Civilidade

Por Fernando Gallo

Um filósofo – não sei qual – disse certa vez que o grau de civilidade de uma cidade pode ser medido pela largura de suas calçadas.

A largura de suas calçadas, quem poderia imaginar?, e no entanto faz tanto sentido, mais espaço para as pessoas, menos para as máquinas, abrir lugares para os calçados, que barulho não fazem, ou fazem menos do que motores, engrenagens, e toda sorte de componentes ruidosos que se põem a invadir os nossos ouvidos, mal não haverá em mais dignidade ao trânsito dos pedestres, tão alijados do processo de ir e vir nessas calçadas estreitas, a desviar uns dos outros, dos postes, a transitar pelo meio-fio, o risco de cair na pista e lhe passarem as rodas por cima a qualquer momento.

A largura das calçadas deveria integrar um índice de civilidade, mais ou menos nos moldes desse que chamamos IDH, utilizado pelas Nações Unidas para auferir o desenvolvimento humano nos países, alvissareiro que pensadores bem intencionados tenham conseguido estabelecer alguma humanidade e ciência nisso que temos chamado economia, e que trata tudo tão vagamente, o mercado, o crescimento e tantas outras palavras que de exatas nada têm, mas nos perdemos um pouco quando falávamos de nosso IDH, ou melhor, de nosso IC, Índice de Civilidade, este muito menos complexo do que aquele, sem fórmulas matemáticas nem metodologias tão acuradas, vamos nos valer apenas de nossa observância, nossa vivência, disso que alguns chamarão empirismo.

Estando certo que o ponto de partida de nosso índice serão as calçadas, podemos passar sem grande dificuldade para os outros componentes, mais difícil é começar, usaremos este chavão para deixar claro que as palavras têm esse poder de por em ordem os raciocínios, que os pensamentos vão se encadeando à medida que os vamos imprimindo no papel, embora papel disséssemos na época das máquinas de escrever, agora deveríamos dizer LCD, sigla anglófona para as telas modernas de computador, veja o leitor que dizíamos que os pensamentos vão se encadeando à medida que o texto vai saindo – diremos assim para simplificar – e acabamos por nos dispersar.

Vamos logo, então, Machado dizia que o leitor tem pressa, embora a pena corra devagar, não é o nosso caso, blogs, ao contrário dos livros, não devem se prestar a longas divagações.

Pois passaremos logo às nossas outras proposituras: todos os assentos do transporte público serão preferenciais, assim tentaremos corrigir o bem intencionado erro do cidadão que instituiu os bancos exclusivos, e acabou por excluir dos idosos, das grávidas, das pessoas com deficiência e congêneres a preferência que lhes devemos em todo e qualquer assento. Também temos profunda crença em que toda e qualquer pessoa nascida do sexo masculino deverá ceder seu assento para toda e qualquer pessoa nascida do sexo feminino, acalmem-se as feministas, não estamos a tratar de fragilidades, temos tido, aliás, provas cabais de qual é o verdadeiro sexo forte, dizíamos, porém, que não é de fragilidades que se trata, mas de gentileza, costume que inadvertidamente começamos a abandonar tão logo queimaram o primeiro sutiã.

Gostaríamos de ver dobrado o tempo em que permanecem abertos os faróis de pedestres, mal eles têm permitido que nós cruzemos as ruas, que dirá os mais sedentários, as velhinhas, as pessoas com restrição de mobilidade, essas gentes para quem pouco serve esse sistema de governo a que nos habituamos chamar de democracia, talvez devêssemos chamá-lo oligocracia, pouco tem servido à maioria, que dirá às minorias.

Incluiremos também no IC as filas, tanto de um lado quando do outro, deixem-nos explicar, daquele outro lado do balcão estão bancos, supermercados, redes de comida rápida, instituições que vivem a nos privar de um de nossos bens mais preciosos, o tempo, a saber, tão valioso em nossos dias que consta do dito “quem trabalha não tem tempo pra ganhar dinheiro”, muito haveria que se dizer sobre esse ditado, não fosse o tempo do querido leitor tão precioso. Deste lado do balcão, por sua vez, estamos nós, que temos desrespeitado a ordem das filas, seja descaradamente, somando-se a ela pela frente ou pelo meio, seja saindo de posições desfavoráveis para abrir uma nova fila quando um novo caixa é aberto. Neste caso, averiguará o IC o quanto aqueles estarão nos privando de tempo e o quanto nós teremos respeitado a ordem original de chegada, costume um tanto medieval, mas não haverá nada mais meritório nestes casos do que simplesmente chegar primeiro.

Falávamos sobre a preciosidade do tempo, e será apenas por este motivo que, ao menos por ora, estas linhas vão escassear, há que haver bom senso para não cansar a platéia, embora muito mais houvesse para dizer.

Uma consideração ainda antes de partirmos: talvez esteja o leitor a pensar em como pensamos implementar todas as proposições apresentadas, se por força da lei, ao que recordaremos tratar-se de civilidade, civilidade que se faz com bom senso, gentileza, generosidade e outros que andam por aí escanteados, mas que nunca se fizeram por força da lei, senão pela bondade humana.

Ficam aqui as despedidas e o convite ao leitor, que venha nos dizer o que faria por mais civilidade aqui, ali, em qualquer lugar.

Fernando Gallo é jornalista da rádio CBN e um dos autores do Blog Miradouro

3 comentários sobre “Civilidade

  1. As calçadas estão além da filosofia, assim como as naus que naufragam em recifes durante noites de temporal.

    São Paulo é uma espécie de ébola urbana. Ela padece do virus da má administração, da falta de olhar para o futuro.

    Nossos gestores, preferem criar uma vistoria veicular, a plantar mais verde pela cidade.

    Nossos gestores fazem pontes, e esquece que além dos carros, existem pedestres que devem cruzar o rio.

    Nossos gestores, não se importam com as calçadas, nem com rampas para cadeirantes. Nem com sanitários públicos.
    Nem com o cheiro de urina e fezes que se espreita pelos cantos da cidade.

    Nossos gestores são péssimos porque somos igualmente péssimos como cidadãos, e muito pior como eleitores.

    O filosofo desconhecido estava certo!

  2. Sou paulistano e a cada dia que passa, fico mais desanimado em morar em SP do jeito e a que ponto esta cidade chegou.
    Um verdadeiro caos sem fim!
    Esta a cada dia ficando insuportável viver em SP por causa do transito infernal, predios e mais predios sendo construidos, contribuindo para um adensamento cada vez maior, degradação ambiental que cada predio construido causa e por ai vai.
    Podem estar certos que não estou e nem sou revoltado com a São Paulo.
    Pretendo em breve mudar de São Paulo para uma outra cidade onde pelo menos possa existir um pouco de dignidade, respeito ao cidadão, qualidade de vida, um local onde a ganância das incorporadoras, dos politicos, dos fabricantes de automoveis, dos gestores e da expeculação imobiliária não existam.
    Seria um sonho?
    Para onde formos encontraremos problemas, adversidades, não adianta fugir isto é fato!
    Mas aqui em SP, por mais que tentemos nos esforçar para contribuir de alguma forma, para melhorar, suavisar um pouco a vida do cidadão paulistano, noto que para os politicos, as opiniões do povo não interessam.
    E assim Êles fazem o que querem e o que bem entendem
    Ao meru ver, desculpem-me se estou exagerando, Quem manda em São Paulo são as incoprporadoras, politicos e fabricantes de automoveis.

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