Rigras, da lama à premiação (II)

 

Por Adamo Bazani

Corte de custos muitas vezes gera queda na qualidade do serviço prestado. No sistema de ônibus, reduzir gastos acaba punindo o passageiro. A ideia não é compartilhada pelo empresário Nivaldo Aparecido Gomes, da Rigras. Leia a segunda parte da reportagem com o dono desta que foi considerada a melhor empresa intermunicipal do Estado, de acordo com a EMTU.

Frota da Rigras

Corte de custos muitas vezes gera queda na qualidade do serviço prestado. No sistema de ônibus, reduzir gastos acaba punindo o passageiro. A ideia não é compartilhada pelo empresário Nivaldo Aparecido Gomes, da Rigras, considerada a melhor empresa intermunicipal do Estado, de acordo com a EMTU

“Uma empresa com boa saúde financeira é a que oferece bons serviços e racionalizar, não significa penalizar os passageiros, ter ônibus velhos ou tirar veículos da escala. Mas é saber usar melhor os recursos disponíveis e oferecê-los da melhor maneira possível. Não tem segredo, é trabalho e estudo, não só estudo acadêmico, mas estudo da situação da empresa”.

Foi assim, que Nivaldo diz ter adequado as linhas e os tipos de ônibus de acordo com as necessidades, sempre ouvindo o usuário, afinal, ele é que proporciona o lucro para a empresa. E ter um parâmetro para isso, foi uma das saídas usadas pelo empresário, que assumiu uma viação deficiente.

Nivaldo destaca as pesquisas de qualidade como a realizada pela EMTU- Empresa Metropolitana de Transportes. Esses rankings, que levam em consideração fatores essencialmente técnico, também se desenvolveram:

“Anteriormente, a EMTU tinha até um acompanhamento, mas não era divulgado nem para as próprias empresas. Precisaríamos saber no que estávamos errando e no que estávamos acertando. Protocolava pedidos na EMTU, para saber como estava minha frota. Os anos de notas ruins eram anos de pensamento e trabalho, os de notas boas, de reflexão sobre o que foi bem sucedido para se dar continuidade ou melhorar”

Quando em 2004 a EMTU criou o IQT (Índice de Qualidade de Transportes), Nivaldo acredita que para o empresário e para o passageiro, os parâmetros de qualidade se tornaram mais claros. O IQT leva em consideração quatro fatores:

Operacional (atrasos, cumprimento de horários, quebras no percurso, etc);

Frota (idade média, manutenção, emissão de poluentes);

Sócio-econômico (saúde financeira da empresa, viabilidade econômica e importância social das linhas);

Satisfação (a opinião dos usuários por pesquisas e número de reclamações).

“Nesta ano fomos a primeira empresa no ranking de 40 e no ano passado a segunda. E pretendo continuar com esses índices que para mim são mais que uma plaquinha na parede do meu escritório ou mais que um número. Eu considero importante as vistorias da EMTU, apesar da reclamação de alguns colegas. Os técnicos são extremamente rigorosos nas avaliações. E rigorosos no bom sentido mesmo. Para se ter uma ideia, eles verificam pelo menos 350 itens em cada ônibus, do maior ao menor. Um dos técnicos, com um solado de borracha especial, fica ‘patinando’, no assoalho do ônibus para ver se não há um rebite solto. E olha que o piso de um ônibus leva mais de 700 rebites. Se um tiver solto, é ponto negativo.”

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Rigras, da lama à premiação (I)

Por Adamo Bazani

Dono de empresa de ônibus, considerada a melhor do Estado em linhas intermunicipais, de acordo com a EMTU, conta que os ônibus atolavam na garagem e que foi vítima de descrédito.

“Enxergar o transporte sob o olhar do passageiro, pensar primeiro na qualidade, em vez de quantidade, e ter uma dose de paixão e razão. São os ingredientes necessários para conseguir o sucesso no ramo de transportes”.

A frase pode parecer jargão de quem é dono de empresa de transporte de passageiro, mas no caso de Nivaldo Aparecido Gomes, 51 anos, reflete a realidade da história da empresa que dirige, a RIGRAS – Rio Grande da Serra Transporte Coletivo e Turismo. A empresa ganhou neste ano, o Primeiro lugar no ranking da EMTU que leva em consideração a qualidade dos serviços de transportes intermunicipais urbanos das regiões metropolitanas de São Paulo.

