Por Adamo Bazani
Dono de empresa de ônibus, considerada a melhor do Estado em linhas intermunicipais, de acordo com a EMTU, conta que os ônibus atolavam na garagem e que foi vítima de descrédito.
“Enxergar o transporte sob o olhar do passageiro, pensar primeiro na qualidade, em vez de quantidade, e ter uma dose de paixão e razão. São os ingredientes necessários para conseguir o sucesso no ramo de transportes”.
A frase pode parecer jargão de quem é dono de empresa de transporte de passageiro, mas no caso de Nivaldo Aparecido Gomes, 51 anos, reflete a realidade da história da empresa que dirige, a RIGRAS – Rio Grande da Serra Transporte Coletivo e Turismo. A empresa ganhou neste ano, o Primeiro lugar no ranking da EMTU que leva em consideração a qualidade dos serviços de transportes intermunicipais urbanos das regiões metropolitanas de São Paulo.
Assim como Nivaldo, a empresa, fundada em 1980, está rejuvenescida. A garagem limpa e os ônibus novos com boa manutenção são resultado de trabalho árduo, segundo o empresário, que começou no ramo aos 29 anos praticamente por acaso. Na época, em 1986, o primo dele, Roque Garcia, já tinha uma empresa de ônibus: a fretamento Suzantur, em Suzano. Foi quando decidiu comprar a RIGRAS, propondo parceria com Nivaldo.
Ele trabalhava desde os 15 na CTBC (Companhia Telefônica da Borda do Campo) e cursava engenharia. “Até então, nunca imaginei que ia trabalhar e me apaixonar por ônibus, mas aceitei a proposto e comecei a tomar conta da empresa, na sociedade com meu primo”
Nivaldo se considera um corajoso e vencedor. Se hoje a sede da empresa, em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo, é considerada uma das mais organizadas do Estado, o início era bem diferente. “Quando assumi a Rigras tomei conhecimento do desafio que tinha pela frente”
Desafio a começar pela própria garagem, que na época, ficava no município de Rio Grande da Serra. Se nas histórias anteriores você acompanhou que os ônibus atolavam na lama, durante o trajeto, na Rigras, o problema já começava “no próprio quintal de casa”.
“Quando chovia forte, os ônibus nem conseguiam sair da garagem, porque o pátio virava um lamaçal só. Os ônibus eram invadidos pelo barro e não conseguiam sequer sair do lugar. Tínhamos de andar de botas dentro pátio. Foi aí, que percebi, com a ajuda do curso que tive de engenharia, que deveria ver a empresa como um todo, participar de todos os processos e incentivar os funcionários a trabalharem naquelas que não eram as melhores das condições. Até hoje, atuo em todos os setores da empresa”.
Nivaldo ainda lembra que quando o ônibus saía da garagem, atolava na rua, metros depois, antes mesmo de chegar ao ponto inicial. Não havia dinheiro para pavimentar a garagem. Na verdade, havia pouco dinheiro para tudo.
Quando foi comprada por Roque Garcia, com Nivaldo entrando no desafio, a saúde financeira da empresa era horrível. Dívidas trabalhistas, com fornecedores, com poder público e apenas nove ônibus na frota, dos quais dois eram quase sucata. Os que circulavam também eram velhos, mal conservados. Eram veículos Caio Gabriela e Caio Bela Vista, Mercedes Benz 1113, com mais de 15 anos de uso intenso.
Três meses depois, ainda em 1986, Roque e Nivaldo compram outra empresa da região, a Viação Valinhos, com 15 ônibus. As situações financeira e da frota eram praticamente as mesmas. Enquanto o primo tocava a Suzantur, Nivaldo se dedicava à Rigras. Saía de madrugada da garagem , fazia socorros mecânicos e cuidava da contabilidade”.
Um dos maiores desafios foi enfrentar o descrédito da população, a Rigras tinha até então uma péssima imagem, dos fornecedores, dos cobradores de dívida, de alguns funcionários e do poder público. “Eu tinha de convencer todos que queria trabalhar com seriedade, que não tinha o propósito de fazer milagres, mas que eu queria melhorar os transportes na região de Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e Suzano.”
