperfeição. Conexão não se mede pela quantidade de interações, mas pela profundidade delas.

3. Questione a idealização

O relacionamento perfeito não existe. Buscar respostas exatas para emoções complexas é algo que nem mesmo a melhor tecnologia pode oferecer.

4. Seja curioso sobre si mesmo

A autenticidade nasce do autoconhecimento. Quem é você sem os filtros? O que te move, te toca, te paralisa? Cultive o olhar interno.

No fim das contas…

Talvez a grande pergunta da era da IA não seja o que é real ou irreal, mas sim: O que ainda é verdade para mim, mesmo em meio ao artificial?

A autenticidade, nesse cenário, é um ato de coragem. É escolher sentir, errar, experimentar e construir conexões reais, ainda que imperfeitas. Nenhum algoritmo, por mais avançado que seja, será capaz de substituir o impacto de uma presença viva, de um olhar que compreende ou de uma escuta que acolhe.

E você? Já se perguntou se está se relacionando com alguém — ou apenas com uma projeção que parece segura, mas não sente nada?

Caminhos para um futuro mais confiável

Neste novo mundo, em que as fronteiras entre humano e máquina se confundem, tecnologias como a que a World oferece surgem como uma tentativa de restaurar a confiança digital. A proposta é ousada: uma credencial digital pioneira baseada em prova de humanidade, permitindo que redes sociais e plataformas verifiquem se você está interagindo com uma pessoa real, e não com uma IA.

Esse tipo de solução ainda levanta debates importantes, mas já indica que a sociedade busca formas de reconhecer e valorizar o humano — não apenas no toque, no olhar ou na escuta, mas também nos espaços digitais, onde, cada vez mais, vivemos, amamos e nos relacionamos.

Pensar, ponderar, falar e pesquisar mais sobre o assunto pode ser justamente a forma de não nos tornarmos reféns da IA, mas termos o melhor dela.

Pamela Magalhães é psicóloga (CRP:06/88376) e especialista em relacionamentos.

Eu também tenho dois pais

Diego Felix Miguel

foto: arquivo pessoal

Há cerca de três anos, meu marido e eu adotamos os irmãos Isis e Aquiles, dois cachorrinhos que foram abandonados quase recém-nascidos na porta de uma associação que resgata, cuida e direciona animais para adoção. Foi em uma feira organizada por essa instituição que os conhecemos, estabelecendo um vínculo afetivo importante, o qual nos levou a formar uma família.

Naquele momento, eu estava vivendo um período de luto pelas inúmeras perdas que enfrentei durante a pandemia de COVID-19. Foram pessoas próximas e distantes que, de algum modo, marcaram minha vida. A última e dolorosa perda foi a do Odin, meu cachorrinho adotado há 12 anos, que exigia cuidados especiais por um grave problema na coluna. Sua partida deixou um vazio imenso.

Alguns meses após a despedida de Odin, quando o luto já estava mais elaborado, decidimos dar um novo passo e nos permitir ser tocados por outro amor. Foi assim que Isis e Aquiles se tornaram parte da nossa família. Desde então, tenho refletido sobre essa troca de cuidados. Eles não têm as mesmas necessidades que Odin, mas diariamente compartilhamos uma relação de cuidado recíproco, agora vivida com mais maturidade e compreensão.

Uma provocação inesperada


Entre as mudanças que Isis e Aquiles trouxeram para nossas rotinas, está o hábito de frequentarmos lojas para pets aos fins de semana. Foi em um desses “passeios familiares” que tudo aconteceu.

Enquanto eu conversava com uma atendente sobre um produto, um garoto se aproximou da Isis e do Aquiles, causando um alvoroço de latidos, rabos balançando e coleiras entrelaçadas. Tentando segurá-los para evitar que pulassem, dividi minha atenção entre o caos alegre e o menino, que, já acarinhando os dois, perguntou os nomes deles.

Depois de ouvir que eram Isis e Aquiles, ele quis saber se eram irmãos. Quando confirmamos, ele olhou para mim e para meu marido e perguntou:
— Vocês são casados?

A pergunta, direta e inesperada, me pegou de surpresa. Vivendo em um país onde a homofobia ainda é tão presente, levei alguns segundos para responder. Finalmente, confirmei. No mesmo instante, o menino abriu um grande sorriso e disse:
— Eu também tenho dois pais!

