Minha bicicleta Centrum era mais bonita e segura

Por Milton Ferretti Jung

Os pais, que têm condições financeiras, mais cedo ou mais tarde acabam dando uma bicicleta ao seu filho. Custei, mas também ganhei minha “magrela”. Ao contrário do que ocorreu com minha irmã, cujo comportamento era considerado melhor que o meu, mesmo sendo mais moça, foi a primeira a ser agraciada com uma Monark. Obrigava-me a pedir a dela emprestada enquanto aguardava o almejado presente paterno. Recebi-o, não, porém, no Natal, época apropriada para tal tipo de mimo. Foi quando passei, em segunda época, num exame de matemática,o que não chegou a ser surpreendente na minha vida de estudante. Surpreendente, isso sim, foi a qualidade da bicicleta. Tratava-se de uma Centrum,de fabricação sueca, raríssima naquele tempo, com pneus tipo balão, tamanho 28, guarda-lamas e aros de alumínio, uma jóia. Até hoje ela está com meu filho Christian e ainda roda, se ele quiser usá-la.

Por falar em naquele tempo, lembro-me que realizei com ela vários e longos passeios. Ir de bicicleta ao centro da cidade de Porto Alegre, que para quem ainda não sabe, é de onde posto meus textos, não representava perigo. Bastava a gente tomar, é claro, alguns cuidados. O espelho retrovisor, que não vinha com a bicicleta, talvez porque os suecos já então respeitavam este tipo de transporte, era indispensável. Os veículos motorizados estavam longe de ser ameaça para quem pilotava a prima pobre movida por pedais e que não poluía o meio ambiente.

Agora tudo mudou. O trânsito é pesado e a bicicleta é a menos respeitada das conduções sobre duas, quatro ou inúmeras rodas, como a do caminhão que provocou a morte de vinte e sete pessoas. Na época a que me refiro ninguém imaginaria que Porto Alegre desse mote para uma notícia que seria veiculadas no mundo inteiro. O leitor que ligou o meu assunto desta quinta-feira – bicicleta – já deve ter imaginado que lembrei o passado para chegar ao episódio ocorrido no dia 25 de fevereiro, no qual o motorista de um Golf atropelou pelas costas um grupo de ciclistas que participava de protesto contra a carência de ciclovias na capital gaúcha. A reivindicação é justíssima. A cidade se ressente da ausência de faixas pelas quais ciclistas possam se deslocar com segurança. Sei que em São Paulo as ciclovias também não preenchem as necessidades da cidade.

Fiquei, outro dia, apavorado quando descobri que o responsável por este blog – meu filho, por sinal – iria se deslocar, de bicicleta, de casa até a CBN, ida e volta. Felizmente, afora o cansaço natural, passou ileso pela rota que escolheu. Mas retorno ao acidente, que acredito ser inédito na batalha entre quem pedala bicicletas e dirige veículos motorizados. Sabe-se que os que protestavam não possuíam licença para obstruir o trânsito. A reação do motorista, todo o modo, foi completamente desproporcional. Se em algum momento ele teve razão, perdeu-a ao investir sobre os ciclistas. Os nossos colégios deveriam preocupar-se mais com a educação no trânsito. Esta é mais importante, porque custa vidas, que outras matérias que recebem mais cuidados dos educadores.

Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)

9 comentários sobre “Minha bicicleta Centrum era mais bonita e segura

  1. Senhor Milton pai, entendo completamente sua preocupação. Fico imaginando algo como ocorreu em Porto Alegre que tivesse ocorrido com meu filho que hoje tem 4 anos. E se ele for contagiado pela paixão por bicicleta que acometeu ao seu pai, com certeza irá tomar as ruas com sua magrela para meu orgulho e medo.

    Seu texto é lindo mas tem um pequeno erro que infelizmente é usado para justificar atitudes imbecis como a desse motorista.

    Os ciclistas não estavam “obstruindo” a via. Obstruir é ficar parado na via impedindo o deslocamento de todos. Os ciclistas sim “ocupavam” toda a via, o que lhes é garantido por lei. Eles travegavam ocupando toda a via, eles se deslocavam em uma velocidade segura. Velocidade essa até superior a média que os carros da cidade de São Paulo costumam imprimir aqui, que é de 15 km/h segundo a própria CET.