Nivaldo lembra que, ainda em 1986, teve uma reunião com vereadores de Rio Grande da Serra. “Eles colocaram um gravador na mesa e tive de registrar todas minhas promessas de que faria uma boa administração. No início, pensavam que eu era mais um aventureiro no setor de transportes”. A associações de bairro também cobravam desempenho da empresa
“O jeito então, era trabalhar, mais que o dobro”.
A situação financeira da empresa ia melhorando aos poucos, com administração racional, mas ainda era difícil. E Nivaldo se cobrava constantemente para haver uma mudança.
“Lembro-me de um dia que um fornecedor veio fazer uma cobrança para mim. Dias antes, tinha luxado o dedo e colocado uma tala para imobilizá-lo, mas eu já tinha melhorado. Quando ele veio me cobrar, tinha vergonha de dizer que não tinha dinheiro, então, coloquei a tala de novo no dedo e disse para ele passar depois de uma semana, porque não podia assinar os cheques e as notas. Não foi desonestidade, foi vergonha mesmo. Hoje eu e esse fornecedor rimos muito desta passagem”.
Depois de cerca de três anos, o primo de Nivaldo, decide sair da sociedade. O sogro do empresário, o construtor Jaime João Franchini, entra de novo sócio e a empresa ganha fôlego, apesar das dificuldades.
A garagem da empresa sai do “lamaçal” de Rio Grande da Serra e vai para Ribeirão Pires. A “nova” garagem era de terra e tinha muita lama com a chuva, mesmo assim era melhor que a anterior.
Razão e coração
“Todo o empresário de ônibus que atua de maneira séria e honesta quer ver sua empresa entre as melhores e prestando bons serviços. Porque ele pensa, claro, em seus ganhos, mas nos passageiros e na reputação da empresa, que acaba sendo a extensão da própria família. Mas a linha entre a emoção e a razão nesse desejo de melhorar é muito tênue e perigosa”.
E Nivaldo sentiu na pele vários baques, que, com a experiência, auxiliaram, a administrar melhor e mais racionalmente a empresa. “O empresário quer logo ver sua viação com ótimas instalações e ônibus 0 km, porque, no fundo, todo o empresário do setor, tem de ser um amante de ônibus. Mas aí é que mora o perigo, é necessário dosar a emoção”.
Os olhos brilharam ao lembrar quando conseguiu trocar parte da frota da RIGRAS pela primeira vez ao comprar ônibus usados, mas em melhores condições e mais novos da extinta Éroles, Mogi das Cruzes, uma potência na época.
O grande baque, no entanto, veio com os planos econômicos, no fim dos anos de 1980, quando a inflação atingia índices astronômicos. “Na empolgação, mesmo planejada, e no afã de querer ter uma empresa com conceito, respeitada e oferecendo bons serviços, em 1988, decidi comprar veículos zero quilômetro. Foi aí que comprei 8 ônibus Mercedes Benz, Monobloco O 364, a coqueluche em ônibus naquela época”.
A topografia de Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires com subidas e muitas vias de barro não favorecia o uso de monoblocos, ônibus com motor traseiro, que são de manutenção mais cara e não possuíam as mesmas condições de enfrentar barro e lama, como os Gabriela e Bela Vista, que eram encarroçados sobre chassis de caminhão, com adaptações. Mas o pior da compra dos modernos monoblocos, foi a situação econômica do Pais. Os ônibus foram financiados e os juros do financiamento se tornavam impagáveis, devido a inflação. Em 1988 chegou a 933%.
Nivaldo é grato até hoje a um outro empresário de ônibus, que o salvou da liquidação bancária. Trata-se de José dos Santos, na época dono de empresas da capital paulista, como Viação Himalaia e Viação Castro. “Ele ficou com os monoblocos O 364, assumiu os juros nos banco, e ainda nos possibilitou o uso de seis ônibus usados de suas empresas. Isso nos salvou e foi uma grande lição. Lição de administração e planejamento e de ética. Fui ajudado pelo José dos Santos, o que prova que empresários do setor podem sim concorrer, mas de maneira ética, e até se ajudar, se for o caso”.
