De luz e sombra

Por Maria Lucia Solla

Olá,

Em mim habitam, sob o mesmo teto, humano e divino; e me fazem híbrida. Sou movida a mente e a coração, que por vezes se tornam cúmplices e por outras se enfrentam fratricidamente. Dual, posso ser o mais forte e implacável dos guerreiros, ou a mais frágil e indefesa das donzelas, mas em momentos de loucura e libertação, sou os dois. Posso ser o gigante destemido, mas também baixo o olhar e aprisiono o coração, feito menina descalça e faminta.

Em mim habitam erro e acerto. Erro a torto e a direito, mas sei pedir desculpas e escorrego num pé e levanto no outro. Acerto também, mas nada digno de observação. Ainda dividem o espaço em mim, ingenuidade e malícia. Há vezes em que levo tempo para ver o que está bem ali, debaixo do nariz, e outras em que vejo claro, tanto longe quanto dentro. Então trilho os caminhos que me fascinam e evito os que me apavoram. Nas passadas mais importantes do trajeto, sinto frio na barriga e me formiga o coração, mas não hesito em me fazer refém de flores, pássaros, olhares, gestos, sorrisos, lágrimas e idéias, num piscar de olhos. Num abraço.

Reconheço em mim generosidade e tirania, e é assim, de forma generosa e tirânica que sempre dei corda para que meus filhos pudessem sorver cada gota da sua porção de vida, com meus dedos roxos e doloridos de segurar a ponta dela. Fazem ainda parte do conjunto, contestação e conformismo; a primeira à custa da mente, e o segundo à custa de fígado, baço, pâncreas, e seus parceiros.

Reconheço em mim a aceitação e a birra que me faz espernear quando a vida não me dá o que eu quero. Mas deixe estar, que já dei um chega pra lá na segunda. Abri as porta da teimosia que me mantinha prisioneira, espiei pela fresta e o que vi lá fora me fascinou de tal forma que decidi correr atrás.

Em mim, habitam entendimento e confusão. O entendimento tem me mostrado, entre outras coisas, que a criminalidade se divorciou da pobreza, após longo casamento, e que confusa, foi seduzida e se atirou de corpo e alma em relação promíscua e perigosa com poderes que sobem rampas e ocupam gabinetes, onde bandido é chamado de doutor.

Reconheço também em mim a perfeição e o seu oposto; uma administrando o ideal e a outra o real.

Acolho portanto, em mim, vida e morte, mas mesmo optando pela primeira, reservo à segunda um momento de clímax e protagonismo, a tempo e hora.

Assim vou levando, dia sim e outro também. Aprendendo novos ritmos e sons, vou me acostumando e me adaptando a essa turma toda que mora aqui, e vou afinando o meu viver, a meu modo. E você?

Pense nisso, e até a semana que vem.

Maria Lucia Solla é professora, terapeuta e autora do livro “De bem com a vida mesmo que doa”, lançado pela editora Libratrês. Aos domingos, está neste blog com textos sobre o cotidiano. Em virtude do feriado, este artigo foi postado nesta sexta-feira.

3 comentários sobre “De luz e sombra

  1. Olá Maria Lucia!

    Gosto da idéia de aprender com os conflitos que vivenciamos!
    Pena que existam pais que tentam preservar seus filhos de todo e qualquer dificuldade, deixando-os fazer tudo o que querem e se tornam adolescentes e adultos incapazes de aceitar a frustração e com vontades tirânicas que avançam sobre bem-estar de outras pessoas…

    Boa Semana pra você!

  2. Que texto fantástico parece que foi escrita com a alma, Maria Lucia é mais um grande talento deste Brasil … Milton vc está de parabens por dar está oportunidade . Já estou ancioso pelo próximo … Uma ótima semana a todos !!!

    Michel (Consultor)

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