De opção

 

Por Maria Lucia Solla

Chuva em São Paulo

Ouça De Opção na voz e sonorizado por Maria Lucia Solla

Olá,

quando eu era adolescente, entre os catorze e os cinquenta, tinha comigo uma sensação deliciosa que se manifestava o tempo todo, nas mais diversas situações. O meu acordar era seu momento favorito para mostrar que estava ali para ficar, e durante o dia pipocava: numa conversa solta com alguém, enquanto eu dirigia pela estrada sem fim. Ouvindo uma música que fazia ferver o sangue que corre pelas estradas de mim. No cinema, no teatro…

uma sensação folgada
iluminada
moleca
ilimitada
sem fronteira
nem preconceito
redentora

E não é que, depois de umas férias de mim, ela volta! Volta como se nunca tivesse ido embora, como se nunca nos tivéssemos afastado, firme e forte, vibrante, ágil como antes.

Noutro dia, quando abri os olhos, de manhã, lá estava ela, me acenando, sorrindo, se agarrando em mim. E eu não hesitei, me entreguei sem reserva, sem resistência, feliz com a volta dela. Fiquei rolando na cama, viajando na sensação, vendo de novo as prateleiras da vida abarrotadas de possibilidade, ideia, desafio, caminho, experiência. Onde eu posso tudo. Posso escolher o que ser. Posso ser padeira se quiser. Adoro fazer pão. Cada vez faço um pão diferente, é verdade; às vezes cresce, noutras não, um dia fica comprido e encorpado, no outro encolhido e embatumado. Mas eu faço.

Posso ser o que quiser, estar onde o meu dinheiro der, dizer o que me vier na telha, confessar, declarar, perdoar, fazer arte; ah! fazer muita arte. De todo tipo: arte artística e arte arteira. Preparar o almoço, fazer surpresa e ser surpreendida. Escolher morar onde quiser, economizar tostões ou gastar milhões. Sair de mim e passear na terra onde sim quer dizer sim, e não, não.

E de novo, cada dia que nasce, e num leque de lampejos ao longo do dia, vivencio isso tudo e me reinvento, como sempre fiz. Me lembro de que não devo nada, não tenho que, coisa nenhuma. Sou livre. Livre para desenhar e costurar os meus dias. Arrematá-los bem ou deixar os fios pendurados e sair pirilampa pelo mundo afora, saboreando o caminho, solta ou mendigando atenção e carinho,

entre o sonho e
o fato realizado
a ilusão e
a realidade palpável

vivi muitas vidas numa vida só

fui escrava
fui rainha
comi caviar
e sardinha
inebriada
fascinada
pela caminhada

Posso escrever, ler, subir, descer, chorar, rir, até tarde dormir, ou bem cedo acordar.

E você?

Pense nisso, ou não, e até a semana que vem

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de comunicação e expressão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung

19 comentários sobre “De opção

  1. Minha querida inscrivinhadeira Mike Lima

    Ai é que pega para muitos sêres, ou teres humanos.

    O tal do Seja Você Mesmo!

    Todos nascemos pelados, chorando, levamos porrada logo ao nascer.

    ai a vida, o todo, vai nos moldando, “nos lapidando sutilmente” oras de forma mas abrasiva, ora de forma mais suave, e por ai vamos.

    Lembra-se do artigo que escrevi aqui no blog ?

    “O vôo da vida”
    Acho que é bem por ai as nossas vidas.

    As nossas personalidades, as nossas mentes, os nossos modos de ser, de ter, de olhar, de falar, de rir, chorar, de cantar, de ficar quieto nos nossos cantos, de jesticular, de comer, de beber, de andar, de vestir, os nossos gostos e preferencias, pessoais, de consumo, sociais, profissionais, corporativas etc etc etc.
    Chegamos a um ponto na vida e ai, cai a ficha e começamos a nos questionar sobre tudo o que tivemos que passar, enfrentar, os véus que tivemos que tirar, as máscras e por fim sem outras alternativas, colocar as nossas caras para bater.
    E chegamos neste ponto que você chegou.
    E ai Zeca Pagodinho tem razão!
    Deixe a vida me levar, a vida leva eu!
    Porém, para chegar as conclusões que você eu também um dia depois de pegar um baita de um CB pela proa carregadaço de pedras de gelo, olhei para frente, para cima, para baixo, para os lados e notei que o céu cavok estava a minha disposição!
    Ai minha cara só deixar no piloto automatico e ficar “gerenciando” “o vôo”
    No stress!
    Pois o que falta para muitos é a coragem de retirarem os seus prorios veus e mascaras.
    Arredonde e pouse na manteiga!

  2. Olá amiga que bom inicio para um modorrento domingo de carnaval , teu texto, como sempre , danado de bem escrito e
    tão vivido e real na possibilidade de optar e desfrutar da melhor forma esta nossa passagem por aqui . Bjs gaúchos
    Maryur

  3. AMIGA MARIA LUCIA,
    BOM DIA.
    VOCE SEMPRE FOI UMA GUERREIRA,UMA VENCEDORA,UMA LIÇÃO DE VIDA,DE ALEGRIA.,DE INTELIGENCIA DE COMPETENCIA.
    BEIJOS
    FARININHA.