Assim como Nivaldo, a empresa, fundada em 1980, está rejuvenescida. A garagem limpa e os ônibus novos com boa manutenção são resultado de trabalho árduo, segundo o empresário, que começou no ramo aos 29 anos praticamente por acaso. Na época, em 1986, o primo dele, Roque Garcia, já tinha uma empresa de ônibus: a fretamento Suzantur, em Suzano. Foi quando decidiu comprar a RIGRAS, propondo parceria com Nivaldo.

Ele trabalhava desde os 15 na CTBC (Companhia Telefônica da Borda do Campo) e cursava engenharia. “Até então, nunca imaginei que ia trabalhar e me apaixonar por ônibus, mas aceitei a proposto e comecei a tomar conta da empresa, na sociedade com meu primo”

Nivaldo se considera um corajoso e vencedor. Se hoje a sede da empresa, em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo, é considerada uma das mais organizadas do Estado, o início era bem diferente. “Quando assumi a Rigras tomei conhecimento do desafio que tinha pela frente”

Desafio a começar pela própria garagem, que na época, ficava no município de Rio Grande da Serra. Se nas histórias anteriores você acompanhou que os ônibus atolavam na lama, durante o trajeto, na Rigras, o problema já começava “no próprio quintal de casa”.

“Quando chovia forte, os ônibus nem conseguiam sair da garagem, porque o pátio virava um lamaçal só. Os ônibus eram invadidos pelo barro e não conseguiam sequer sair do lugar. Tínhamos de andar de botas dentro pátio. Foi aí, que percebi, com a ajuda do curso que tive de engenharia, que deveria ver a empresa como um todo, participar de todos os processos e incentivar os funcionários a trabalharem naquelas que não eram as melhores das condições. Até hoje, atuo em todos os setores da empresa”.

Nivaldo ainda lembra que quando o ônibus saía da garagem, atolava na rua, metros depois, antes mesmo de chegar ao ponto inicial. Não havia dinheiro para pavimentar a garagem. Na verdade, havia pouco dinheiro para tudo.

Quando foi comprada por Roque Garcia, com Nivaldo entrando no desafio, a saúde financeira da empresa era horrível. Dívidas trabalhistas, com fornecedores, com poder público e apenas nove ônibus na frota, dos quais dois eram quase sucata. Os que circulavam também eram velhos, mal conservados. Eram veículos Caio Gabriela e Caio Bela Vista, Mercedes Benz 1113, com mais de 15 anos de uso intenso.

Três meses depois, ainda em 1986, Roque e Nivaldo compram outra empresa da região, a Viação Valinhos, com 15 ônibus. As situações financeira e da frota eram praticamente as mesmas. Enquanto o primo tocava a Suzantur, Nivaldo se dedicava à Rigras. Saía de madrugada da garagem , fazia socorros mecânicos e cuidava da contabilidade”.

Um dos maiores desafios foi enfrentar o descrédito da população, a Rigras tinha até então uma péssima imagem, dos fornecedores, dos cobradores de dívida, de alguns funcionários e do poder público. “Eu tinha de convencer todos que queria trabalhar com seriedade, que não tinha o propósito de fazer milagres, mas que eu queria melhorar os transportes na região de Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e Suzano.”

Nivaldo lembra que, ainda em 1986, teve uma reunião com vereadores de Rio Grande da Serra. “Eles colocaram um gravador na mesa e tive de registrar todas minhas promessas de que faria uma boa administração. No início, pensavam que eu era mais um aventureiro no setor de transportes”. A associações de bairro também cobravam desempenho da empresa

“O jeito então, era trabalhar, mais que o dobro”.

A situação financeira da empresa ia melhorando aos poucos, com administração racional, mas ainda era difícil. E Nivaldo se cobrava constantemente para haver uma mudança.

“Lembro-me de um dia que um fornecedor veio fazer uma cobrança para mim. Dias antes, tinha luxado o dedo e colocado uma tala para imobilizá-lo, mas eu já tinha melhorado. Quando ele veio me cobrar, tinha vergonha de dizer que não tinha dinheiro, então, coloquei a tala de novo no dedo e disse para ele passar depois de uma semana, porque não podia assinar os cheques e as notas. Não foi desonestidade, foi vergonha mesmo. Hoje eu e esse fornecedor rimos muito desta passagem”.
Depois de cerca de três anos, o primo de Nivaldo, decide sair da sociedade. O sogro do empresário, o construtor Jaime João Franchini, entra de novo sócio e a empresa ganha fôlego, apesar das dificuldades.

A garagem da empresa sai do “lamaçal” de Rio Grande da Serra e vai para Ribeirão Pires. A “nova” garagem era de terra e tinha muita lama com a chuva, mesmo assim era melhor que a anterior.

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Uma nova família no transporte de passageiros (2a Parte)

Por Adamo Bazani

Leia a primeira parte deste texto clicando aqui

Depois de largar as empresas de ônibus nas quais trabalhou, José Pereira se dedicou exclusivamente ao transporte de cargas e jamais imaginara retornar aos ônibus  mudando a tradição da família, identificada com os caminhoneiros.

Mas o que é o destino (para os que acreditam nele) ? Mas o que são as oportunidades (para os mais céticos) ?

José Pereira começou a atuar mais na região da Grande São Paulo, depois de rodar Brasil a dentro, com a ampliação da atividade fabril nos anos 80. Época em que os trabalhadores faziam muitas greves, corriam o risco de ser demitido, mas sabiam que, bastava não estar listado pelo Regime Militar, tinham emprego no dia seguinte em outra indústria.

Foi para  uma dessas indústrias que José Pereira prestou serviço de transportes. Na realidade, trabalhou para a empreiteira contratada pela Solvay, fábrica do setor químico, com sede em Rio Grande da Serra, que ampliava seu parque industrial construindo uma espécie de cidade particular com moradias, praças, galpões, hospital e linhas de ônibus.

O dono da empreiteira perguntou a José Pereira se ele não teria ônibus para transportar os operários, sem que a empresa dependesse do horário restrito das empresas que faziam o transporte urbano. Muitos trabalhadores começavam o turno cedo demais, antes mesmo de os “ônibus correrem a linha”, outros iam até de madrugada, quando o sistema não funcionava mais.  Assim que ouviu quanto o empreiteiro pretendia pagar, ele não teve a menor dúvida em encarar o negócio.

Em 1983, iniciava, com um velho monobloco O 362, o transporte de operários. O ônibus fabricado em 1971 era bem rodado, mas dava conta do recado.

A era de transportadores de carga dava lugar aos poucos para a dos transportes de passageiros. “Quando se planeja obras, industrias, residências, se pensa em tudo, menos no operário. Ninguém tinha se dado conta que o pessoal precisava voltar pra casa, mesmo que fosse perto do local da construção”.

Em 1985, José já tinha 13 ônibus, para os operários das obras da indústria Solvay, e outras obras, também. Começava a operar a empresa Zezinho Turismo, apelido de José até hoje. Anos mais tarde, foi rebatizada Zetur Fretamento.
Naquela época, a Refinaria de Cubatão, no litoral, também se expandia e os ônibus de José operaram nas obras da refinaria.

José posa ao lado de um modelo Caio

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‘As estradas nasceram sob meus pés e minhas rodas’

Por Adamo Bazani

José e esposa na Talismã

O jeito firme, forjado pela vida, típico de quem teve de trabalhar desde a juventude, se mistura ao romantismo e saudade do passado na figura do empresário José Pereira, de 65 anos. Tem orgulho em dizer que sua família, há várias gerações, dedicou-se ao setor de transportes. No começo, de carga, para mais adiante transportar passageiros.

A versão “transportista de passageiros” da família começou com José Pereira, praticamente por acaso.

Filho e neto de caminhoneiro, de Tupã, interior paulista, a infância de José Pereira foi marcada pelo ronco possante de caminhões e o cheiro do diesel e gasolina. Sim, há 40 anos, alguns caminhões e ônibus eram movidos a gasolina, algo, impensável hoje em dia devido ao enorme consumo de combustível desses motores.

