Abigail Costa

“O pensamento parece uma coisa à toa
mas como é que a gente voa
quando começa a pensar?”
Lupicínio Rodrigues
Quando a música de Lupicinio, cantada por Caetano, começou a tocar na Rádio Nacional, no começo dos anos de 1970, eu era uma menina que acreditava no que diziam as canções e fascinada pelas palavras de felicidade. Viajei nos pensamentos! Lembro-me de ter ido parar numa loja de brinquedos enorme na região da Teodoro Sampaio, no bairro de Pinheiro, em São Paulo. Nunca havia conhecido a loja pessoalmente mas de tanto ouvir histórias das meninas do meu bairro, construí uma imagem e passeei pelos corredores até chegar a seção de bonecas. Lá peguei uma “Dorminhoca”, aquela boneca molenga de cor lilás. Linda de viver!
Também incentivada pela letra da música, comprei um saco bem grande, recheado de coisas quase proibitivas em casa, doces antes das refeições — tinha maria-mole, uma variedade de chocolates e um monte de balas Juquinha, sabor frutas de mentirinha. Ao contrário do que minha mãe jurava que aconteceria, nem uma coisa nem outra foi verdade nos meus pensamentos: não perdia o apetite do sagrado arroz e feijão mais bife, muito menos que sentia dor de barriga.
Junto com o meu crescimento, os pensamentos também perderam a inocência, ganharam maioridade, maturidade, ficaram mais chatos, desconfortáveis e passaram a voar mais perigosamente.
Num determinado momento, tive que confrontar as palavras da música quando fiquei sabendo que certos pensamentos são bem-vindos enquanto outros, Ave Maria!
Comecei a ouvir que pensamentos não são ações. Como assim? E as minhas histórias? A visita a loja, a boneca Dorminhoca, o saco de guloseimas?
Foi estudando que aprendi que certos pensamentos deixam a gente doente, que podem ser negativos, acelerados; e pra voar nos bons pensamentos é preciso me certificar que estou com os dois pés fincados nos chão.
A simplicidade de só pensar é objeto de estudo.
Fico eu aqui pensando no Lupicínio, no Caetano…
“felicidade foi-se embora
e a saudade no meu peito inda mora,
porque eu sei que a falsidade não demora.”
Abigail Costa é jornalista, tem MBA em Gestão de Luxo, é estudante de Psicologia na FMU, faz pós-graduação em Gerontologia, no Hospital Albert Einstein, e escreve como colaboradora a convite do Blog do Mílton Jung.







