Avalanche Tricolor: No tempo do pombo-correio

 

Grêmio 1 x 2 Corinthians
Brasileiro – Olímpico Monumental

No futebol, atuei de muitas maneiras. Fui e sou torcedor sofredor – jamais alucinado como estes que  despejam suas carências e frustrações no time ou na torcida adversária. Tentei jogar bola, mas fui pouco além do infanto-juvenil do próprio Grêmio. Fui repórter de campo, no início de carreira jornalística, pela rádio Guaíba, e narrador na Rede TV!. Em nenhuma dessas funções, porém, tive tanta participação nos resultados de meu time como quando exerci o papel de gandula.

Gandula, pra não ficar dúvidas, é aquele cara que fica ao lado do campo repondo a bola sempre que esta é chutada para fora. O nome é em homenagem a Bernardo Gandulla, jogador argentino de pouca habilidade que para ocupar o tempo em que estava na reserva do Vasco, nos anos de 1930, corria atrás da bola todas as vezes em que esta saía do campo. Ganhou a simpatia do torcedor.

Eu fui gandula na metade da década de 70, a convite de meu padrinho por adoção, Ênio Andrade, dos melhores técnicos que o futebol brasileiro teve. Na época, 1975, fazia sua primeira passagem pelo Grêmio e tinha dificuldade para transmitir suas instruções ao time durante a partida. Os treinadores não podiam sair do banco de reservas.

Apesar de estar vestido como pegador de bola, tinha uma função extra. Sempre que ele necessitava mandar uma ordem para o time, me chamava de lado, dava as instruções e lá ia eu correndo até atrás do gol gremista – o goleiro era o Picasso – repassar a mensagem do técnico:  “Insiste nos ataques pela direita”, “pede para os meias trocarem de posição”, “reforça a defesa pela esquerda” – coisas deste tipo.

Em pouco tempo, os repórteres descobriram que meu papel era o de “pombo-correio” e saiam atrás de mim em busca de informações sobre as estratégias propostas pelo treinador. Leal ao Seu Ênio, mantinha os recados como se fosse segredo de Estado, não falava nem sob tortura.

Foi naquele tempo que descobri que boa parte dos erros dentro de campo se dá porque os jogadores são incapazes de entender o que o técnico pede. Mesmo alguns considerados bons de bola têm dificuldade para exercer no time a função exigida dentro da estratégia do treinador. Têm técnica, mas não entendem nada de tática.

O futebol não precisa mais de “pombo-correio” porque foi criada a área técnica, um pequeno espaço no qual o treinador pode sair do banco de reservas, se aproximar do gramado e fazer seu show particular. Dali dá ordens nem sempre respeitadas, para seu desespero.

Lembrei-me do episódio do qual participei na tarde deste domingo, enquanto assistia à estreia gremista no Campeonato Brasileiro. Em um dos momentos de bola parada, a televisão fez um clipe com a performance dos treinadores. Eles sinalizavam com as mãos na tentativa de explicar o jogo aos seus comandados, faziam careta como se fossem capazes de espantar o mau futebol, e tentavam chamar atenção com gritos e assobios.

Fiquei imaginando o que Renato Portaluppi teria a dizer a seus jogadores, que recado ele passaria ao time para fazê-lo jogar um futebol melhor e  mudar a forma de atuar , em busca de um resultado que fosse minimamente aceitável.

Foi, então, que recordei de uma das muitas coisas que aprendi olhando Ênio Andrade no comando do Grêmio. No dia do jogo pode-se até mudar alguma coisa, mas é no treinamento diário que se constrói um time. Ou seja, por mais que nosso treinador gesticule, pouca coisa vai conseguir se não treinar bem a equipe durante a semana.

Que o espírito do Seu Ênio baixe rapidamente sobre Renato.

14 comentários sobre “Avalanche Tricolor: No tempo do pombo-correio

  1. Milton,
    Belissimo texto, mostra a paixão pelo futebol e pela camisa tricolor, passeia pelo tempo.. o passado é claro. apenas uma ressalva.. não percebi em que momento falou sobre o jogo de ontem, será que foi na alfinetada ao Tecnico.. (recordo falas diferentes em outra ocasião).. ? ou os demais em campo são herois que são mau comandados.. não sei o que ocorreu com o time, mas vi no segundo tempo, alias não vi no segundo tempo, a costumeira raça do gremio, uma falta de pontaria (pois UFAAA! não é gol), uma desmarcação, pois não percebi marcação, até passe para o adversário.. Será que o espirito do Enio baixando no Renato dá jeito nisso? acho que eles teem que sentar assistir o jogo 100 vezes e se perguntarem, fomos nós que estavamos ali?

