Que façanhas !

 

Por Milton ferretti Jung

 

Pobre do Rio Grande do Sul. Se um estado pudesse ser bento,o meu teria de se candidatar. Somente neste ano vem desmentindo o texto do seu hino,especialmente no trecho em que,desde pequenos cantamos este refrão:”De modelo a toda a terra,sirvam nossas façanhas”. No momento,nossas façanhas não possuem nada de positivo,bem pelo contrário.

 

Cito-as mais ou menos pela ordem.

 

José Alberto Reus Fortunati,prefeito de Porto Alegre,concedia uma entrevista para o Mílton,durante o Jornal da CBN,quando precisou a interromper por um caso de força maior. Soube-se depois que a Polícia Federal realizava mandados de prisão em Porto Alegre,detendo homens públicos,inclusive um secretário e empresários,por suposta fraude ao meio-ambiente. Foi um deus nos acuda,como não poderia deixar de ser,já que a Concutare,nome da Operação da PF,atingiu gente importante.

 

Estourou, mais recentemente, a “Fraude do Leite”,denunciada pelo Ministério Público Estadual. Nessa, transportadores entregavam o produto com água,ureia e formol.Que nojo! O promotor Mauro Rochembach,responsável pela Operação Leite Compen$ado,lembra que os safados se comunicavam entre si de forma engenhosa em locais onde celulares ficavam sem sinal:solicitavam músicas a rádios interioranas e usavam-nas como código para suas falcatruas. O esquema foi investigado durante dois meses. Para o MP,as indústrias,embora se digam vítimas da patifaria,foram negligentes por não se preocupar com a qualidade dos transportadores.

 

O Rio Grande do Sul,antes de se jactar, no seu hino,deve também,afora punir rigorosamente os culpados pelas duas fraudes que citei, tratar de garantir a segurança dos moradores de cidades de pequeno e médio portes do seu interior. Setenta municípios no RS têm menos de cinco policiais. O Tenente-Coronel Leonel Bueno,comandante do CRPO Serra,disse à Zero Hora do último domingo: Se nós nos colocarmos no lugar do policial,eu acho que uma situação dessas é altamente constrangedora,para não dizer humilhante”.

 

Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)

Avalanche Tricolor: Sensações de sábado à noite

 

Grêmio 1 x 3 Ceará
Brasileiro – Olímpico Monumental

Douglas faz único gol do Grêmio, em foto do Grêmio.net

O sábado começou tarde, resultado da ressaca de uma sexta de muitos compromissos. Depois do Jornal e da reunião de pauta de ontem, segui para o Espírito Santo, onde me encontrei com a turma que participa do curso de residência em jornalismo, organizado pela Rede Gazeta, na qual também toca a CBN de Vitória. Jovens entusiasmados, dispostos a fazer melhor, mudar o que der e cheios de sonhos e criatividade. Foram três horas de conversa e a vontade deles era tanta que nem senti as costas doendo e as pernas cansadas. Desgastante mesmo é a rotina do aeroporto com saguão lotado de gente, pista cheia de aviões e estrutura rasa. Menos mal que no meu caminho havia funcionários a fim de fazer a coisa funcionar – nem sempre é assim. Quando retornei a São Paulo ainda havia um jantar japonês a minha espera que atrasou devido ao congestionamento no caminho. Fui dormir prá lá de meia noite, em um dia que havia se iniciado às quatro da manhã.

Hoje, a agenda era bem mais amena e a família estava em volta o tempo todo o que torna tudo mais agradável. Ver os filhos satisfeitos por estarem dentro de uma livraria sempre me dá esperança de que algo está mudando nesta geração. Um livro aqui, uma revista ali. Cada um faz a sua escolha de acordo com seu estilo e idade. Eu aproveitei e passei a mão na bibliografia de Steve Jobs, escrita por Walter Isaacson, pela qual estava tão curioso que em pouco tempo já havia lido às primeiras 13 páginas da introdução. Leitura obrigatória, também, quando o dia 20  se aproxima é a MacMais, revista editada pelo meu amigo Sérgio Miranda, que, não por coincidência, está com uma ótima caricatura de Jobs na capa. Sei que a redação deles é minimalista, por isso me admiro sempre que vejo como aquela gente entusiasmada consegue fazer um trabalho de qualidade. Entusiasmo, também, não faltou à minha mulher haja vista o catatau de revistas que colocou embaixo do braço, sem falar em mais um livro, desta vez do contador de histórias Marc Levy, “Tudo aquilo que nunca foi dito”. Feita a “feira” sentamos para almoçar em uma das melhores casas de carne da cidade, o Esplanada no Morumbi. Atendido por garços eficientes e experientes, a maioria dos quais conheceu minha família quando éramos apenas um casal, o resultado não podia ser outro: uma excelente refeição.

