Como as encarroçadoras de ônibus andam no País

 

Roberto Ferreira, da Fabus, há mais de 30 anos, relembra das lutas de empresários e funcionários para o desenvolvimento do setor de carrocerias, no Brasil. Na primeira parte desta nova série de reportagens, o “Ponto de Ônibus” mostra como o segmento enfrentou o período da inflação.

CARROCERIAS SOBRE CHASSI DE CAMINHAO

Por Adamo Bazani

O fechamento de uma empresa e a onda de demissão e incerteza são dos maiores sofrimentos para o trabalhador. Não se resume a números em uma estatística de desemprego, são famílias, sonhos e projetos ameaçados – um carro a ser comprado, uma casa ou um tratamento médico que caem por terra.

Quem assistiu de perto este cenário, por muitas vezes, foi Roberto Ferreira, diretor executivo da Fabus, Associação Nacional dos Fabricantes de Ônibus, entidade que reúne as principais encarroçadoras do país. Há 33 anos na função de executivo da entidade, Roberto diz que a indústria de ônibus se desenvolveu muito e vive condição favorável, atualmente. Nem sempre foi assim, ressalta.

“Sou enfático em dizer que a indústria de encarroçamento de ônibus no Brasil é uma grande vencedora, contribuiu com o desenvolvimento do País e, mesmo que a duras penas, soube superar os momentos econômico e social mais difíceis, no s anos de 1980 e 1990”

Nascido no Bosque da Saúde, zona sul da capital paulistao, Roberto Ferreira, de 65 anos, mudou-se para Santo André, no ABC Paulista, quando era criança. Seu primeiro contato com os transportes foi entre os anos de 1966 e 1968, quando administrava com o pai, Olegário Ferreira, uma distribuidora de bebidas na região:

“Eu cuidava da parte administrativa na distribuidora, e meu pai com um velho caminhão vendia as bebidas. Tirando a área central do ABC, as demais ruaseram de barro e cascalho. Quando chovia era um Deus nos acuda. Meu pai atolava com o caminhão e eu tinha de providenciar o resgate. Na época, para trabalhar com transporte, não bastava apenas dirigir. Tinha de entender de mecânica. E eu via meu pai trabalhando, consertando o velho caminhão. Lembro-me, por exemplo, da dificuldade que era, principalmente nos dias depois de chuva forte, a subida da Rua Gamboa para a Juazeiro, no Paraíso, em Santo André. Quantas vezes o caminhão do meu pai atolava neste lugar”.

Na distribuidora de bebidas, Roberto conheceu as dificuldades no transporte e desenvolveu experiência para gerenciar empresas:

“Peguei o tino para gerenciar e dirigir um negócio de uma tal maneira que quando vendemos a distribuidora, ela valia três vezes mais que na época quando entramos no negócio”.

Na década de 1970, Roberto Ferreira continuava no ramo de transportes. Desta vez, como gerente da Expresso Santa Catarina, em Blumenau, uma empresa de transporte de carga seca. Querendo voltar para São Paulo, ele descobre uma vaga para diretor executivo da Fabus.

“Quando cheguei na sede da entidade, na Rua Guaiaúna, na Penha, fui entrevistado por um mestre em transportes: o senhor José Massa, na época presidente da entidade e que, entre 1945 e 1946, fundou a Caio – Companhia Americana Industrial de ônibus -, homem visionário, um dos pioneiros da fase profissional de fabricação de carrocerias no Brasil”.

Em 16 de fevereiro de 1977, ele assume o cargo de diretor da Fabus. Mal sabia que anos depois, por causa da conjuntura econômica, além de problemas específicos no setor, enfrentaria um dos maiores desafios de sua carreira.

“No início, pensava que era mais tranquilo que o gerenciamento da transportadora. Quanto estive à frente da Expresso Santa Catarina, eram problemas como caminhão quebrado, frete não entregue na hora, discussões por causa do preço das entregas, e na Fabus, todas as associadas entregavam seus balanços direitinho e relatavam as necessidades do setor, para entrarmos em contato com montadoras, fornecedores e poder público. Mas, as coisas logo depois não foram tão tranquilas assim”.

Inflação, demissão e incerteza

ROBERTO FERREIRAA partir dos anos 1940 e 1950, o número de encarroçadoras de ônibus profissionais no Brasil cresceu bastante. Até então, eram pequenas oficinas que adaptavam carrocerias de madeira sobre chassis de caminhão. Com as exigências maiores de usuários, frotistas e poder público, o mercado se tornava promissor. As linhas de ônibus cresciam em número e tamanho. Havia gente querendo comprar ônibus de qualidade, não mais veículos adaptados de madeira.