    Bato nessa tecla primeiro porque os ciclistas não faziam nada de errado, pelo contrário, estavam pedalando dentro da lei e de acordo com o que estabelece o Código de Trânsito Brasileiro.

    Segundo porque se na mesma via houvessem 100 carros imprimindo uma velocidade menor que a dos ciclistas, ninguém se incomodaria com isso e sabe porque? Porque infelizmente existe uma falsa verdade de que a rua é dos carros e nelas eles podem tudo. Incentivado pela conivência da maioria dos órgãos de trânsito que nada fazem para coibir infrações que atentam contra a integridade física das pessoas fora dos carros.

    Infelizmente esse tipo de “verdade” que faz parte da maioria da nossa população é que acaba incitando aberrações como essa.

    Aquele movimento não protestava por “ciclovias”, outro entendimento enganoso. Aliás nem é correto afirmar que a Bicicletada protesta por algo. A Bicicletada é um encontro de pessoas, sem lideranças ou organização hierárquica que tem como objetivo ocupar as vias públicas de uma forma diferente. As motivações que levam as pessoas a participar de uma bicicletada, nem sempre são de protesto, algumas vão apenas para se divertir, outras para pedalar em grupo e teoricamente em segurança, e algumas vão sim para protestar.

    Em suma, meu objetivo com esse comentário é mostrar que por mais que não pareça, os ciclistas não estavam fazendo nada de errado, o que torna a atitude desse motorista ainda estúpida.

    Já disse várias vezes e repito, o dia que mudarmos essa “verdade” e considerarmos as ruas não uma via para carros e sim um espaço público que é destinado as “pessoas” (dentro e fora dos carros) isso será sinal que finalmente estaremos caminhando para uma sociedade mais justa, consequentemente atitudes imbecis como a que ocorreu em Porto Alegre serão ainda mais raras.

    Abraços e parabéns pelo seu filho e pelo texto.

    André Pasqualini

  2. Milton
    Sempre pedalei.
    Como entregador para uma loja de ferragens no Itaim Bibi, para as encomendas de costuras da minha mãe, para ir a escola, clube e quando treinava judô na vila Sonia, aos sabados e domingos ia de bike, obviamente ia a Congonhas ver os pousos e decolagens, passear.
    Algumas veses uma esticada ate o litora, serra do Japi em Jundiai, Jaraguá, Bragança Pauloista, Itu.
    Sempre montado em uma bike, isso até os meus 50 e poucos years old quando meu joelho pediu água.
    Mesmo depois de ter detonado os meniscos, passado por cirurgias.
    Sinceramente hoje, por causa do inferno em que se encontra o transito de São Paulo, falta de segurança, etc também por causa da idade, sessentão não pedalo mais.
    Minha Montain Bike está pendurada na garagem e precisando de uma bela manutenção se por acaso umdia voltarei a pedalar.

    Mas que e muito bom pedalar isso sem duvidas.

    Abraços
    Armando Italo

  3. Caro André,sei e aplaudo sua campanha em favor dos ciclistas. Não há justificativas para a atitude insólita do atropelador dos ciclistas,em Porto Alegre. Creio que nunca se assistiu,no mundo,a algo semelhante. Lembrei no meu comentário,apenas,que as pessoas usavam a via pública para realizar um movimento para o qual necessitavam de liceça da EPTC,órgão competente para a conceder. Tratava-se,sim,de um protesto. A via pública estava totalmente ocupada pelos ciclistas,que não permitiam a passagem de qualquer outro tipo de veículo. Para que houvesse legalidade no protesto,que seria garantido,com certeza, pela autoridade,bastava,repito,que fosse solicitada licença. O atropelador tresloucado não enfrentaria tresloucadamente a presença dos fiscais de trânsito,por mais doido que fosse.