Vendo mais racionalmente o setor, Nivaldo começou a selecionar as linhas que realmente poderiam ter futuro. “A seleção não era pelas dificuldades que as linhas apresentavam, porque praticamente todas elas eram pequenas estradas de terra, mas pela perspectiva que elas teriam. E para isso, era preciso ter visão”
Algumas linhas municipais de Rio Grande da Serra foram repassadas e outras com maior estrutura, intermunicipais que eram operadas pela Visul, em Suzano, foram adquiridas.
(Semana que vem, a virada que levou a Rigras ao topo do ranking da EMTU)
Adamo Bazani é repórter da CBN, busólogo e toda terça escreve no Blog do Mílton Jung.

Sabe, Adamo, acho essas linhas que cruzam o interior heróicas, não só pelos percalços que enfrentam em estradas difíceis, mas também pelos serviços que prestam às comunidades.
Vou ficar em um exemplo apenas, para encurtar. Eu cruzei a Serra Cipó, em estrada de chão, de ônibus. Boa estrada, paisagem linda. Mas o que mais me tocou foi ver o ônibus parar em vários locais para os mais variados serviços.
Entre eles, para que as famílias descessem suas compras, subissem gaiolas com frangos, escoassem a produção rural. E também para que mandassem seus filhos, de carona, com a proteção do motorista, para escola; para que um agricultor encurtasse o caminho com suas ferramentas.
Enfim, muita solidariedade. Não é à toa que todas as pessoas que divisávamos no caminho, do alto de um morro, da curva de uma colina, de onde estivessem, acenavam quando avistavam o ônibus.
Um abraço,
Eliane.
Valeu Elaine pelo seu depoimento. Infelizmente, muitos lucram alto com ônibus e até usam o poder originado por esse lucro para manipular a política, a sociedade e jsutiça, mas o que vc falou mostra-nos também que o ônibus possui um caráter de ente social, que colaborara para a integração das pessoas e não só as leva, mas leva dignidade, quando usado em prol da população. E exemplos como este empresário e outros tantos mostram que épossível o ônibus ser um gerador de lucro para a iniciativa privada e beneficiar a sociedade ao mesmo tempo. Abraços e obrigado pelo depoimento
Adamo…
mesmo que não tenha terminado a historia (imagino que por determinação da chefia!) queria te parabenizar, pois além da historia ser bonita, suas palavras colocam mais emoção a mesma, assim como a interpretação é de facil concepção.
PARABENS!
Abraços!
Olha eu tenho 22 anos, me lembro muito pouco da rigras de antigamente, mas hoje como morador de Ribeirão Pires, fico muito feliz, por saber que uma empresa de transporte publico de minha cidade é considerada a melhor do estado de São Paulo, e como na propria matéria diz, tem que ter amor por esse ramo, pensar com qualidade, e saber dosar a emoção, fica de exemplo a história do Nivaldo e a Rigras, da lama à premiação.
Lembro dessa Empresa desde seu começo, eu morava na época no bairro do Soma.
Não havia transporte de qualidade em Ribeirão Pires, em especial nesses bairros mais afastado por ser lugares com vias sem manutenção e ser de terra. A outra viação que prestava serviços não investia.
As vezes nem enviam ônibus nos locais.
Então chegou a RIGRAS e revolucionou o transporte.
Somos gratos por ter enfrentado os desafios e sempre tentando melhorar.
Moro em Ribeirão há 41 anos e sempre usei transporte público, conheço bem a luta dessa Empresa.
Lembro dessa Empresa desde seu começo, eu morava na época no bairro do Soma.
Não havia transporte de qualidade em Ribeirão Pires, em especial nesses bairros mais afastado por ser lugares com vias sem manutenção e ser de terra. A outra viação que prestava serviços não investia.
As vezes nem enviam ônibus nos locais.
Então chegou a RIGRAS e revolucionou o transporte.
Somos gratos por ter enfrentado os desafios e sempre tentando melhorar.
Moro em Ribeirão há 41 anos e sempre usei transporte público, conheço bem a luta dessa Empresa.
Velhos tempos quando eu achava que o sofrimento havia acabado vem o KASSAB com suas medidas equivocadas.
E pensar que o Santão um dia já ajudou a RIGRAS…
Tou surpreso! Mas feliz, por descobrir esse lado dele. Há bondade no mundo gente. Temos que crer!