Por Antonio Augusto Mayer dos Santos
Por transição, segundo o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, se entende a passagem de um estado de coisas ou de uma condição. No contexto administrativo, significa a garantia de que o prefeito eleito receberá do Poder Executivo os subsídios indispensáveis à elaboração e efetivação do seu programa de gestão.
Esta medida, a par de civilizada, é de inquestionável relevância no cenário jurídico-político na medida que não somente institui como disciplina uma relação formal e organizada de responsabilidade entre o governante e o seu sucessor, especialmente porque o primeiro assegurará ao outro, previamente à posse, o acesso às informações e situações oficiais sobre o ente público: estrutura de governo, orçamentos, previsão de receita e execução de programas.
Estas informações são importantíssimas na medida que o eleito, no primeiro ano de seu governo, executará um orçamento planejado e votado anteriormente. Por outras palavras: o orçamento do primeiro ano de cada novo governo é elaborado por aquele que está encerrando o mandato.
Diante deste descompasso, o qual, é bom lembrar, se repete a cada dois anos ora nos Estados ora nos Municípios, o relator da CCJ do Senado Federal, em voto que proferiu no Parecer nº 1.080 de uma Proposta de Emenda Constitucional que regulamenta as denominadas transições pós-eleitorais, anotou que “A continuidade administrativa constitui, efetivamente, um princípio fundamental na concepção moderna de Estado Democrático de Direito. O Estado deve sempre dirigir sua atuação no sentido de assegurar a manutenção dos direitos dos cidadãos, o que implica a prestação de serviços à sociedade, em caráter constante, sem interrupções”. Mais adiante, ao concluir sua manifestação acerca da proposta, acentuou que a mesma “privilegia acentuadamente a autonomia de cada ente federativo, ao encaminhar a regulamentação, por leis da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, da forma como serão instituídas as equipes de transição, respeitando, dessa maneira, o equilíbrio do pacto federativo”.
Passada a eleição, o eleitor desconhece estas circunstâncias. No entanto, a necessidade de uma regra disciplinando este assunto é inadiável. Primeiro, para despir o vencedor do pleito daquela condição de candidato e, com isto, inserí-lo na realidade de gestor eleito. Depois, para que o processo eleitoral não se sobreponha às questões da administração. Por fim, porque contribuinte não pode ficar à mercê de um quadro de instabilidades decorrentes de desacertos partidários. Para preservar a continuidade administrativa e serviços públicos, impedindo que mesquinharias, ressentimentos ou quireras paroquiais desviem tanto a finalidade quanto a rotina das instituições públicas.
A propósito destas situações, as mesmas tem se revelado comuns, especialmente após campanhas eleitorais acirradas seguidas de vitórias de adversários ferrenhos.
Não tem sido à toa que os veículos de comunicação referem episódios de sonegação de documentos, excessiva burocratização, sabotagens, danificação de arquivos e até furtos de equipamentos no período que antecede a passagem do poder. No entanto, é inadmissível que atos passionais ou motivados por vaidades capazes de gerar prejuízos ao erário não sejam objeto de tipificação no período entre o final de um exercício e início de outro. Trata-se, pois, da necessária adequação, nos demais planos federativos, daquilo que já consta disciplinado ao federal através da Lei nº 10.609/02.
Em síntese: esta regulamentação elevaria as transições pós-eleitorais a um patamar institucional impedindo a sonegação ou obstrução de informações e simultaneamente protegendo tanto a legalidade quanto a eficiência, ambos valores administrativos que devem ser preservados independentemente da orientação partidária que estiver no poder.
Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor dos livros “Prefeitos de Porto Alegre – Cotidiano e Administração da Capital Gaúcha entre 1889 e 2012” (Editora Verbo Jurídico), “Vereança e Câmaras Municipais – questões legais e constitucionais” (Editora Verbo Jurídico) e “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.