
Muita gente diz que São Paulo é uma cidade fria, onde relacionamentos duradouros são raros. Meu filho reclama que amigos de infância, escola ou trabalho estão longe – em outras cidades, países ou até em bairros distantes. Ele mantém contato com alguns pela internet, mas sabe que não é o mesmo que estar junto. E repete uma queixa comum: os amigos que temos são mais “meus” que “dele”. Isso é algo que ouço frequentemente, até em revistas e jornais. Parece ser uma reclamação geral: conversamos mais pelo celular do que pessoalmente.
Será São Paulo mesmo uma cidade fria?
Em certos aspectos, talvez, mas há cenas tão humanas que podem passar despercebidas por quem vive com pressa ou simplesmente alheio ao que acontece ao redor.
Minha amiga Lígia sempre volta para casa com histórias para me contar, já que pouco saio. Em uma ocasião, alguém parou para lhe dar uma informação; em outra, uma senhora ofereceu carona depois de descobrir que moravam perto. Há ainda o caso do motoboy que devolveu a bolsa de uma amiga que ela havia perdido no estacionamento. A vida segue, cheia desses momentos.
Esta semana, Lígia me contou duas histórias que achei especialmente bonitas.
Em um dia, ela subiu em um ônibus lotado. Os assentos para deficientes e idosos estavam ocupados, então ela se segurou pacientemente. Mas uma jovem se levantou e lhe ofereceu o lugar. Lígia agradeceu e disse:
– Por favor, não se levante. Você deve estar cansada depois do trabalho. Eu passei o dia inteiro descansando.
A moça insistiu, e Lígia, observadora como é, notou que ela conversava com um rapaz sobre “nossa mãe”. Aproveitando a liberdade de seus 83 anos e cabelos brancos, perguntou:
– Vocês são casados?
– Não, somos irmãos – responderam, rindo. Só então ela percebeu a semelhança nos traços e a cumplicidade entre eles.
– Vocês se amam? – perguntou ela.
– Muito! – responderam. E a moça ainda acrescentou:
– Eu sempre digo a ele que quero partir antes, porque não suportaria ficar sozinha.
Lígia sentiu um aperto e comentou:
– Eu dizia o mesmo ao meu irmão, mas ele se foi há um ano e meio.
Uma lágrima escorreu de seus olhos. Quando olhou para eles, viu que também estavam emocionados. Em silêncio, trocaram um olhar de compreensão. Pouco depois, eles se despediram, dizendo:
– Boa semana!
– Foi um prazer conhecê-la – disse o rapaz, com um sorriso e o apoio da irmã.
Cidade fria?
Mais tarde, Lígia foi para o metrô. Sentou-se no banco da estação e notou que o único lugar vago era ao seu lado. Um jovem, de uns 14 ou 15 anos, aproximou-se, com cabelos compridos, roupas simples e uma mochila nas costas, segurando a mão de uma garotinha de uns cinco anos, com trancinhas e vestida de modo simples como ele. Ele a colocou no banco e ficou de cócoras ao lado dela. Mas a menina preferiu sentar-se entre as pernas do rapaz, ao invés do banco. Ele, sorrindo, sentou-se no chão, cruzando as pernas na posição de lótus, como vemos nos filmes.
Ela, radiante, acomodou-se em seu colo, e então ele tirou um livro infantil da mochila e começou a ler para ela, que escutava, atenta.
– Que beleza, irmãos tão jovens e unidos! – comentei.
– Não, pai e filha – corrigiu Lígia. – Ele parecia muito jovem, mas, observando melhor, vi que talvez fosse estudante da USP. Um pai dedicado.
Fiquei em silêncio, absorvendo a beleza dessas cenas.
São Paulo, uma cidade fria? Às vezes sim, outras vezes acolhedora. É uma cidade de mil ou milhões de facetas. Basta saber olhar.
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Edith Suli é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva seu texto agora e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br e o podcast do Conte Sua História de São Paulo.