Mudou muito, mas ônibus já transportaram porco e galinha

 

Por Adamo Bazani

Dois amigos unidos pelo ônibus relembram passagens curiosas e falam das mudanças profundas que ocorreram no transporte de passageiros, na segunda parte desta reportagem

SÃO CAMILO 147

Lázaro Barbosa da Silva, 44, e Márcio Antônio Capucho, o Miranda, 37, se dizem testemunha ocular da evolução do transporte de passageiros, tanto em relação aos modelos dos ônibus, como às cidades e às operações.

Na Viação Cacique, tinha uma linha que ia até um bairro de São Bernardo do Campo, chamado Represa. “Era praticamente uma zona rural dentro da cidade grande. O ônibus ia até uma rua asfaltada, o restante do bairro era de ruas de terra e lama quando chovia. Os passageiros, educados, diferentemente de muitos de hoje, iam com um sapato até o ponto de ônibus. Lá, eles trocavam de calçado, sujo de barro, para entrar no ônibus. Muitos trocavam até as roupas de cima. Parecia um passageiro até o ponto e outro dentro do ônibus. Mas era inevitável, os ônibus sempre acabavam ficando sujos por dentro”, conta Lázaro.

E na época das festas de fim de ano ?

“O pessoal ia com animais vivos dentro do ônibus, para depois servirem de almoço nas festas. Quantas vezes eu trabalhei com cacarejo de galinhas na minha orelha. Um dia, me lembro como hoje, um passageiro entrou com um porco dentro, isso no início dos anos 80. O bicho se soltou, começou a correr no veículo e os passageiros também. Foi uma bagunça só, o porco no chão e os passageiros subindo nos bancos. Fora a sujeira e o cheiro dentro do carro” , diverte-se Lázaro.

O que faz Miranda lembrar as dificuldades da região do ABC Paulista no início da sua carreira eram as ruas de terra e cascalho, desafios para os motoristas. “Eu ainda novo, quis pegar o ônibus de um motorista chamado Marcondes. Então, ele ficou ao meu lado enquanto eu dirigia. Numa ladeira de terra, no Jardim Itapoá, região do Parque Capuava, em Santo André, me desesperei. Simplesmente o carro, um Caio Amélia, começou a deslizar na ladeira. Eu queria devolver a direção para o Marcondes, mas ele, dizia: ‘Não dá, não dá pra parar, agora você tem de ir até o final da ladeira’. A traseira puxava para um lado e a frente para o outro, os pneus não seguravam na via, mas no final, depois de muito susto, deu certo”

As mudanças no transporte do ABC

SÃO CAMILO FORD TESTE

A época do barro e das ruas de terra foi chegando ao fim dos anos 80, no ABC Paulista. Miranda e Lázaro viram bairros que de matagais se transformaram em regiões populosas. A evolução do Jardim do Estádio e do Curuçá, em Santo André, do Baeta Neves e do Represa, em São Bernardo do Campo, por exemplo, teve a participação das linhas de ônibus nas quais os amigos trabalhavam. Os ônibus chegavam antes mesmo da infra-estrutura necessária. Por isso que veículos, empresários e funcionários tinham de ser desbravadores urbanos.

Miranda, que escorregou com muito ônibus em rua de terra, garante: “O motorista se estressava bem menos que hoje. O trânsito, a violência e falta de educação de muitos passageiros são obstáculos bem maiores que as ruas de terra, o lamaçal e os porcos e galinhas dentro dos ônibus.

No ABC e em São Paulo, com as linha intermunicipais, vários foram os momentos marcantes, alguns até assustaram e remodelaram o perfil dos transportes urbanos. Vejamos algumas delas:

Modernização dos veículos – Os amigos se recordam dos ônibus que eram feitos sobre chassi de caminhão, os LP da Mercedes Benz. “O freio a óleo era difícil, não funcionava de imediato, tínhamos de ficar “bombando com os pedais”, conta Lázaro.

Quando chegava ônibus novo era uma festa na garagem. “Quando vieram os Sacolões, apelido dado aos Padron Ciferal Alvorada, por ser bem maiores que os antigos Caio Amélia e Caio Gabriela, foi inesquecível na garagem da São Camilo. Me recordo até hoje, eram os ônibus de prefixos 222 e 333. Carrões para época”, conta Miranda.

