Não fazer nada exige muito esforço

“Liberte-se da tecnologia”. É a frase que encerra o livro “Para Compreender o Mundo Digital”, do jornalista Ethevaldo Siqueira. Duzentas e três páginas após nos mostrar os avanços que têm mudado o comportamento de pessoas e corporações, nosso colega da CBN e colunista do Estadão se esforça para me convencer de que é possível escapar das tentações provocadas por computadores potentes, televisores de alta qualidade, mini-aparelhos com capacidade de reproduzir os sons mais puros e uma dezena de outras traquitanas que temos em nossa volta e nos conecta com o mundo.

Ethevaldo sugere disciplina e planejamento, fórmula que o levou a mudar radicalmente os hábitos de “workaholic digital”. O fascínio pelos equipamentos eletrônicos na realidade esconde outra anomalia da sociedade moderna: a dificuldade de não se fazer nada. Parecemos sempre prontos para alguma coisa. Somos treinados a fazer – seja lá o que for. O ócio é visto de canto de olho, vem sempre acompanhado de um certo ar de desconfiança.

Desde que decidi trabalhar em apenas uma redação – coisa incomum na vida da maioria dos meus colegas jornalistas – não me canso de ouvir: “Você só trabalha na CBN ?”. Não é verdade. Sou responsável por este blog, preparo palestras na área da comunicação, apoio iniciativas de estudantes de comunicação, cuido da educação de dois filhos – tarefa que divido com minha mulher -, e, também, trabalho na CBN. Um trabalho, aliás, que não se resume as duas horas e meia em que estou no ar.

Acompanhe comigo: as pautas do CBN SP são discutidas com antecedência; os temas são avaliados a partir de leitura prévia em jornais, revistas e todo o tipo de publicação; pesquiso na internet, leio e respondo cerca de 300 e-mails por dia; envio mensagens pelo Twitter; entre outras tarefas relacionadas ao programa.

Sem contar a necessidade de responder as maledicências do meu companheiro Heródoto Barbeiro. Mas esta tarefa não incluo na lista de trabalho. É diversão.

Penso e escrevo sobre isso no meu quarto dia de folga de Natal. Fiquei em São Paulo. Foram dias de chuva ou céu nublado. Saí pouco de casa. No pouco que saí foi para ir ao cinema. Ainda ontem assisti à estréia de “Marley e Eu”. Brinquei com os meninos. Quem mandou dar “Lego” de presente. No vídeo game iniciamos a disputa do Campeonato Brasileiro de Futebol Digital no qual exerço o papel de administrador do Grêmio, é lógico. Ganhamos o Gre-Nal, óbvio.

Entre uma tarefa e outra surgia o desejo de sentar diante do computador e atualizar posts no blog, responder e-mails, organizar biblioteca musical, limpar pastas, etc, etc , etc. Confesso. Não me contive. Postei, respondi, organizei e limpei. E aí o esforço era o de não perder muito tempo com essas atividades. Fui mais fiel a esta meta.

Em uma dessas recaídas, comecei a escrever este texto que publico no início da noite desta sexta-feira, acompanhado de seis dicas do psiquiatra Edward Hallowell que podem ser úteis para aqueles que como eu têm dificuldade de não fazer nada:

* Separe um tempo para trabalhar offline antes de checar seu email, correio convencional ou voice mail, antes de permitir ao mundo agir como intruso em seu estado mental matinal fresco e focado.

* Não permita que o mundo tenha acesso a você 24 horas por dia, sete dias por semana. Desligue seu smartphone e celular. Faça uns alongamentos ou bata um papinho despretensioso por cinco minutos. Quando você se sentar novamente no batente, perceberá que estará mais focalizado.

* É crucial estabelecer prioridades. Se não o fizer, ficará tão assoberbado que só conseguirá se libertar alguns poucos dias no ano para ver e curtir seus amigos de verdade .

* Permita-se encerrar definitivamente relacionamentos e projetos que drenem sua energia.

* Faça apenas aquilo em que você é fera e delegue o resto. Isso é importante, pois quando nos dedicamos àquilo que é nosso talento, o trabalho se transforma em prazer.

* Tenha em mente que alguns de seus melhores pensamentos brotam quando você não está fazendo nada. O ócio está se tornando uma arte esquecida.

Pense nisso e não faça nada ! (Se conseguir, me avise como)

2 comentários sobre “Não fazer nada exige muito esforço

  1. Milton,obviamente, sempre o meio termo é o indicado.
    Domenico De Masi pode ser exemplo, pois seu livro O Ócio Criativo traz um título que pode ser mau interpretado. O convite é para que se possa ter prazer permanente no trabalho e não que se fique dependente do ócio.
    Acredito que bom caminho é gostar tanto do trabalho que possa ser prazeroso trabalhar.
    E, como você mesmo elucida, seu trabalho não se resume à CBN, inclui além dos preparativos para o mesmo, outros paralelos e outros que não se relacionam.
    Ócio bom mesmo é aquele produtivo.Ou o esportivo. Que tal tenis, ou golfe?
    A propósito, não concordo com estas matérias de fim de ano , martirizando quem está trabalhando no Natal.E daí, e os artistas que trabalham nos feriados, os jogadores de futebol idem, os lixeiros de madrugada. Algumas pessoas se degladiam por um emprego e depois fazem o mesmo para as folgas.

  2. Carlos,

    Quanto as reportagens sobre os trabalhadores do Natal fazem parte da leva de pautas sem sentido que costumamos executar nas datas festivas. Impressionante nossa falta de criatividade. Todo ano repetimos os temas. Todo ano repetimos as frases. Todo ano repetimos as expressões. Talvez fosse um ótimo período para praticarmos o ócio criativo.

    Aliás, nem seria necessária tanta criatividade. Bastaria nos perguntarmos: “Por quê?”.

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