Confissões no banheiro

 

Por Rosana Jatobá

Depois de Madonna ter assumido que faz porque “gosta de senti-lo escorrer entre as pernas” ficou mais fácil lançar a ideia em rede nacional.

A delicada tarefa coube à competente repórter Monalisa Perrone, que, sem perder a elegância, anunciou a campanha da ONG S.O.S Mata Atlântica:

“Faça xixi no banho”.

Monalisa explicava que, ao ignorar o vaso, o telespectador poderia economizar muitos litros de água:

“Pra descargas com caixa acoplada são pelo menos 12. E nos  vasos com válvulas, muito mais:  60 litros por vez. ”

A ONG calcula que, evitando apenas uma descarga por dia, o consumidor poderia economizar até 4.380 litros de água por ano. Somente em São Paulo seriam poupados mais de 1.500 litros de água por segundo.

O apelo ambiental e econômico não foi suficiente para evitar discussões calorosas na redação. Um editor disparou:

– “Uma matéria como esta só ensina o povo a ser ainda mais mal-educado. Isso é um desserviço! Se a moda pega, a luta pra ensinar as pessoas a não fazer xixi nas piscinas, por exemplo, vai por água a baixo!”

De volta à emissora, Monalisa foi recebida com um banho de água fria:

– “Imagina se eu vou deixar meu banheiro com resto de urina pelos cantos! Ou você pensa que eu vou levar uma vassoura e um desinfetante pro box?”

– “Mas o xixi é limpinho” – repete Monalisa. “Eu disse na reportagem que 95% são água e o restante, uréia e sal” 

Não houve consenso.

Em casa, experimentei a façanha. Nos primeiros dias, com estranheza. Afinal, um contato tão direto assim com o xixi, por mais limpo que pareça, é sempre um contato com um dejeto; e, dependendo do dia em que se ingere pouca água  ou se toma um remédio, o tal resíduo pode exalar um cheiro forte e exibir uma coloração mais intensa, comprometendo sua imagem de pessoa asseada diante do próximo usuário do chuveiro.

Pensamento inócuo.

Depois de uma semana já havia me acostumado com a tal sensação propagada pela pop star.

Em visita a uma amiga que mora em Paris, me surpreendi quando ela disse que este é um hábito por lá. E de quebra, muita gente otimiza a capacidade de armazenamento do  vaso sanitário. O fatídico xixi que antecede o sono, fica lá a madrugada toda à espera do primeiro jato do dia. Assim, vão os dois xixis pelo cano de manhã.  Outra descarga poupada!

Minha empregada diz que aderiu à campanha, coisa que confesso não ter apurado. 

O fato é que essas pequenas iniciativas têm mesmo o poder de contagiar. Talvez por aliviar a culpa pela sobrecarga que impomos ao planeta, talvez pela probabilidade apavorante de passar sede.

Um estudo do Credit Suisse Research Institute, datado de novembro de 2009, revela que em 2020,  37% da população global, ou seja, 2,8 bilhões de pessoas, vão lidar com a falta d´água. Situação que pode piorar se as previsões do IPCC, com relação às mudanças climáticas, se confirmarem.
Mas o que temos a ver com isso, se o Brasil detém 13% da água doce do planeta? 

Primeiro, porque há uma percepção errada de que temos água em abundância. Nossos recursos hídricos estão mal distribuídos pelo país. Há excesso no Norte e escassez em grandes centros urbanos e nas áreas de climatologia desfavorável, como no semi-árido nordestino. A poluição dos recursos hídricos pelo lançamento de esgotos domésticos e efluentes industriais também a ajuda a acentuar os problemas de escassez.

Segundo, porque as pressões decorrentes deste déficit hídrico mundial poderão representar uma enorme ameça para países que têm grandes estoques de água, como o Brasil, diz a pesquisa.

Para mim, o hábito de evitar o desperdício vem de berço. Mas agora levo ainda mais a sério o desafio da higiene, usando o mínimo de água possível.  A máxima “menos é mais” lava a alma.

O problema é o risco de radicalizar. Convivo com uma voz, vinda do além, que me manda todos os dias  fazer uma varredura pela casa, em busca de chuveiros e pias pingando. É um tal de torcer com tanta força os registros, vedando a passagem da água, que a simples tarefa de abrir a torneira precisa do esforço concentrado de pelo menos duas pessoas.

Confesso que também não resisto a provocar o maridão, que tem um encontro sagrado e demorado com o banho.

Outro dia fui até questionada pela minha sogra:

– “Você não acha que este é um dos poucos prazeres que meu filho pode ter, depois de um dia extenuante de trabalho?”

– “Tudo bem. Tem razão” – disse à nora, resignada.
Não vou impedi-lo de curtir a forte relação com a água quente jorrando do chuveiro. Ao contrário, vou ajudá-lo a descobrir outros prazeres de um banho relaxante… sem deixar rastros no banheiro, claro!

Que vivam as Madonas!!! 

Rosana Jatobá é jornalista da TV Globo, advogada e mestranda em gestão e tecnologias ambientais da USP. Toda sexta, conversa com os leitores do Blog do Mílton Jung sobre sustentabilidade e outras necessidades.

Xixi no banho para economizar água

Não é o Heródoto, é o mascoteA SOS Mata Atlântica lança campanha bem humorada para chamar atenção para o desperdício de água. “Xixi no Banho”, com direito a mascote de carinha engraçada, quer convencer o cidadão a diminuir o número de vezes em que dá a descarga no banheiro. Mario Mantovani, diretor da ONG, diz que a prática gera economia de 12 litros de água por dia, 4 mil 380 por ano.

Depois de entrevistar Mantovi, nosso colega Heródoto Barbeiro deu sinais de que vai aderir a campanha: Ouça entrevista e a adesão do Heródoto