Logo em seguida, ele correu para chamar seus pais para nos conhecerem. O que mais me impressionou naquele momento, além do sorriso e da alegria com que quis nos apresentar sua família, foi a comparação que ele fez: viu Isis e Aquiles como nossos filhos, da mesma forma que ele se via como filho dos seus pais.

Pais de pets? Como assim?


A pergunta ficou ecoando em minha mente, trazendo várias reflexões.

Nos últimos anos, muitos casais têm optado por não ter filhos humanos e adotam pets, construindo com eles relações de cuidado e afeto. Lembrei do teólogo Leonardo Boff, que define o cuidado como “uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilização e envolvimento afetivo com o outro”. Para ele, o cuidado é uma troca íntima que atravessa a existência humana, pautada pelo amor, pela solidariedade e pela proteção.

Refletindo sobre minha relação com Isis e Aquiles, percebo como essa convivência é saudável e transformadora. Nossas rotinas foram adaptadas, e os momentos que compartilhamos são, muitas vezes, o respiro necessário para enfrentar as demandas cotidianas nem sempre agradáveis.

Além disso, essa troca me faz refletir sobre o envelhecimento. Observar a vitalidade deles enquanto percebo as mudanças no meu corpo e na minha maturidade é um aprendizado constante. Não se trata apenas de cuidar, mas de ser cuidado também — um processo que enriquece nossa percepção de tempo, de fragilidade e de reciprocidade.

Essa experiência, seja ela materna, paterna ou fraterna, nos conecta à essência do cuidado. E o cuidado, acredito, é fundamental para um envelhecimento mais pleno e significativo, permeado por vínculos afetivos que constituímos, sejam eles com seres humanos ou animais.

Diego Felix Miguel é especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e presidente do Depto. de Gerontologia da SBGG-SP, mestre em Filosofia e doutorando em Saúde Pública pela USP. Escreve este artigo a convite do Blog do Mílton Jung.

Dezembrite: o peso emocional das festas de fim de ano

Por Juliana Leonel

@profa.julianaleonel

Dezembro é, para muitas pessoas, o mês mais aguardado do ano: celebrações, reencontros e descanso marcam a época. No entanto, para quem enfrenta transtornos mentais, este período pode ser marcado pela intensificação das dificuldades emocionais e aumento do estresse. 

O fim do ano evidencia seus problemas de relacionamento, desamparo familiar e negligência, especialmente em momentos de confraternização. O impacto emocional provocado pela pressão social e pela expectativa de comemoração agrava o quadro psicológico, resultando em desequilíbrios emocionais significativos.

De acordo com um estudo da National Alliance on Mental Illness (NAMI), entre 24% e 40% das pessoas com transtornos mentais relatam uma piora nos sintomas durante o fim do ano.


São comuns, entre aqueles que vivenciam dificuldades emocionais nesta época, frases como:


“A vida está sem cor, como comemorar?”
“Fui abandonado pela minha família…”
“As pessoas se afastaram quando souberam do meu transtorno…”
“Eles não me querem por perto, dizem que eu estrago as festas…”
“Ainda tenho tantas demandas a cumprir…”

Nesse contexto, os ambulatórios de saúde mental intensificam seus esforços preventivos, considerando o alto índice de piora nos quadros psicológicos e o aumento dos casos de suicídio nesse período. Sentimentos de medo, culpa, ressentimento, ansiedade e depressão podem se tornar mais intensos, transformando dezembro em uma fase de sofrimento emocional.

Outro fator agravante é o balanço anual de realizações e planos para o futuro. Frustrações por metas não atingidas, comparações entre progresso e estagnação, e a pressão por novos objetivos e cobranças são grandes gatilhos de ansiedade. A cobrança por mudanças imediatas, especialmente após um ano repleto de desafios, gera insegurança e medo.

Algumas práticas são indispensáveis para proteger o bem-estar psicológico:

  1. Evite o abuso de bebidas alcoólicas e substâncias – Elas podem agravar o quadro emocional e aumentar a sensação de vulnerabilidade.
  2. Controle o excesso de consumo (alimentar, financeiro, etc.) – A pressão para “consumir mais” pode gerar frustração e estresse.
  3. Fique atento ao isolamento social e aos sinais de tristeza, solidão ou desesperança – O afastamento das pessoas pode aumentar a sensação de desconexão.
  4. Estabeleça metas realistas e valorize pequenas conquistas – Evite criar expectativas irreais e pressionar-se de forma exagerada.
  5. Converse se estiver triste ou ansioso – Falar sobre seus sentimentos ajuda a aliviar a tensão emocional.
  6. Pratique a empatia consigo e com os outros – Lembre-se de que todos têm suas batalhas; a compreensão mútua é um importante alicerce emocional.
  7. Acolha quem está em sofrimento ou luto – Se souber de alguém enfrentando uma doença ou perda, ofereça apoio e presença.

