Por Maria Lucia Solla

Grande parte do tempo percebo pelo menos dois estratos de realidade. O que parece nascer de dentro e o que eu poderia jurar que vem de fora. Pulso em todas as latitudes e longitudes, é verdade, mas não alcanço tantas nuances. Sinto no escuro. Entrego à minha essência boa porção do meu ego, mergulho no roteiro e acredito na trama. Ou não. Sinto-me carimbada por eventos que se originam num ponto onde moram presente, passado e futuro. Pulso na herança genética e na dosagem de cada ingrediente da minha receita. Minha pele se expressa, e meus olhos confessam.
meu sangue corre
e tropeça em obstáculo
feito de tudo que comi
pensei
falei
bebi
senti
ouvi
vivi
vi
É viciante, contorcer-se para se adaptar ao reino do Senhor do Tempo, onde regem em triunvirato presente, passado e futuro.
será desviver
?
prova perdida
no aceno de largada
resistir ao conviver
?
É possível ficar menos e ao mesmo tempo mais resistente, se me entende. Menos espaço, mais gente; mais violência, menos compaixão. Acreditei que vivia um tempo de cada vez. Hoje posso adaptar o colorido do passado ao formato e disposição do destino desenhado. Escolho quem retoca o som, a cor e a imagem da tela do meu tempo, e vou em frente.
Sou cara e sou coroa, sou verso e reverso, côncavo e convexo. Lady e vagabundo, bela a fera. Ser e não-ser.
Maria Lucia Solla é professora, realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung