De princípio de polaridade

 

Por Maria Lucia Solla

Janela

Ouça “De princípio de polaridade” na voz e sonorizado pela autora

Somos treinados para viver de dedo em riste; ora no nariz de um, ora no nariz de outro, do alto do pódio onde cada um se coloca. Sempre certos, e o mundo à volta, errado. Aprendemos pelo exemplo, e atire a primeira pedra quem não aprendeu a criticar, em domicílio.

esse menino não presta pra nada
tua filha tá perdida
teu pai é um banana
tua mãe uma louca
a tia é lelé
o tio um perdido
vovó um peso
vovô pinéu

para ninguém
hoje
se tira o chapéu

No entanto a todo minuto nos vemos confrontados. Há urgência de recolhermos o dedo. E não dá mais tempo de bobear. Será que foi assim também para os que vieram antes de nós, com a mesma sensação de velocidade estratosférica? Dos exatos porquês de hoje só desconfio, mas concordo com o comando e com a urgência, apesar da dificuldade do caminho. Tem que ser politicamente correto, mas vencer a todo custo. Tem que ser generoso e competitivo num pacote só, estratégico, paciente e pró-ativo, organizado, planejado e expontâneo, ao mesmo tempo. Tem que ter uma pá de amigos no Facebook, mesmo que você nunca os tenha visto, seguir e ser seguido no Twitter, plugado o dia todo e a noite também; sem esquecer de cultivar amigos, amores e flores, meditar, dormir oito horas, de preferência à noite, ler as notícias do país e do mundo, antes de malhar, puxando ferro e tentando encontrar o próprio centro vital, nessa mixórdia. Cabelos têm que brilhar, dentes têm que ser mais brancos. Tem que encarar a moda e, querendo ou não, entrar na roda. Tem que ser perfeito, tendo em mente que a perfeição não existe.

simples caso de fronteira
extremos da mesma essência
se encontrando no xis

fica todo mundo igual
querendo ser diferente
da unha do pé
ao dente da frente

se busca ser diferente
com medo da diferença
perdendo no trajeto
por ele
a paixão
suportando a dita cuja
com cara de nojo
e foice na mão

diferentes sim
só em grau
parte do mesmo todo
onde extremos
queira ou não
se tocam no final

Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung

10 comentários sobre “De princípio de polaridade

  1. Nós que nos orgulhamos de nossa condição individual e independente, esquecemos justamente que ser individual é também ter senso critico. Encampamos pacificamente a verdade de quem acreditamos ser isento e a transformamos em guerra santa. Preferimos nos render às opiniões externas e as replicamos como verdade. Isso não significa que a responsabilidade esteja fora de nós Malu. Ela é nossa, é de cada um. A opção mais fácil de ir com os outros, também fez de nós soldados combativos. Descuidamos. Por vezes odiamos o oprimido e adulamos os opressores, de nós mesmos.
    Boa semana Maluzinha.

  2. Oi Mike Lima
    Sabe porque somo assim?
    Tipo
    Padrão como vc menciona acima?
    -Porque temos medo de tirarmos nossas máscaras e nos tornarmos nós mesmos
    O seja você mesmo é dificil de assumir.
    Bjus
    Boa semana

    Vento: de Sul a Sudeste a 10 km/h
    Ponto de orvalho 16°C
    Umidade: 69%
    Visibilidade: 10 quilometros
    Barômetro: 1015,9 milibares

    Te prepara que vem água a tarde!

  3. Querida Lú

    O que escreveste é uma grande verdade. Aqueles que estão por perto não costumamos tirar o chapéu. Temos medo de ser diferente porque nos tira da zona de conforto. É nossa responsabilidade soltar da margem e atravessar o rio mas para isso tem que ter muita coragem e determinação.
    Parabéns pela escrita
    Anna

  4. É verdade, Sérgio, bem verdade.

    Um desvio difícil de contornar é que cada tribo tem seu santo. o outro é que tem um abismo a transpor entre a crítica para uso interno, para tomar seu próprio caminho e escolher os passos que vai dar, reconhecendo o preço de cada opção, e o dedo sempre em riste. É a isso que me refiro.

    Sim, também! A responsabilidade e todo o resto está dentro de nós. Somos, cada um, um universo completo.

    Agora, que há os eventos externos, não há como ignorar porque não somos senhores de todas as condições e nem temos o controle remoto o tempo todo nas mãos. Nossa responsabilidade, para conosco mesmos, é manter-nos na estrada em que cada um realmente acredita. E se bancar as próprias opções, merece seu próprio respeito, que é o que importa.

    Xiiiiiii, se deixar eu continuo. Se você estivesse aqui, então, escreveríamos um livro que só a gente ia entender… rsrsrs

    E a gente ainda insiste em falar!

    Obrigada pela companhia, viu?

    beijo,
    ml

  5. Alpha India,

    primeiro, ri muito com a tua carta de vôo para iniciantes. Obrigada! Agradeço a deferência, pra acompanhar a diferença.
    Adorei!

    Também acredito que a busca para ser diferente seja um dos caminhos para a gente se aceitar como é e esperar que o mundo aceite a gente também.

    Mas fim de domingo é hora de um bom banho, uma café com pão feito em casa, no caso na minha, ficar com o gostinho gostoso da visita do neto aniversariante e do filho, encaixar no sofá e ler até o sono chegar.

    E é o que vou fazer.

    beijo e boa semana,
    ml

  6. Anna, chuaga minha,

    Fiquei sorrindo, lendo o teu texto, lembrando do início do livro Ilusões, do Richard Bach, aquele do Fernão Capelo Gaivota, sabe? esse é o olhar. Soltar das pedras como estavam todas as outras criaturas e deixar que a corrente de vida leve a gente. Não é pra muitos. Mas é para você, minha cunhada, minha irmã, e pra você eu certamente tiro o meu chapéu.

    Beijo,
    lu

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