Dezembrite pode, sim, ser uma fase desafiadora. No entanto, com atenção, apoio adequado e práticas conscientes, é possível atravessar este período com mais leveza e menos desgaste emocional. Reconhecer as próprias necessidades e as dos outros torna-se essencial para que todos encontrem um espaço de acolhimento e  compreensão.

Juliana Leonel, psicóloga pela Universidade Paulista, mestre em Psiquiatria e Psicologia Médica pela Universidade Federal de São Paulo e professora universitária em tempo integral. Escreve a convite do Blog do Mílton Jung

Mundo Corporativo: Tatiane Tieme, do GPTW, fala de liderança humanizada

Tatiane Tieme conversou on-line com o Mundo Corporativo

“O líder que quebra o estereótipo do super-herói e humaniza as relações do dia a dia alcança resultados superiores.”

Tatiane Tieme, GPTW

Diante das transformações no ambiente de trabalho, a figura do líder evolui para lidar com equipes cada vez mais diversas e demandas organizacionais mais complexas. Seja na convivência entre gerações ou na adaptação a modelos híbridos e remotos, os líderes enfrentam desafios que exigem habilidades técnicas e uma capacidade singular de criar conexões humanas. Foi o que destacou Tatiane Tieme, CEO do Great Place To Work Brasil, durante sua entrevista ao programa Mundo Corporativo.

A executiva trouxe à tona questões fundamentais sobre como a confiança, a coerência e a consistência podem impactar diretamente o sucesso das organizações, tornando ambientes mais produtivos e saudáveis para todos os envolvidos.

A confiança como pilar da liderança

“A felicidade resultante desse modelo de confiança impacta diretamente o sucesso do negócio”, afirmou Tatiane. Segundo ela, o papel do líder hoje não se limita à gestão de tarefas. É preciso estabelecer uma relação de confiança com as equipes, criando um espaço onde a vulnerabilidade seja permitida e a colaboração, incentivada.

A diversidade também aparece como um dos grandes desafios. Equipes que incluem diferentes gerações e perspectivas têm o potencial de ser mais criativas e produtivas. Entretanto, sem políticas inclusivas e uma liderança humanizada, essa diversidade pode se transformar em conflito.

“As empresas precisam ir além de contratar grupos diversos; elas devem incluir essas pessoas no dia a dia, escutando suas necessidades e promovendo uma cultura de respeito e reconhecimento”, explicou Tatiane.

Tecnologia e humanização: o equilíbrio necessário

Com a crescente adoção de tecnologias e da inteligência artificial no ambiente corporativo, muitos profissionais se preocupam com o impacto dessas ferramentas em suas funções. Para Tatiane, o papel do líder neste contexto é essencial:

“Essa disrupção digital só aumenta a importância de construirmos relações de proximidade e confiança. É necessário garantir que as pessoas tenham espaço para expressar seus receios e buscar caminhos de desenvolvimento, adaptando-se às novas possibilidades que a tecnologia traz.”

Ela ainda destacou que o modelo de comando e controle — característico de uma era passada — não tem mais lugar nas organizações que querem prosperar. “A gestão deve ser baseada em engajamento e cooperação, não em controle. Isso gera não apenas mais produtividade, mas também uma equipe que inova e cria com mais liberdade.”

Ouça o Mundo Corporativo

O Mundo Corporativo pode ser assistido, ao vivo, às quartas-feiras, 11 horas da manhã pelo canal da CBN no YouTube. O programa vai ao ar aos sábados, no Jornal da CBN, e aos domingos, às 10 da noite, em horário alternativo. Você pode ouvir, também, em podcast.

Colaboram com o Mundo Corporativo: Carlos Grecco, Rafael Furugen, Débora Gonçalves e Letícia Valente.

A quem pertence a nossa saudade?

Diego Felix Miguel

Foto de Magi Dobreva

Cara leitora, caro leitor, qual é a sua primeira lembrança ao falarmos sobre saudade?

