De princípio da vibração

 

Por Maria Lucia Solla

Ouça “De princípio da vibração” na voz e sonorizado pela autora

Ando preocupada comigo; será que estou caindo no buraco da depressão? Não tenho procurado amigos, e quando a gente não está nadando na alegria e nem em condições de entreter, o mundo se afasta de você. Ando muito mais quieta do que sempre fui, saio pouco, tenho me fechado. Basta o sol se esconder por meio dia, e eu murcho. Tudo bem que a vida anda difícil para todos os que têm que viver sozinhos e do próprio sustento. Tudo bem que os relacionamentos vão se equilibrando no tênue fio do ritmo da vida e do interesse de cada um. Tudo bem que o dia amanhece às vezes nos dando tranco sem aviso, sem preparo, e leva embora certezas que, teimosos, insistimos em manter, apegados que somos. Mas tá puxado!

Os estrangeiros que estudam a língua portuguesa se surpreendem com os dois verbos que traduzem o verbo to be e o verbo être. Temos ser e estar, que apontam, um para o permanente – ser, e o outro para o transitório – estar. Não sei você, mas sinto que sou cada vez menos e estou cada vez mais, o que é inevitável, me parece, pois pelo princípio da vibração nada está parado, tudo muda, tudo vibra. Além disso o filme da vida tem passado em velocidade assustadora, e tem dias que nem me lembro de mim. Tudo muda em mim o tempo todo. Muda o paladar, o ouvido musical, o modo de ver e de viver a vida, o modo de lembrar e o modo de sonhar, o modo de lembrar e de não ser lembrada. E como a memória traz sabor mais agradável que a solidão, me farto.

muda o tipo e a medida
do amor
da expectativa
da dor
muda tudo
sempre
dentro e fora

De novo, não sei você, mas às vezes me sinto um bicho acuado, e noutras uma leoa faminta. Quando a gente não toma antidepressivo – o que hoje em dia é como andar na montanha russa sem cinto de segurança – percebe a gente e o mundo, nus e crus. Como obturar um dente sem anestesia. Por outro lado há um quê de paz em mim que não existia antes. Algo como: então tá! e um quê de agressividade na medida para me defender antes de cair no buraco já que nunca falta quem tente puxar ou empurrar. Vai ver tudo isso é só uma veia criativa com tons de depressão, ou vice-versa, que tanto faz.

só percebo com clareza
que não caí na depressão
quando olho para a mesa de vidro
no lugar daquela de madeira
que morreu
e babo com a beleza das rosas brancas
que alçam voo do vaso
de vidro também
onde eu as arranjei

Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung

20 comentários sobre “De princípio da vibração

  1. Oi querida, é inevitável esta reflexão que fizeste hoje. As almas sensíveis estão, talvez perplexas…talvez acuadas…
    O texto lindo como sempre, bjs Maryur

  2. AMIGA MARIA LUCIA.
    BOM DIA.
    BOM DIA.
    UMA PESSOA TÃO ALEGRE.TÃO VIVA COMO VOCÊ NÃO PADECE E NUNCA PADECERÁ DE DEPRESSÃO.
    O IMPORTANTE É VIVER COM VIDA.
    BEIJO
    FARININHA.

  3. Pois é Mike Lima

    “Tem dias, que de noite é fogo!
    O negócio e tocar o barco para frente, porque atraz vem gente.
    Senão vamos parar num psiquiatra e ter que ficar tomando coktail de paroxetina, fluoxetina, depakene, anafranil, lorax, etc.
    Bjus e um céu cavok!

  4. Um pouco de solidão ???

    “Só é solitário quem não é solidadário”

    Não sei se é o seu caso, mas a maioria das pessoas precisam pensar mais em ajudar ao próximo e estarão se ajudando na mesma medida

    Claro, se quiserem….

    Abraços

  5. Mama,

    A sensação é a mesma por essas bandas de Minas Gerais… o que nos mostra que não depende da latitude nem da longitude o pesar dos tempos.

    O descolamento do “ser” e do “estar” oferece uma oportunidade de nos vermos da forma que construímos nossas “pessoas” depois que Deus nos colocou no mundo. Nos tornamos separados de nós mesmos… com resistências enormes a descobrir nossa unicidade, a unicidade com Ele.

    Se “estamos” aqui, nada somos nesse mundo que não nos alimenta, e nos cobra o suor, as lágrimas e o sangue.

    Se focamos no “ser”, aqui não “estamos”. Ficamos distantes desse mundo material e sólido demais para nossa condição diáfana… espiritual.

    E esse choque, na profundidade da condição humana, gera ruído, distensões, choro e hemorragias… mas é condição humana, intrínseca, inata.

    Somos essa conta que não fecha, até que tenhamos escolhido um só lado da dualidade… e não acho que seja aquele do estado transitório.

    Um beijo e boa semana!

    Pi

  6. Filho,

    não há como evitar o transitório. Só mumificados, -perceberam os egípcios- porque assim, nem os vermes te devoram. Vivendo, no entanto, fazendo parte do movimento da vida, só transitoriamente, e com sabedoria de controle mental. Buscando o bem-estar de hoje -que também é relativo- que não venha trazer sufoco amanhã. A cada ação uma reação, e isso não tem nem traço de religião. Não tem ranço de crime e castigo. É a lei da Vida onde tudo está em movimento, tudo vibra. Quando me refiro a ser e estar, me refiro aos dois estados vibrando em baixa frequência, aqui na realidade que conhecemos. Mas como sabemos que assim em cima como abaixo, até a mais alta frequência, tudo vibra -o TODO vibra- e portanto tudo é transitório. Nada permanente.

    Se não ficamos atentos e cultivamos a flor, oferecendo água, apreço, luz e sombra na medida certa, ela se vai mais depressa, mas inexoravelmente ela vai. E aí, então, quando ela se vai, restam os vasos, que serão partilhados e onde outros vão colocar suas flores. E assim ad eternum.

    Quanto à nossa condição aqui, no plano da matéria que vibra vagarosamente, não somos nada diáfanos e estamos sujeitos a todas as leis que regem o movimento da vida. O difícil da tarefa é que vamos aprendendo ao longo dela.

    A arte de viver não é para poéticos e românticos. Estes vivem com as entranhas expostas. É tarefa para titãs ardilosos, para quem tem garra, ou melhor, garras.

    beijo,
    mm

  7. Olá Lú

    O que ocorre é com o passar dos tempos nos damos conta que somos solitários mesmo com gente a volta. Esta é a vida mas como tu mesmo diz a rosa está ali também solitária se mostrando para nós. Como diria um dos “comentaristas – Farina”: “tu uma pessoa tão alegre…”. Somos rosas para os outros nos verem. Lembra-te que neste mundo difícil ainda somos privilegiados.. Devemos nos suportar tal como somos, este é o único segredo (Sándor Márai).
    Um grande abraço,
    Anna

  8. puxa-vida!
    Cadê la mia amica super-donna? Torna a volare e a darci la tua carica, sempre poetica e mai banale, di fiducia e ottimismo.
    Então: “De bem com a vida, menos que doa” .
    Il tuo libro e tra quelli che ho sul comodino. Ogni tanto lo sfoglio e leggo prima di addormentarmi.
    Sono con te, amica mia.

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