Perfil dos empresários: Eles lembraram de empresas do ABC Paulista que não mais existem, como Viação Bartira, Viação São Luís, Viação Santa Rita, Viação Miranda, Viação Nima, dentre tantas outras. Lázaro lembra que nos anos 90, a inflação impactava os negócios. As mudanças de empresas eram tão rápidas, que muitas vezes, não dava tempo de pintar o carro com a nova razão social, que a linha e os veículos iam mudando de dono.

O tamanho das empresas também mudou nos anos 90. As pequenas eram compradas pelas maiores. Empresários locais, davam espaço a frotistas de todo o País. É o caso da Viação São Camilo, onde trabalham Miranda e Lázaro A empresa foi comprada pro Baltazar José de Souza, que tem ônibus em diversas regiões do País. A troca de ônibus entre empresas de regiões diferentes e mesmo dono foi mais intensa. Ônibus novos vão para cidades onde a legislação sobre a idade da frota é mais rigorosa. Os demais vão para lugares em que a lei é mais branda. Na São Camilo, era comum a troca de carros de Santo André para Manaus.

“Por rádio-comunicador, internet e telefone fiz várias amizades com colegas do mesmo grupo, mas que até hoje não conheço pessoalmente. Além disso, de tanto entrar em contato com os motoristas que transportam esses ônibus entre empresas, tomei um conhecimento grande de como são várias estradas, os pontos de apoio, os locais perigos, etc, sem nunca ter trafegado por elas. Hoje se eu precisar ir até Manaus de carro, vou numa boa, porque ao longo do tempo peguei muitas informações sobre as estradas” – conta Lázaro.

Apesar de reconhecer as dificuldades impostas pela economia nos anos 90, Lázaro diz que os empresários se equivocaram ao retrair os investimento. O envelhecimento da frota foi grande com queda na qualidade do serviço. Os clandestinos apareceram com ônibus quase nas mesmas condições das empresas oficiais e muita gente migrou par o automóvel.

Embarque e Desembarque: Roubos e evasão de passageiros, nos anos 90, provocaram mudanças no acesso dos passageiros que começaram a entrar pela frente. Para Lázaro, é o ideal para evitar a ação de espertinhos que não queriam pagar a passagem, mas dificulta a operação com segurança do veículo. “Os motoristas e passageiros tiveram dificuldade para se adaptar. Até hoje há acidentes, porque, por mais espelhos que o ônibus possua, a visibilidade, em carros lotados, principalmente, não é a ideal”.

Corredor ABD – Elogiado atualmente, o corredor metropolitano entre São Mateus (zona leste de São Paulo) e Jabaquara (zona sul), via Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema, com extensão para a região da Berrini (zona sul da Capital) e Mauá (ABC Paulista), criado em 1988, já foi motivo de preocupação para motoristas e cobradores. Várias empresas tiveram suas linhas substituídas: “Fui a muitas sessões em Câmara e Assembléia Legislativa para cobrar a manutenção de empregos no setor”, afirma Lázaro.

Municipalização do sistema de Santo André: No início dos anos 90, com a entrada do Prefeito Celso Augusto Daniel do PT (assassinado em 2002), o sistema de Santo André passou por uma grande mudança. As linhas da então Viação Alpina foram incorporadas pelo poder público municipal e as empresas particulares na época (Humaitá, Curuçá., Parque das Nações, Padroeira do Brasil, São Camilo e São José) recebiam pelo quilômetro rodado. “Começávamos a ser mais fiscalizados e tínhamos de dar mais satisfação ao poder público. Havia relógios de ponto nos terminais. Mas isso foi bom, começamos a saber lidar com mais responsabilidades e com uma operação mais profissional. Hoje a fiscalização é muito mais intensa do que quando eu comecei a trabalhar com o Miranda, mesmo o sistema não sendo mais municipalizado e por quilômetro rodado. A EMTU – Empresa Metropolitana de Transportes – é muito exigente, e no fundo, isso é bom não só para o passageiro, mas para o profissional”, diz Lázaro.

Profissionais especializados: Para se manter no mercado, cursos de especialização e interesse pessoal do motorista em se informar e se desenvolver são fundamentais. “Os modelos eletrônicos são mais fáceis de dirigir do que um carro, mas exigem um preparo. Antes, todos os ônibus eram praticamente a mesma coisa. O acesso a informação agora é mais facilitado. O passageiro é outro. O motorista não pode só entender de volante, tem de ter noção de mundo. Ele é cobrado indiretamente nas ruas por isso”.

