Poesia à Sonia

 

Por Julio Tannus

 

Hoje, 25 de setembro, é dia do aniversário de Sonia, minha companheira de sempre. Em 28 de agosto último, completou 1 ano de seu falecimento. Permito-me aqui, prestar uma homenagem a ela, republicando uns versos que fiz. Em uma de tantas noites na vigília, eu escrevi:

 

A Sonia, minha queridíssima mulher e companheira, tem um espírito tão forte e livre – uma imensidão de liberdade – que, quando seu corpo ficou doente, ela repetidamente dizia “meu corpo me abandonou”. Após quase 9 anos de luta incessante, seu corpo a abandona, mas seu espírito paira sobre nós.

 

E na véspera de seu falecimento, ao pé de sua cama, eu também escrevi:

 

Uma Ode a Sonia amiga

Oh! Sonia querida. 

Hoje não tem alegria, só tristeza.

Você que alegrava meu silêncio com seu olhar;

Você que tirava minha solidão com sua presença;

Você que conquistava meu coração com sua coragem;

Você que carregava a tristeza de tantos com sua sabedoria; 

Você que iluminava a escuridão de todos com seu pensamento;

Você que diminuía a dor de muitos com sua generosidade;

Você perdeu seu corpo, mas ganhou o olhar de todos nós;

Oh! Sonia querida

Hoje não tem alegria, só tristeza…

 


Julio Tannus é consultor em Estudos e Pesquisa Aplicada e co-autor do livro “Teoria e Prática da Pesquisa Aplicada” (Editora Elsevier). Às terças-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung

De alma

 

Por Maria Lucia Solla

 

Alma, sol e mar

 

alma minha

 

que poetas já cantaram
cada um a sua
a seu tempo e a seu modo
à qual em engano
insisto em me dirigir
como se fosse ela fora ou dentro de mim
pois que ela sou eu mesma no meu tom
de harmonia perceptível
de brilho intenso indizível
na recusa e na oferta
no nascer e no morrer
no ir e vir
seja eu dura ou sensível

 

mistério de ser eu ela e ela ser eu mesma
o que até hoje ninguém entende
desafia minha mente que se tem tão potente
e que por um nada se rende

 

é aí que o ser estanca
desde o início de tudo
que em vez de ir à frente finca o pé na retranca

 

é aí que nos perdemos
no afã de encontrar aquilo que
desde sempre
temos

 

vamos pr’ali
voltamos pra cá
quando
piada humana
tudo que temos ou um dia teremos
somos nós
um mingau de ego e alma
de choro e riso

 

de tudo que tenho e daquilo
que penso que preciso

 

palavra demais
atitude de menos
crítica é lema
de tudo
do outro
de ação
de todo tipo de tema

 

olhar pra fora é fora de tempo
é estar atrasado nele
mas o vício
em cada dobra de mim
entranhado
me faz ainda uma vez e mais outra
copiar o outro
que cheio de certeza
se ocupa em culpar
em manter o dedo em riste
apontando defeito
pra esconder seu próprio não-feito
perdendo do minuto a beleza
e se mostrando
prepotente

 

que tristeza

 


Maria Lucia Solla é professora, realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung

De triste tristeza

Por Maria Lucia Solla

De triste tristeza


Ouça este texto na voz e sonorizado pela autora

Nunca fui de ter medo, e olha que já tive motivo de sobra; mas hoje tenho. Não sei se é medo, medo, mas é uma cosquinha forte no plexo sollar e no umbilical, sabe como é, que não dá moleza. Medo do nosso afastamento da natureza e da sua reação em cadeia. Medo da cadeia dos prédios que se erguem atrás, na frente, do meu lado esquerdo e do direito. Medo do formigueiro da cidade e do politiqueiro que depaupera o campo. A maioria não pisar na terra e não ver o nascer nem o pôr-do-sol, e disso não sentir falta, me dá medo.

Vivemos em caixas, por enquanto fixas, empilhadas e divididas em pequenas caixas onde se subdivide a família. Saímos dela para entrarmos numa caixa, por enquanto limitadamente móvel, que nos leva até um estacionamento abaixo do solo; e entramos numa outra caixa com maior mobilidade que a anterior. Vrumm, saímos dali dentro dela, pimpantes sob o efeito de café, e depois de passar ali muito tempo, olhando no relógio e bufando, desviando de motoqueiros que camicazeiam pelo caminho, já suados e com pouca energia para tocar o resto do dia, estacionamos noutro sub-solo, descemos da caixa, entramos noutra caixa de média mobilidade e subimos até chegar a mais uma caixa fixa. Ali, antes de começar a jornada, engolimos um punhado de pílulas que supostamente repõem a energia perdida e suprem a falta do sol, da chuva, da lua, da terra, do diálogo, do amor, do amar e do afago.

Não se faz mais casa com janela para o jardim, com porta de entrada alta e larga para receber alta e largamente parentes e amigos. Horta é coisa do passado que nem é remoto. Passado remoto é o tempo de juventude dos meus avós, quando se colocavam cadeiras na calçada e se sentava ali para socializar com vizinhos ou falar da vida alheia. As senhoras ofereciam biscoitos recém saídos do forno, e os senhores, as notícias do jornal da manhã. Hoje socializamos e lemos o jornal virtualmente, alheios ao que se passa debaixo do próprio nariz, enfiando e tirando a mão, distraídos, de saquinhos de biscoitos com data de validade estendida. E proliferam os hoteis-fazenda, disneilândias da terra perdida.

Quando noutro dia disse a um amigo que não checo e-mails no iPhone, achei que fosse sacar um crucifixo na minha direção. Já não nos garantem o direito de nos desligarmos da rede, que tudo sabe, tudo grava, tudo vê. Tenho saudade de conversar olho no olho e tenho medo de sentir cada dia mais medo. Uma saudade medonha e um medo tamanho que nem preciso buscar; vêm a mim servidos na mesa, cobertos de triste, triste tristeza.

Maria Lucia Solla é terapeuta e professora de língua estrangeira. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung

De lua

 

Por Maria Lucia Solla

Ouça De lua na voz e sonorizado pela autora

Galeria de Eduardo Amorim no Fliuckr

Mulher é lua, tem fase. Incha, fica plena, regozija, depois murcha, murcha, diminui. Muda a forma: escurece, emagrece, emudece, quase desaparece.

Um dia, invadida pelo calor solar, volta aos poucos a inchar.

Só me parece importante lembrar que tudo isso – fase, forma, luz, escuridão – é ilusão.

eu mulher
eu lua
lua mulher

tenho fase de alegria
colorida como fantasia
onde o riso brota fácil sem regar
tudo vai e vem
em pacote envolto em linda fita

tenho outra porém
de tristeza infinita
dura seca escura maldita
lágrimas rolam
feito folhas no outono
e me vejo sozinha
no amargo abandono

É mais fácil falar de tudo isso quando se está no quarto-crescente porque é aí mesmo, é desse lugar que a gente pode perceber uma nesga da realidade, um vislumbrar da sanidade.

“Na verdade, somos tão voltados para nós mesmos, para o nosso umbigo, para a imensa muralha que é o nosso ego, que somos, na verdade, absolutamente cegos.

Todos.”

Eu disse isso na semana passada, e ouvi bem o que eu mesma disse. A velha história dos ouvidos que estão mais próximos da boca que fala ou, a gente só tenta ensinar o que precisa aprender.

Pois agora, na fase ascendente, percebo ainda melhor que não são os grandes acontecimentos, os presentes caros, os momentos de fogos de artifício e de champanhe francês que vêm nos resgatar da escuridão da dor, do breu da solidão.

São coisas prosaicas: pequenos sorrisos que só arqueiam os cantos da boca, a mão que se estende e os braços que se abrem no gesto que te aconchega, que oferece conforto, que alivia tanto a descida quanto a subida. É o brilho intenso do olhar que vem certeiro na tua direção, a palavra quase dita, o telefonema inesperado, o doar-se, o oferecer de si mesmo, um pedacinho que seja, que dão o impulso para o passar de fase.

é cada pequeno evento que faz que eu
mulher que anseia
trilhe de novo a via que leva
a mais uma fase cheia

eu mulher lua
vestida nua
no quarto na rua

é cada pequeno gesto
percebido reconhecido recebido
que me ajuda a recolher
os fragmentos da fase vazia
que me deixa
contente
e me faz de novo
gente

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira, realiza curso de comunicação e expressão e escreve aos domingos no Blog do Mílton Jung em todas fases da lua


Imagem da galeria de Eduardo Amorim, no Flickr

Quando o tempo não permite mais erros

Por Abigail Costa

Aos 18 anos é permitido se trancar no quarto e chorar um amor não correspondido. É até angelical perder horas, dias, pensando no castelo desmoronado, no príncipe que disse não.

A mãe preocupada batendo na porta, dizendo que a falta do almoço vai lhe deixar doente, quando você já se sente com a enfermidade do amor não correspondido.

A gente lê sobre isso. A gente escuta sobre isso. Se tem exemplo da mesma situação. E aí como começou, passa. Vai embora. A moça encontra outros amores.

Mas quando se trancar no quarto vem perto dos 40 anos. O choro compulsivo prestes bem perto do meio século de vida. Aí pesa, mais do que a rejeição. Do você não serve para mim. Tem o peso da idade.

Não é porque você estava velha para esses momentos adolescentes … É que você não pode mais perder tempo com eles.

Pode parecer rude, mas no correr da vida, um dia trancada no quarto vai lhe fazer falta. Não uma falta que será sentida bem mais tarde. É amanhã mesmo. Serão horas mal-aproveitadas que lhe farão falta.

Sem contar que nessa tristeza toda entram as rugas, mais cruéis do que nunca. Vincos profundos na pele para te lembrar sempre daquele momento trancafiada em problemas que já deveriam fazer parte da rotina. Afinal, você passou por eles há vinte e pouco anos.

Pior do que o sofrimento é não ter aprendido com as ocasiões anteriores.

O tempo não te permite errar, pelos simples motivo que ele é sábio.

Ele sabe que num determinado ponto da vida é preciso aproveitar tudo.

Abigail Costa é jornalista, escreve toda quinta-feira aqui no blog e transcreve os conselhos que durante toda sua vida foram responsáveis pela conquista de novos amigos.