  4. Malu, é perceptível e tocante o quanto o teu universo é feminino… Os teus sonhos, preocupações, angústias passam sempre pela mulher que você é; e a batalha diária pode a qualquer momento ser atingida por um raio de Sol que entra pela janela da cozinha enquanto o perfume de manjericão passeia pela cozinha… é bonito, poético e surpreende. Nós, os homens, temos mais exatidão e nossas opções são objetivadas de forma mais direta. Por mais que eu brinque de poesia e devaneios opto sempre pelo sensato. Queria enloquecer… Se este comentário não tiver sentido para você descarte-o, trata-se do meu momento sem opções…

  5. Mama,
    Passei, vi, li e adorei… mais uma vez!
    Boa sorte na proposta que vais fazer… me avisa do resultado assim que tiver uma notícia, que estamos sempre mentalizando o melhor pensamento, todos aqui em casa!
    Bjs
    Pi

  6. Alpha India,

    fui sempre assim.
    O que tive foi um hiato burro que já estou superando.
    Claro que burro é determinado pela minha fita métrica, também. Quando olho pra trás e vejo que meu comportamento gerou dor, e que eu percebia, mas não queria largar o osso duro de roer, então isso pra mim é burro.
    Mas tudo isso é a minha forma de viver, de sentir; nem certa e nem errada.

    Tá tudo certo!

    Obrigada, viu?
    Céu cavok pra você, apesar de nebuloso, choroso e cinzento.

    beijo,
    ml

  7. marcos,

    e pensar que o sonho do meu pai sempre ter um filho, como primeiro rebento. Imagine a sua decepção…
    mas, quanto à tua posição, hoje, cada lugar tem a sua função.
    Mesmo o lugar chamado Momento sem Opções, oferece uma gama sem fim de possibilidades.
    Viva!

    Volta sempre, viu?
    Obrigada.

    beijo, ml

  8. Que delicia ! ler “não tenho que coisa nenhuma ” me fez lembrar de um professor na faculdade que dizia :” tudo posso para não ter que “…Acho que ele iria adorar sua ótima mensagem , mas , não tanto como eu .
    Parabens .
    “AO LONGO DA VIDA NÓS BUSCAMOS CORPORIFICAR A PESSOA QUE ESTÁ SE FORMANDO EM NÓS ” KELEMAN.

  9. Prezada Maria Lucia,

    já faz anos que exploro o mundo dos códigos e dos signos pelo estudo da linguagem, da comunicação, da psicanálise, do saber e de muitas outras formas. No entanto, nunca defini meu objeto! Porque cada linguagem propõe um paradigma de mundo diferente.

    Quando jovem, meu professor de Semiótica, Naief Sàfady afirmou:

    – “Nascemos apenas com uma idéia na cabeça e não fazemos outra coisa senão desenvolvê-la ao longo de toda a nossa existência.”

    Disse para mim mesmo:

    – “Será, então, que não é possível que haja uma mudança de vida?” Que reacionário! Perto dos 62 anos de idade, entendi que meu professor tinha razão: de fato, durante toda a minha vida persegui tão-somente uma única idéia. O único problema é que não sei que idéia é essa!

    Abraços e parabéns pelo texto. Excelente !

    Nelson Valente

  10. Rosangela,

    lindas as tuas palavras; todas elas.

    Sabe que tem um exercício que ajuda muito a gente a se dar conta de que não tem que, coisa nenhuma? É mudando o vocabulário. Em vez de dizer: “não posso ir ao cinema com vocês porque tenho que levar a mamãe no médico”, é mudar para: “não posso ir ao cinema com vocês porque vou levar a mamãe no médico”. Por exemplo.

    É divertido porque a gente vai inventando fórmulas, se corrigindo quando diz o blá blá blá condicionado, e acaba virando um jogo.

    beijo,
    ml

  11. Malu!!!

    Sinto cheiro de travessura no ar!!! e como é bom te ver e ouvir assim, mais feliz, mais arteira!!!!
    Amei “não tenho que, coisa nenhuma”
    Combina com uma frase que tbm a-do-ro: “o que os outros pensam de mim é problema deles”!!!!
    bjos e bom meio-de-semana pra vc!!!

    Ana

  12. ana bandana!

    e põe travessura nisso!

    Tô bem, sim, animada; ou seja, a minha alma está de novo encontrando espaço para se manifestar, no meio desta matéria densa.

    De quando em quando é feita uma limpeza pra matéria dar um pequeno espaço, uma brecha que seja, e aí, o sopro divino, a inspiração, o eu superior, o sopro da vida, o coração, o instinto de preservação do ideal, como se quiser chamar, consegue se mostrar.

    fica atenta, porque é apoiada em gente como você que eu consigo ousar.

    Como você diz, viva 2000 e ouse!

    beijo,
    ml

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