  4. Prezado Milton Ferretti Jung,

    a Expressão do guarda de trânsito traduziu o horror de que estava impregnado: “Perdemos um Iraque por ano em acidentes de trânsito”. De fato, o Brasil detém esse lamentável recorde, morrem 50 mil pessoas por ano em acidentes de trânsito e 350 mil ficam feridas. Há 1 milhão de acidentes anuais.
    Quando estive em Tóquio,em 2008, impressionei-me com a divulgação em paineis, colocados em pontos estratégicos, informando o número de acidentes daquele dia (até o momento). Eram dados incríveis, que serviam como alerta para os que gostam de correr em demasia.
    Pois na capital de São Paulo, que tem a metade do número de automóveis de Tóquio, morre diariamente o dobro de vítimas, o que demonstra claramente a irresponsabilidade com que se dirige em nosso país. Corre-se demais, não se usa adequadamente o cinto de segurança e há muito motorista que dirige depois de ter bebido em excesso. Os resultados de toda essa ação indesculpável são facilmente previsíveis.
    Assim, é defensável a iniciativa de estabelecer a campanha: Não dirigir quando beber.Esse é o código. Para que essa consciência se crie, no seio da nossa população. Há muita gente achando que já se ministra coisa demais, nas escolas brasileiras, mas sou favorável a esses ensinamentos. Os pais, mais uma vez, poderão ser educados por intermédio dos filhos. E aprenderão também a não dar automóveis a quem ainda não tem maturidade para isso. Em muitos casos, essa antecipação tem sido fatal.

    A mentalidade do Sul do país é muito diferente: o empresário participa mais das questões educacionais, a partir da compreensão de quem por aí se traça o caminho do desenvolvimento. O resultado é que existe uma forte participação comunitária em todos os projetos. As autoridades estão conscientes dos “experts” para não dizer das bestas-feras do volante que circulam pela cidade. Proposta de uma campanha de Paz no Trânsito: Não beba ao dirigir.

    Abraços,

    Nelson Valente

  5. Sim,Tiago Barufi,a bike da história ainda existe. Está com meu caçula,o Christian,que muito passeou com ela. Quando meus netos eram menores, ele dava voltas com os dois pelas calçadas da rua em que moram. A velha Centrum se parece muito com o Grêmio: é imortal.

  6. A cumprir a distância de 1,50m dos carros, estariam ocupando tambem a segunda faixa… Há muitos anos observo mas não participo, e venho dizendo… Vamos passear e protestar por ciclovias ocupando a faixa da direita, que na ultrapassagem, na maioria dos casos já ocupa a faixa inteira.

  7. A melhor maneira de entender o que é a Massa Critica (ou Bicicletada) é ler esse texto.

    http://www.bicicletada.org/O+que+e

    Eduardo, nosso CTB é ótimo mas não é perfeito. Se seguirmos ao pé da letra a distância de 1,5 metros tem que ser respeitada até entre os ciclistas.

    A Massa Crítica nada mais é que um congestionamento de bicicletas. Insisto, não havia bloqueio, os ciclistas ocupavam a pista inteira e não “bloqueavam”. Há uma grande diferença em bloquear e ocupar se deslocando. E como não há nenhuma instituição por trás do movimento, legalmente é impossivel solicitar alguma autorização de forma legal. Aliás funciona mais ou menos como blocos de bairro tradicionais durante o carnaval, eles ocorrem e raramente há alguma instituição por trás, nem por isso o governo lava suas mãos como ocorre com as bicicletadas.

    Repito, quem participa das bicicletadas são pessoas comuns que se reunem e saem pedalando. Não dá nem para dizer que é um protesto pois é um evento não condicionado. Ou seja, vai quem quer e faz o que quiser. Tem gente que usa a massa para protestar, mas existe um número expressivo de ciclistas que vai na massa apenas para se divertir e até mesmo para aprender a pedalar na segurança da massa e ao lado de ciclistas mais experientes.

    Meu conselho, a Bicicletada (ou Massa Crítica) ocorre sempre na última sexta do mês e no site da Bicicletada.org tem os locais e horários de partida dela em várias cidades. Quer conhecer melhor que vá ao menos até a concentração e veja como ela funciona. Verá que principalmente na concentração, ocorre uma grande troca de informações entre as pessoas e a coisa simplesmente acontece, sem a necessidade de “alguém” para organiza-la. Aliás essa que eu considero a mágica da Bicicletada.

    Se conseguir pedalar na massa melhor ainda, e Eduardo, faça o mesmo e tente controlar a bicicletada como você sugere. Primeiro verá que isso é impossível e segundo, verá que a massa sempre descobre a forma mais segura de pedalar de forma natural.

    André Pasqualini

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