Identidade das empresas: Os dois amigos que cresceram juntos no setor, também lembram com saudade da época que cada empresa tinha sua identidade visual. “Não era poluição visual como dizem por aí, a população sabia quem a servia de verdade, a empresa tinha de mostrar a cara. Cada viação tinha sua pintura e nome escrito de forma grande”, diz Lázaro. “Hoje em dia, ônibus municipal e intermunicipal tem pintura padronizada. Em Santo André, nem o nome das empresas aparece. É só o nome do consórcio (União Santo André) e a pintura padrão. A população tem de ter o direito de saber quem a está transportando”, conta Miranda.

Novos tamanhos: O uso dos micrões, ônibus maiores que os micros e menores que os convencionais, eles nunca imaginaram que ocorreria. Os veículos dispensam cobradores e algumas empresas, como a Viação Vaz, em Santo André, só operam com estes carros. “O engraçado é que os micrões são iguais ou maiores que os Gabriela que eu comecei a trabalhar, época em que tinha cobrador”.

Trânsito: mais carros, mais gente, mais trabalhadores na área de serviço que exige deslocamento rápido, mais renda e políticas públicas equivocadas, fizeram com que o trânsito se transformasse em um dos maiores pesadelos para o transporte de passageiro. “Viagens que demoravam 20 minutos na minha época da Viação Cacique, com barro e tudo na pista, hoje levam mais de uma hora, com asfalto lisinho”, diz Lázaro. Das empresas de transportes coletivo, se passou a exigir, também, participação nas soluções do tráfego: “Eu mesmo participei ativamente na troca de mão de ruas em todo o centro de Santo André no fim dos anos 90. Eu desenhava os trajetos e ponderava como seria a convivência entre ônibus e carro em vias cada vez mais menores para tantos veículos”,conta Miranda.

Mesmo após falarem das muitas mudanças que ocorreram no transporte público, Lázaro e Miranda ainda tiveram motivos para se emocionar ao verem o álbum de fotos antigas da Viação São Camilo, onde cresceram como profissionais. Foram memórias recentes, outras um pouco mais distantes, mas que marcaram. Passagens tristes e alegres que mostram como é humana a história dos transportes.

“A amizade e a alegria do ex-coordenador da São Camilo Anísio Marques que nos incentivou muito, ainda estão aqui na garagem”, conta Lázaro, em sua sala na empresa que fica há décadas na Vila Assunção, bairro nobre de Santo André.

“E os testes para motoristas então que fazíamos aqui. Era muito legal. A gente colocava um copo d’água sobre o capô do motor dianteiro. O teste era o motorista manobrar suavemente, mas com uma boa velocidade, sem deixar derramar a água” diz Miranda a Lázaro.

“Você se lembra que a gente comia pastel todo o dia. Éramos loucos para dirigir os ônibus, e com a desculpa de fazer uma volta de inspeção no carro, íamos com os ônibus até as feiras da cidade. Um ia dirigindo, o outro voltava”  Lázaro fala para  Miranda
“E quando um encarregado paquerava por telefone a mulher de um motorista, que depois veio a falecer. Ele sempre dizia: que voz linda, que voz de gata, mas quando ela apareceu na garagem, ‘vixe’ que susto” lembra Miranda a Lázaro.

E foi assim, com um bate papo entre amigos que se encerrou a entrevista.

Adamo Bazani é busólogo e repórter da rádio CBN. Toda terça-feira, desembarca história e conhecimento neste “Ponto de ônibus”

2 comentários sobre “Mudou muito, mas ônibus já transportaram porco e galinha

  1. Milton,

    Como já falei em outros e-mails, eu adotei o prefeito de Sto André Aidan Ravin. Veja a ultama aberração publica que ele aprontou. Pintou todos os onibus de outra cor, arrancou todas as coberturas dos pontos de onibus que estvão em bom estado de consevação e colocou outras, com as mesmas cores dos onibus. Milton isso, custou uma furtuna. Enquanto isso, a cidade, esta abandonada em todos os aspectos, não medicos e nem remedios nos postos, assalto na cidade, ultrapassou todos os limites, os bandidos escolhe a casa e entra hora que bem entende, os parques municipais, estão abandonados, buracos nas ruas? isso, sem comentarios.,
    Não sabemos onde vamos parar com tanta incompetencia MIlton.

    Abr,

    JRS.

  2. Olá,
    Gostaria de saber qual o contato do Sr Lázaro e Sr Anisio, colobaradores da Viação São Camilo.
    Meu nome é Percival Santana filho de Sr Percio santana que também era da Viação Sao Camilo.
    Grato, Srs Lázaro e Anisio linda história.
    Obrigado

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