  2. Tenho apenas um comentário a fazer sobre o teu texto pós primeira derrota no Brasileirão 2011, Que saudade daquele tempo em que eras o pombo-correio do técnico Ênio Vargas de Andrade. Tempo no qual os treinadores não precisavam de espírito-santo-de-orelha e se valiam somente de gandulas obedientes e capazes de repetir suas instruções.

  3. Caro Miltinho….lindas palavras sobre nosso saudoso “velho”.
    Sou a Rosi, filha do Enio Andrade. Faz tempo que não nos vemos, mas te acompanhamos por muito tempo frente a Cultura. Foi com grata surpresa que chegou teu blog até mim, embora já soubesse que estavas na CBN…Tens nas veias a emoção e as palavras de teu grande pai. Fiquei muito feliz com essas lembranças. Mas pedir pra ele baixar no Renato??? Creio que ele deu uma mão para o Falcão! Fora as brincadeiras, podes ter certeza que ele te adotou como afilhado também e todos vocês Família Milton Yung são caros para nós. Abraços

    • Rosirene,

      Presente do coração que acabo de receber com esta sua mensagem. Seu Ênio foi muito mais importante para mim do que possas imaginar. E o que me ensinou extrapola as coisas do futebol. Querer que ele transmita aquele espírito ao Renato, é desejo de um torcedor que busca a salvação. O conhecimento do Seu Ênio e o caráter não caberiam no nosso treinador. Prazer tê-la por aqui.

  4. Só pra te sacanear, como diria a filosofia de boteco:

    “Quem vive de passado é museu” rsrsrsr.

    O jogo em si foi feinho.

    E o juiz que arrumou dois penais que não existiram ?

    O ano passado o Corinthians começou exatamente da mesma forma. Ganhou lá no sul e no segundo turno o Grêmio vem até SP e ganha o jogo. Igualmente

    Abraços

  5. Belo texto.
    Sou Corinthiana mas deixei de ter prazer pelo futebol há muito tempo. Gostava de ir aos estádios, torcer pelo meu time mas também pelo bom futebol. Sempre fui esportista e me orgulho em ser sincera quando meu time vai bem ou mal, quando outro time dá show de bola, como atualmente os meninos da Vila estão dando. Hoje eu assisto, tento fazer com que a emoção de antes volte a correr em minhas veias, mas ver como o futebol se tornou comercial, presenciar a guerra entre torcidas (essa é o que mais abomino) e ver, por exemplo, dois pênaltis iguais aos de ontem, pelo amor de Deus, isso me desanima demais. O mais gostoso de tudo isso, do fundo do coração, é ver a repercussão dos jogos no dia seguinte, no jornal da CBN. As trocas saudáveis de farpas entre os jornalistas é um show à parte. Um abraço

    • Maria Claudia.

      O futebol é para mim diversão. Claro que gostaria de sempre ver meu time ganhar, mas quando isto não acontece é se preparar para a brincadeira saudável. infelizmente, nem todos entendem o futebol desta forma e despejam suas frustrações e carências no esporte. Seja sempre bem-vinda a este espaço.

  6. Miltinho, talvez seja difícil os treinadores do momento alcançarem estado elevedo de conhecimento sobre as táticas do futebol,como meu sogro, pois além de estudioso , tinha a capacidade de motivar seus atletas,não com gestos e caretas, e sim com atitudes e trabalho, pois este sempre foi e será o único caminho para o sucesso.Estamos sempre na torcida por ti.Agradeço tuas palavras sobre ele.

    • Sérgio,

      Há males que vêm para bem. Não fosse a dificuldade para explicar a derrota gremista contra o Corinthians, não teria puxado da memória esta história marcante na minha vida. E isto fez não apenas que eu tivesse oportunidade de homenagear Seu Ênio como, também, de me colocar em contato com vocês. Obrigado pela gentileza de escrever neste espaço.

  7. UFA!!! FINALMENTE consegui postar… Bem…recordações tu tens de monte ( e que excelentes recordações)…queria eu ser gandula (sempre amei futebol, apesar de não entender nada). Aprendi a gostar com meu pai, que era torcedor do Palmeiras (tb tenho excelentes recordações) mas do jogo de ontem, sinceramente, só valeu o resultado, pq futebol que é bom pouco foi jogado…..só duas palavrinhas #VAI CORÌNTHIANS

  8. Rosireni e Sérgio,que bom ter notícias de vocês. O Mílton tem me proporcionado,neste blog,muitas emoções,especialmente quando escreve sobre futebol. Fiquem certos de que Ênio pai e genro,meu amigo,irmão que descobri nos encontros vividos no Olímpico,na casa em que ele dividia a chefia com Dona Irene,em várias excursões do Grêmio e do Inter (amizade não tem cor clubista),enfim,nos bons e maus momentos vividos pelo melhor técnico que conheci,estará sempre presente em minha memória. E na do
    Miltinho também.

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