O pai de José, Américo Pereira, trabalhava na estrada de ferro Santos – Jundiaí, até então operada pela São Paulo Railway, empresa de capital inglês, até virar estatal, nos anos 40. Transportava madeira de qualidade para a confecção dos dormentes (apoios de madeira) dos trilhos da ferrovia que foi responsável pelo desenvolvimento da indústria do café, a qual por muitos anos foi a principal ligação de passageiros entre   o litoral e a capital paulista.

O velho e experiente caminhoneiro, a cada dia se apaixonava pela região de Paranapiacaba, considerada patrimônio histórico da humanidade, e a pequena cidade de Rio Grande da Serra. Em 1954, a família se mudou para lá, onde José Pereira tem com os filhos três empresas de ônibus. Mudança apenas de endereço, pois o ramo era o mesmo: o transporte.

“Nosso início, em São Paulo, foi muito difícil. Meu pai e meu irmão mais velho, Oswaldo, com o caminhão, foram um dos construtores de vários bairros em Praia Grande. Na época, entre anos 50 e 60, o litoral começou a se desenvolver muito, então foi uma oportunidade de negócios. Eles carregavam areia de cima pra baixo, a semana toda. Só voltavam para casa sextas à noite. Segundo de madrugadinha, já iam pro litoral”.

Na época, José Pereira tinha 12 anos. Mesmo com todo o trabalho, o dinheiro não era suficiente. Boa parte de Rio Grande da Serra é de Mata Atlântica, com áreas preservadas, atualmente. Mas na época, todos podiam caminhar pela mata sem medo de se perder ou cair em alguma cilada de assaltantes que roubam turistas em trilha. Então, o garoto José Pereira, retirava flores nativas, arrumava em xaxins e vendia na beira das estradas.

A paixão pelo volante, porém, já falava mais alto.

Mais velho, José conseguiu emprego na, hoje, extinta São José Turismo, em Santo André. “Eu já era acostumado ao volante de veículos de grande porte. Fiz o teste facilmente, mas transportar gente, em vez de carga, me fez sentir especial. Afinal, eram vidas, semelhantes, almas. E todo ônibus, pode ter certeza, tem um coração, pronto para abrigar pessoas que nem sempre gostam dele, mas que precisam dele”.

No fim dos anos 60, José já tinha dirigido os ônibus de alumínio da Viação Pérola da Serra, que não existe mais, da Viação Ribeirão Pires, chamada pelos passageiros de VIRIPISA, devido as iniciais, e Alvorada, também extinta.

Apesar da paixão pelo transporte de passageiros, o pai tinha deixado um legado no setor de cargas. José então troca os ônibus pelos caminhões, que eram dele e prestavam serviços em todo o País.

Como bom caminhoneiro,  José Pereira é casado com a esposa e tem a boleia como amante. Não se cansa em contar que cortou as principais estradas do País e se orgulha em ver caminhos estreitos nem sempre pavimentados se transformarem em rodovias essenciais para a ligação entre os Estados e cidades, escoando a produção e transportando passageiros.

Entre os anos 60 e 70, José Pereira diz ter sido um dos primeiros motoristas a circular pelo novo pavimento da rodovia Marechal Rondon, até a divisa com Mato Grosso do Sul.

Na década de 70, vários trechos de estradinhas de municípios do interior de São Paulo e de Minas Gerais, foram “tomados” pela Fernão Dias, conta José. “O pessoal reclama da Rodovia Fernão Dias hoje, tinha que ver na minha época, os buracos eram até nossos velhos conhecidos, havia ainda trechos ao pavimentados e muitas, mas muitas curvas fechadas. O caminhão era de queixo duro (jargão do meio do transporte para designar veículo com direção dura, sem ser hidráulica). No fim do dia doía os braços”.

Foi também um dos primeiros caminhoneiros a percorrer a rodovia dos Imigrantes. A estrada, que liga a capital paulista ao litoral, opção para a Anchieta, foi inaugurada em 1976, mas a pedra fundamental para as obras foi lançada em 23 de janeiro de 1974.

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