Surgiam as principais fábricas de carroceria, muitas se tornariam gigantes no setor, como Caio, Marcopolo (antes chamada Nicola), Ciferal e Busscar (antes, Nielson) Em 1959, quando a Fabus foi fundada pelo criador da encarroçadora Ciferal, Fritz Weismann, a entidade reunia oito associados e havia cerca de 20 encarroçadoras no Brasil.

A Fabus foi criada dois anos depois da Anfavea, que reúne as montadoras, incluindo as fabricanres de chassi para ônibus. O poder público fazia exigências em relação a implementação de tecnologias e, isoladamente, as encarroçadoras não teriam poder de negociação, tanto com governo como com montadoras. Weismann viu a necessidade de se criar uma associação para o setor de carroceria não se dissipar em empresas negociando sozinhas, numa situação em que poucas poderiam se favorecidas em detrimento do prejuízo de outras:

“Quando assumi a diretoria executiva eram 12 empresas associadas, o setor crescia até que nos anos 80 veio um grande baque: o surto inflacionário”, conta Roberto Ferreira. Com a inflação a mais de 80% por mês, foi dos momentos mais difíceis para a indústria brasileira.

“O encarroçador determinava o preço na venda, mas o ônibus era entregue dentro de dois ou três meses. Com base no índice de inflação, ele projetava o valor do ônibus. Quando entregava o ônibus a inflação real era muito maior. A venda era feita com o preço defasado, o que não só diminuía a margem de lucro como o comprometia com o fornecedor.

Muitas encarroçadoras não resistiam, se endividavam e tiveram de fechar as portas:

“Era um momento de tristeza que marcava muita gente. Principalmente quando chegavam os diretores e funcionários das encarroçadoras que lidávamos quase diariamente e se desligavam da entidade. Em muitos casos, as empresas não tinham sequer capacidade de pagar as indenizações trabalhistas e doía ouvir as pessoas dizendo: ‘Não sei o que vai ser da minha família e da minha vida agora. Tinha muito homem que chorava”.

O número de associados da Fabus indicava o mau momento da indústria de fabricação de ônibus. “De 12 associadas que existiam quando entrei em 1977, no ano de 1984, só ficaram três: a Caio, a Marcopolo e a Nielson (hoje, Busscar). E até mesmo estas empresas reduziam e muito sua participação no mercado. A Caio por exemplo, fechou unidades no Rio de Janeiro e em Pernambuco, e a Marcopolo desativou uma unidade em Minas Gerais”.

A inflação trazia outros dois fatos que aumentavam a crise no setor: a valorização do dólar e a falta de recursos das viações para renovar as frotas. Além disso, segundo Roberto Ferreira, se a indústria atrasasse a entrega ao comprador externo, tinha de pagar o lucro cessante, ou seja, o valor que o dono da empresa de ônibus deixou de ganhar por não ter recebido o veículo na data correta.

“Com o frotista interno, mesmo com os atrasos, conseguíamos negociar e eliminar o lucro cessante, mas com os estrangeiros, as negociações eram mais difíceis quanto a prazos de entrega. Dependendo do atraso, a carroceria quase saía de graça para o empresário estrangeiro”.

As empresas de ônibus também tinham dificuldades: os custos de operação aumentavam. Combustíveis, pneus, material de manutenção ficavam mais caros, mas as tarifas não podiam ser reajustadas na mesma velocidade. Muitos passageiros, com menos dinheiro no bolso, migraram para o transporte clandestino. Para os empresários, o sistema ficava mais caro e a demanda diminuía.

“Também enfrentávamos muitos problemas com juros e a proteção contra a inadimplência pelos bancos, que tornavam os financiamentos praticamente insustentáveis para iniciarmos uma linha de produção, No fim, tudo virou uma perigosa bola de neve que colocou em risco o setor de ônibus. O encarroçador já perdia nas vendas, pois não tinha parâmetros seguros para fixar preços, os custos de produção aumentavam e os ganhos não acompanhavam, já que eles tinham de ser estipulados antes do custo final e pra piorar, o mercado consumidor estava fraco e a moeda não possibilitava um parâmetro de preços para vendas externas”.

Acompanhe aqui no Blog as próximas reportagens sobre o setor de encarroçadoras no Brasil.

Adamo Bazani é jornalista, repórter da CBN, busólogo e escreve no Blog do Mílton Jung

Um comentário sobre “Como as encarroçadoras de ônibus andam no País

Deixe um comentário