Conte Sua História de SP: o médico da Freguesia do Ó

 

Por Luís Augusto do Prado
Ouvinte-internauta

 

Ouça esta história que foi ao ar na CBN, sonorizada pelo Cláudio Antonio

 

A história de São Paulo que quero contar não é minha, e como dois dos personagens já são falecidos, o outro não conheço, fico à vontade e omito os nomes.

 

Aconteceu no início dos anos 1980.

 

O tio do meu pai era um homem dinâmico, nasceu em 1900, foi um dos fundadores do sindicato de sua categoria, andava muito a pé, morava na rua Itapeva, ia e voltava ao trabalho na Santa Cecília, às vezes ia em casa ou na da minha tia, ambas na Freguesia do Ó, sempre a pé. Recuperou-se de derrames com fisioterapia caseira, ele mesmo fez “instalações” para isso. Por isso sempre teve físico bom.

 

Uma noite, só com a esposa em casa, ele caiu no banheiro.  Como ela não tinha força para levantá-lo, não pensou duas vezes, foi à rua e pediu ajuda ao primeiro homem que passou. Esse, gentilmente, atendeu ao pedido, ajudou a colocar na cama, aguardou que ela fizesse curativos, conversou um pouco com eles e não esperou nem por um cafezinho.

 

No dia seguinte, toca a campainha. A tia foi ver quem era, não tinha a visão muito boa e não reconheceu a visita. Foi até o portão. Continuou não reconhecendo quem era. Então o homem perguntou pelo marido dela e se identificou dizendo que ele é quem tinha ajudado na véspera. Ela fez com que entrasse e logo o homem foi ver o Tio. Conversou com eles e se apresentou: era médico e acabara de fazer seu plantão no hospital Umberto Primo, que ficava próximo.  A tia questionou porque na noite anterior não se identificara e ajudou a fazer os curativos. O doutor respondeu que ela os fez muito bem e que viu que o Tio estava bem, batimento cardíaco, temperatura, bem orientado. 

 

Isso foi há 30 anos,

 

Já hoje…. é uma outra história.
 

 

Luís Augusto do Prado é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte você também mais um capítulo da nossa cidade. Escreva para milton@cbn.com.br. Ou agende uma entrevisa, em áudio e vídeo, no Museu da Pessoa. Para ouvir outras histórias de São Paulo vá no blog, o Blog do Mílton Jung

De prosa

 

Por Maria Lucia Solla

 

 

Já disseram tudo. Sóis e luas em forma humana. Drummond avisou que No meio do caminho tinha uma pedra. E sempre tem. Todo grande amor só é bem grande se for triste, ameaçou Vinícius, e depois ouvi o que tinham para dizer, Cora Coralina e Cecília Meireles. Um pouco de tudo. Muito de tão poucos. Acabou que não me importa mais se o mundo está acabando, se está mudando ou só começando.

 

Hoje de manhã falei com a tia Inês, no telefone. Fazia tempo que a gente não se falava, e isso não é normal. Mas o que é normal? Deus me livre do normal. Do uniforme. De uniforme eu gostava na escola. Me vestia de estudante, era vista na rua como estudante. Era uma honra, o uniforme! Mas voltando ao papo com a minha tia, a gente falava de vida, eu da minha, e ela da dela. Falamos, falamos, filosofamos. Quando eu choro ela me afaga de longe. Minha tia não chora. Vibramos com a alegria uma da outra. Falamos menos para informar a outra do que está acontecendo, do que para nos ouvirmos traduzindo cada uma o próprio coração, às vezes nos aventurando a traduzir o da outra, que é assim que a gente fala com quem se ama. Ultimamente andamos em descompasso no ritmo das nossas vidas, ela e eu, mas nunca nos afastamos. Esteja ela numa fase macia, e eu numa rugosa, ou o contrário, nos falamos. Hoje falamos de fases muito difíceis e muito longas. Até rimos quando nos demos conta de que quando a situação está ruim ainda pode ficar muito pior, dia após dia, sem intervalo entre os atos; sem tempo para trocar os costumes. Cenas pesadas se arrastam; as leves voam. Faz sentido! vamos descobrindo ao longo do papo.

 

Agora sei que a dor não é o fim. A dor é o começo. Caiu a ficha. É poção reparadora, transformadora, necessária, como todo o resto. É o espinafre no prato do menino carnívoro, talvez. Crescer dói, todo mundo sabe, mas desta vez devemos de verdade estar crescendo muito, porque a dor tem campeado desenfreada. A resistência e ela, de mãos dadas.

 

Quanto a mim, vou continuar não pedindo nada nas minhas orações. Agradeço e ponto. De manhã, de noite e milhares de vezes durante o dia, mas de hoje em diante, só no começo, até incorporar, vou agradecer também pela dor. Assim mesmo, com ênfase na gratidão por ela.

 

não vai ser fácil
mas vou repetir
de coração
só até acostumar
ou a dor terminar
de cumprir o seu dever

 

com tudo isso me dei conta
de que fui atrás de poetas
buscando o prosaico
na poesia
e acabei encontrando poesia
no prosaico

 

Obrigada, tia!

 


Maria Lucia Solla é professora, realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung