O voo-cego do rádio esportivo

 

Por Milton Ferretti Jung

 

O autor do texto está na ponta esquerda da mesa

 

Preciso, antes de mais nada, agradecer aos leitores do meu texto de estreia, neste espaço, pela ordem, Carlos Magno Gibrail, Daniel Lescano, Nelson Valente, Armando Italo, Dora e Airton Gontow. Foram todos muito bondosos. Grato pelas boas-vindas, passo para a escrever o que reservei para esta quinta-feira.

 

Outro dia, o Mílton, em sua “Avalanche Tricolor”, a propósito de uma outra estreia – a do Grêmio no Campeonato Gaúcho- lembrou, com saudade, o início de sua carreira na Rádio Guaíba, no qual, repórter esportivo que era, trabalhava nos jogos dessa competição, muitos deles narrados por mim. A saudade se explica: os jogos, em geral, especialmente aqueles disputados no interior do estado,transformavam-se em batalhas campais ou quase nisso. Os jogadores, mesmo os da dupla Gre-Nal, mais bem remunerados, tinham amor à camiseta, coisa rara hoje em dia, pois o profissionalismo transformou muitos em verdadeiros mercenários. O que o Mílton não recordou, porque não havia nascido na época, foi das dificuldades que se enfrentava para transmitir as partidas do que agora resolveram apelidar de Gauchão, superlativo injustificável para o futebol que se vê.

 

Em algumas cidades interioranas – Bagé era uma delas – não havia linha telefônica, necessária para que se falasse dos estádios. Viajava-se, na véspera dos jogos, por estradas de chão batido, muitas vezes debaixo de chuva. Não havia motorista profissional. Dirigiamos nós mesmos inseguras kombis. Dentro delas, estava um enorme transmissor “single-side-band”, o substituto da linha telefônica. Para que funcionasse era preciso comprar dois postes de bom tamanho, estender entre eles um cabo, conectado a outro que, por sua vez, ligava-se ao transmissor. Na sede da rádio, um técnico passava trabalho para receber a transmissão. Esse, controlava o áudio girando um botão. Para a equipe que estava no estádio ouvisse o retorno do som que era enviado, fazia-se necessário sintonizar a onda-curta da emissora.

 

Em transmissões de futebol fora do estado precisava-se contratar a Radional, antecessora da Embratel e nem sempre confiável. Essa, certa vez – e com isso vou encerrar este papo, não se preocupem – nos deixou na mão num jogo entre Atlético Mineiro e Grêmio, em Belo Horizonte, no Estádio Independência. Sem conseguir captar a onda-curta da Guaíba, abri a transmissão depois de avisar para o estúdio que iriamos – o Ruy Ostermann e eu – entrar no ar em “voo-cego”. E entramos. Narrei 85 minutos. Foi então que a onda-curta deu o ar da graça. No estúdio, o locutor do noticiário apresentava o Jornal da Noite.

 

Seja lá como for (ou como era) que, tal qual o Mílton bem mais tarde, nós dois tenhamos bons motivos para sentir saudade dos velhos tempos do futebol e do rádio esportivo.

 


Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista, gremista e meu pai. Escreve toda quinta-feira aqui no Blog do Mílton Jung (o filho dele)

Conte Sua História de São Paulo: Que confusão, QSL !

 

Jorge Petras
Ouvinte-internauta

Ouça o texto “Que confusão, QSL” sonorizado por Cláudio Antônio

Entre muitas histórias, esta pode se falar que é radiofônica. Na época do relato não existia celular, era o primórdio de enlaces por microondas.

Faziam três meses que tinha chegado de Buenos Aires (ano 1976) com toda a documentação em ordem como engenheiro em eletrônica especializado em telecomunicações, mas estava sem emprego por acreditar em um conhecido “patrício” que me tinha garantido colocação em uma multinacional a um salário irreal (exorbitante para a época, o que só consegui saber a posteriore). Assim sendo em todas as entrevistas que comparecia pedia o mesmo valor ou ou mais.

Já sem dinheiro para o sustento e após 86 dias a noticia “bomba”: a empresa citada pelo patrício não poderia me contratar por que eu não conhecia, ao nível de conversação, o idioma alemão. Totalmente desorientado entrei em um ônibus e pensei: pegarei o primeiro pedido de emprego de eletricista de obra que encontrar. Quando avistei uma placa de técnico eletrônico, corri e desci do ônibus.

O Recursos Humanos me encaminhou para o gerente de assistência técnica. Trêmulo, me apresentei ao Sr. Renato Olandin, pessoa de cabelos brancos, carismático, tentando falar espanhol, em um lapso de sinceridade falei meu problema. Ele com a serenidade de quem esta de bem com a vida, me explicou a faixa salarial, o CREA, e muitos detalhes do primeiro emprego. Terminou fazendo, além de uma oferta, um conselho de pessoa experiente. Imediatamente aceitei e ao dia seguinte comecei a trabalhar.

A alegria e o entusiasmo do primeiro emprego no Brasil era tão grande que “transbordava em todo meu ser”. Já na semana, o Sr. Renato me chama e pergunta: tem registro de condutor ? E com afirmativa pedante da juventude respondo: minha carta é internacional. OK, responde.

Na manhã seguinte me entrega as chaves de um fusca 0 km e me fala para fazer um conserto aqui perto. Mais que feliz eu sai. Quando vi a distância, quase tive um colapso (primeiro serviço externo = Ilha solteira) A viagem foi uma odissea, mas isto é outra história.

Posterior ao batismo, o serviço externo virou uma rotina, quando uma noite, quase oito horas (eu sempre ficava mais tempo após o expediente normal), o meu gerente me chama gentilmente e pede um favor. Se posso fazer um atendimento urgente na repetidora situada na torre da TV Gazeta.

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