Nos últimos dias, tenho refletido sobre o lugar que a saudade ocupa na minha vida. Ela parece estar enraizada na minha infância, aparecer em raros momentos da adolescência e se manifestar com frequência nas relações mais intensas que estabeleci na vida adulta. A saudade é um sentimento fascinante; nela repousam nossas memórias mais significativas, acompanhadas de aromas, sabores e amores.

Recordo aqueles momentos de risadas e da sensação de completude quando estamos com quem amamos e sentimos a reciprocidade, ou mesmo na ausência dela, quando saboreamos nossa imensurável capacidade de resiliência. Parece-me que a saudade sempre vem acompanhada por alguém: sejam pessoas queridas, animais que foram nossos fiéis companheiros ou, talvez, pela maior e mais importante presença: a nossa. É a partir dessa entrega afetiva que nos permitimos nos envolver e sermos transformados pelo contato com os outros, com os animais e com o mundo.

Sei que este texto pode soar filosófico, mas, enquanto escrevo, diversas lembranças vêm à mente, especialmente das oportunidades que tive ao longo da vida de conviver com pessoas idosas, tanto em casa quanto nos ambientes profissionais em que atuo.

Neste período em que celebramos a saudade — e, por que não, os bons afetos? — não posso deixar de reverenciar dezenas, ou talvez centenas, de pessoas mais velhas que me inspiraram e contribuíram para a construção da minha identidade. Essas contribuições vieram tanto por meio de boas experiências quanto por escolhas menos felizes, todas compartilhadas em uma intensa troca afetiva. Dessa forma, as memórias se tornam imortais por meio do legado que deixaram, mesmo sem terem plena consciência dessa responsabilidade. Elas passaram a fazer parte da essência das minhas ações e valores, multiplicando-se pelo mundo.

Ouso dizer que isso é o que chamamos de “geratividade” em sua essência: passamos o bastão de nossos saberes e vivências para as gerações mais novas, mantendo acesos os sentimentos e as saudades que carregamos.

E, pensando nisso, pergunto-me: quais saudades estou plantando nesta minha trajetória?

Diego Felix Miguel é especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e presidente do Departamento de Gerontologia da SBGG-SP. Mestre em Filosofia e doutorando em Saúde Pública pela USP, escreve este artigo a convite do Blog do Mílton Jung.

Mundo Corporativo: faça da vulnerabilidade a sua força, recomenda Roberta Rosenburg, da F.Lead

Roberta Rosenburg é entrevistada no Mundo Corporativo, foto: Priscila Gubiotti

“As pessoas estão mais carentes de serem escutadas, de serem entendidas, de serem validadas. Então, aquela empresa que conseguir tocar o colaborador como ser humano, essas empresas vão voar.”

Roberta Rosenburg

A habilidade de se conectar genuinamente com os colaboradores é cada vez mais crucial para o sucesso das organizações. Esse foi o principal tema abordado por Roberta Rosenburg, CEO e Co-Fundadora da F.Lead, durante sua entrevista ao programa Mundo Corporativo. A consultora destacou a importância de reconhecer e trabalhar a vulnerabilidade nas organizações como uma estratégia para desenvolver líderes mais eficazes e humanos.

Desenvolvendo a vulnerabilidade como força

Roberta Rosenburg iniciou a conversa falando sobre a necessidade de criar um ambiente onde a vulnerabilidade seja vista como uma força, não uma fraqueza. “Como é que eu crio essa vulnerabilidade? Você vai se mostrar ser humano. Eu sempre falo: escolhe as histórias que você quer contar, pensa antes de falar, se cuida, porque a gente precisa se cuidar. Então, é uma vulnerabilidade sendo cuidada. Eu me cuido. Mas eu posso ser vulnerável também”, explicou.

Ela ressaltou que as empresas que conseguem tocar seus colaboradores como seres humanos, escutando e validando suas necessidades, serão aquelas que prosperarão no futuro. Segundo Roberta, o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal tornou-se uma demanda ainda mais evidente após a pandemia. “As pessoas estão mais carentes de serem escutadas, de serem entendidas, de serem validadas e elas mesmas se questionam isso. Então, aquela empresa, daqui para o futuro, que conseguir tocar aquele colaborador como ser humano, essas empresas vão voar.”

O papel da comunicação na liderança

A comunicação eficaz foi destacada como uma competência crucial para os líderes modernos. Roberta argumentou que a vulnerabilidade também passa por reconhecer os próprios limites e se comunicar abertamente sobre eles. “O líder precisa fomentar esse ambiente, como? Conversando. Muitas vezes a gente não fala as coisas óbvias”, disse ela.

Ela acrescentou que a habilidade de um líder em tratar com situações difíceis, como a mudança de um projeto estratégico, depende de sua capacidade de se conectar com sua equipe de forma transparente e empática. “O líder precisa realmente estar vulnerável ali, reconhecer que talvez aquele projeto não seja o melhor para a empresa e comunicar isso de forma que a equipe se sinta valorizada pelo esforço feito.”

Ouça o Mundo Corporativo

O Mundo Corporativo pode ser assistido, ao vivo, às quartas-feiras, 11 horas da manhã pelo canal da CBN no YouTube. O programa vai ao ar aos sábados, no Jornal da CBN e aos domingos, às 10 da noite, em horário alternativo. Você pode ouvir, também, em podcast. Colaboram com o Mundo Corporativo: Carlos Grecco, Rafael Furugen, Débora Gonçalves e Letícia Valente.

Mundo Corporativo: Marcela Argollo prega a liderança regenerativa para transformar as organizações 

Marcela Argollo em entrevista ao Mundo Corporativo

“O modelo de negócio do futuro não é sobre lucro, é sobre propósito. Então, a partir do momento que você tem um propósito muito claro o lucro vem por consequência”.

Marcela Argollo, mentora

A figura do líder regenerativo emerge como uma força catalisadora para mudanças profundas e sustentáveis dentro das organizações. Este conceito, explorado por Marcela Argollo, professora e mentora de cultura generativa, destaca-se como um elemento crucial para o desenvolvimento de negócios que não apenas prosperam, mas também contribuem positivamente para a sociedade e o meio ambiente. 

Em entrevista ao programa Mundo Corporativo, Marcela discutiu a importância de recriar a cultura empresarial com base em valores éticos e morais, apontando para o seu método “Alinhar-se” como um caminho inovador para alcançar a liderança regenerativa.

“Para que a gente possa criar e gerar um novo modelo de negócio, precisamos primeiro regenerar, renascer a nossa cultura e o nosso ser com mais ética, moral e conformidade”. 

Marcela enfatiza a necessidade de uma tomada de decisão empresarial holística e sistêmica, voltada para o bem-estar do todo, desafiando a tradicional abordagem de comando e controle em favor de uma governança que valoriza a congruência com princípios organizacionais e a expansão da consciência.

Autora do livro “A arte do equilíbrio – alinhar-se é o melhor caminho para a Liderança Regenerativa”, Marcela ressalta a transformação do conceito de compliance de um enfoque regulatório para um foco nas pessoas, propondo a educação corporativa como a chave para desenvolver indivíduos éticos e conscientes. 

“Compliance não é regulatório; compliance é sobre pessoas”

O autoconhecimento na busca do equilíbrio interno

Introduzindo o método “Alinhar-se”, Marcela oferece uma estrutura composta por 26 pilares, começando com o autoconhecimento. A professora defende que o equilíbrio interno, alcançado pela harmonia das energias feminina e masculina, reflete-se externamente, permitindo que as organizações atinjam um estado de equilíbrio que favorece a prosperidade e a abundância.  Ela também aborda a importância de enfrentar os “demônios internos”, como o medo de errar, enfatizando a necessidade de experimentação e aceitação do fracasso como parte do processo de inovação.

“Se a gente expande a consciência e a gente eleva, a gente começa a olhar com muito mais profundidade e  clareza o problema, o desafio como um todo, e a gente enxerga as oportunidades dentro de um cenário mais amplo. A partir do momento que a gente tá dentro do caos a gente não consegue enxergar nada”. 

A entrevista destaca o papel essencial da geração mais nova no mercado de trabalho, trazendo uma nova visão e exigindo mudanças nas práticas empresariais para alinhar-se com valores de propósito e sustentabilidade. Argollo conclui com um conselho para aqueles que entram no mercado de trabalho ou empreendem, enfatizando a importância das relações humanas e a adoção gradual de práticas de governança social e ambiental (ESG) para o desenvolvimento sustentável dos negócios.

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O Mundo Corporativo pode ser assistido, ao vivo, às quintas-feiras, 11 horas da manhã pelo canal da CBN no YouTube. O programa vai ao ar aos sábados, no Jornal da CBN e também fica disponível em podcast. Colaboram com o Mundo Corporativo: Carlos Grecco, Rafael Furugen, Débora Gonçalves e Letícia Valente.