Voltamos para casa quase no fim da tarde com tempo para tomar um chocolate quente – faz frio em São Paulo – com um tipo de panetone que desconhecia, mas que era uma delícia. Nos foi apresentado por uma das grandes amigas que temos aqui na cidade e que compartilhou deste momento conosco. Com a vontade que a turma encarou o “café da tarde” nem parecia que tínhamos saído há apenas algumas horas de um restaurante. Bota desejo nisso.

Chegava a hora, então, de sentar diante da televisão e assistir ao Grêmio jogar. Deste, porém, tenho pouco a escrever. O entusiasmo, a vontade, a satisfação, o desejo, o interesse e a eficiência das pessoas que estiveram em minha volta desde ontem faltaram àqueles jogadores que tiveram o atrevimento de vestir a camisa tricolor, na noite de sábado. Aliás, faltou a eles, também, vergonha na cara.

De estrada

 

Por Maria Lucia Solla

Ouça “De estrada” na voz e sonorizado pela autora

Sabe quando a gente pega a estrada errada e continua, e continua, e continua tanto, e vai tão longe que fica difícil voltar?

a gente acaba parando
por um tempo
no lugar onde foi parar

Aí dá aquela vontade de conhecer outro lugar, acaba se encantando com o próximo, e fica literalmente hipnotizado pela beleza e pela riqueza de mais um. Acaba se perdendo.
Pois foi o que aconteceu com a gente. Foi o que aconteceu com todos nós.

Não adianta apontar o dedo para a turma do lado de lá, para o parente, para o ex ou o pretendente, o mandante ou o obediente. Não dá mais tempo. É tempo de abrir bem os olhos, de criar vergonha na cara, cada um fazendo o que sabe fazer. Fazendo direito, fazendo às claras, sem segundas, terceiras ou quartas intenções. Sem vender a alma. Do gari à presidente. Nós. Todos nós: os bonitinhos, os feios, as marombadas, as gordinhas. Nós. Os burros, os inteligentes, descolados e condenados. Nós. Espertalhões e bobalhões.

Fomos longe demais pela estrada errada, e depois de tanto tempo, tanto dinheiro, tanta energia gasta, da enorme distância do verdadeiro ponto de origem e do verdadeiro destino, a gente se dá conta de que ficou igual a todo mundo, como queria, vestindo igual, tendo carro igual, usando joia igual, falando igual, sofrendo mais e curtindo menos; a gente se dá conta de que vendeu a alma e, com ela, a graça.

Isso que tem acontecido em volta, no meio, dos lados, em cima e embaixo, é a prova de que este é o lugar errado; onde chegamos, todos. O que a gente vê é a paisagem errada!

Foi isso que nos hipnotizou? É difícil de acreditar! É isso que continua nos fazendo destruir o verdadeiro e a água do terreiro; o bosque, o pássaro, a borboleta? É essa ganância desmesurada, esse egoísmo generalizado e banalizado que deixa um amargo na boca, essa tristeza que sempre sobra no coração, esse medo e esse desalento que se mostram no olhar, que incluídos em letrinhas minúsculas no final do contrato vieram no pacote e levaram em troca o bom-humor, e transformaram tudo em dor, em desgraceira, em resgate onde acaba cabendo saque, num palco de lágrimas e horrores onde cabem boatos criminosos?

Em que lugar do caminho se perdeu o prazer de dirigir na estrada, sem rumo, à noite, só para ouvir no silêncio, com o corpo inteiro, as músicas favoritas, no rádio do carro? Onde se perdeu o prazer de acampar; de dormir no embalo dos pingos da chuva? De nadar na cachoeira sem medo de verminose, de virose ou de cirrose? Onde está nossa cidade antiga, nosso berço, cercado, protegido, fotografado e cuidado diariamente para que ninguém o destrua, para que ninguém o desfigure, para que a gente se lembre de onde veio e para onde estava indo?

O que nos cerca nos escoa por entre os dedos e não ecoa o prazer esperado, porque traz consigo a desgraça, a tristeza, o isolamento, a solidão, a armadilha que nos atraiu até aqui, até agora.

Está tudo sossobrando porque nem o Planeta nos aguenta mais. Não aguenta tanto desrespeito, tanta prepotência de quem se julga dono dele. Se não pararmos agora e não assumirmos, cada um, o seu latifúndio de responsabilidade, criaremos filhos apenas para que ajudem a suportar, nas costas, a custo das próprias vidas, até o último segundo, os pilares da Terra.

Não custa lembrar que, hoje e sempre, não é dado apenas a um ou a poucos, entender e traduzir a magnitude da Vida. É preciso que haja quorum, que estejamos juntos, todos, porque só o todo pode compreender O Todo.

Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de comunicação e expressão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung

De vergonha do meu país

 

Por Maria Lucia Solla

Ouça “De vergonha do meu país” na voz da autora

vergonha1Olá,

Sinto vergonha de ser brasileira.

O sentimento foi crescendo, enquanto eu estava distraída. Chegou de mansinho como fazem alguns, e quando me dei conta dele, senti vergonha de perceber que sentia vergonha. Tentei ignorar e pensei: isso é coisa passageira, é dificuldade de aceitar a dificuldade; mas me enganei. Não era coisa passageira, era um sentimento que já tinha raiz e que crescia independente da minha vontade.

Cresci aprendendo a amar a Pátria e a respeitar a autoridade. Comecei em casa, onde respeitar pai e mãe não era opcional. Eu não conhecia outra realidade. Meu pai ditava as regras, e o seu dizer não dava margem para discussão. Ele era autoridade no ninho que mantinha para nós. Eu era a sua filha, morava na sua casa, comia da sua comida, era educada porque ele me proporcionava condição de aprender e de espiar pelas janelas dos livros, para ver o que acontecia nos lugares que as minhas pernas ainda não podiam alcançar.

Não era fácil, mas era assim.

Aprendi a respeitar pai, mãe, irmão, vizinhos, amigos, colegas de escola, professores. Aprendi a falar quando o espaço do silêncio me dava a deixa. Aprendi a ser civilizada, como me diziam os mais velhos.

Aprendi muito também fora de casa.

Observava como viviam as famílias dos meus amigos, e me fascinava perceber que havia diferenças, mas que elas só pincelavam um colorido diferente daquele do meu ninho.

Não nasci em berço de ouro, mas a mim nunca faltou nada. Aprendi a levantar de manhã e a lutar, desbravando o caminho do qual, muito pequena, já percebia o traçado.

Aprendi que se pisasse no pé do outro, era óbvia a necessidade de dizer: foi sem querer; me perdoa.

Aprendi a gostar do meu país, da língua falada aqui e da sua cultura. Cultura de um povo de raça, de garra, de alegria, de música, de festa e poesia. Aprendi que estava entre iguais. Havia os iguais mais iguais e os nem tanto, mas que eu seria sempre acolhida nas voltas dos meus voos mais corajosos por este mundo afora.

O bairro, a cidade, o estado, eram extensão fascinante da casa dos meus pais, e minha curiosidade se aguçava a cada aventura. Já não acreditava mais no Homem do Saco que poderia me levar embora, porque eu já não caberia nele. Eu tinha crescido.

Hoje tenho medo de homens e de mulheres do meu país, e sinto vergonha. Muita vergonha. Um sentimento que cresceu, tomou conta dos meus espaços e se mostra enorme, monstruoso, feio, gosmento, fedido. Sinto medo e vergonha dele.

Não posso deduzir que você sinta o mesmo, mas peço que ao menos pense nisso, antes que seja tarde demais.

Até a semana que vem

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira, ministra curso de comunicação e expressão, escreve aos domingos no Blog do Mílton Jung e, antes de mais nada, é brasilera.