De educação

 

Por Maria Lucia Solla

 

Ouça “De educação” na voz e sonorizado pela autora

 

Prédio e janela

 

Olá,

 

por que é que carro ainda tem buzina? No século vinte e um, pelo amor de Deus! Quem mora na vizinhança onde eu moro sabe que a situação está insustentável durante todo o dia e principalmente no início da noite. Moro perto de um laboratório clínico, e quem está ali já está estressado o bastante para levar buzina no ouvido além de agulha no braço.

 

A invenção do automóvel nasceu da vontade do homem de se locomover mais depressa e com menos esforço. Nada contra. No início, mais parecia uma charrete com uma roda só, na frente, no lugar do cavalo. Lindo! Depois foi movido a vapor, a motor de quatro tempos, até chegar aos nossos dias, onde os bólidos se servem de toda sorte de droga para atiçar cavalos invisíveis.

 

Agora, o fato de a buzina ter persistido é que não me convence. Tem sinal de trânsito de todo tipo e tamanho, em todo lugar. Tem radar, tem pedágio inteligente, marronzinho, azulzinho, amarelo e verde, todos de caderninho na mão, procurando, eu quero acreditar, organizar o caos e punir os caóticos. Não vou dar palpite no sistema, que disso eu não entendo, mas será que quem cuida do assunto entende mesmo, num país em que ser político é ter um diploma multifuncional? Se é político e está do lado do rei, mesmo sendo professor de biologia pode reger as finanças do pais ou cuidar da malha rodoviária. Se além de político você ainda tiver prestígio, dinheiro e manha para se safar de safadeza, não há limite para o poder. Então, quem sou eu para entender de organizar o trânsito. Entendo de letrinhas, de gente, e dou um duro danado para entender de mim mesma.

 

Procuro não sair de casa, de carro, em horário crítico, para fugir da muvuca, e tem vezes que, frustrada, oscilo entre a sensação de liberdade e de prisão. Agora, vamos combinar que quem sai na chuva, pelo motivo que for, vai se molhar. A vida prega peças e, mesmo planejando idas e vindas, acabamos caindo na armadilha de avenida entupida, acidente na Marginal, ponte que arreia por isso, por aquilo, pontos de alagamento, arrastão, fila tripla de caminhão.

 

Ontem sentei na frente da loja de conveniência do posto de gasolina perto de casa, esperando que meu carro fosse lavado. Um belo capuccino, o livro que sempre levo na bolsa para casos desse tipo, e me pus a ler. Sentindo o forte calor na pele, suspirei em paz. Foi quando o gato subiu no telhado e levou com ele a minha paz.

 

Relaxar? Levei um susto com uma buzina que gritava, gritava rouca, sem parar. Levantei os olhos e dei de cara com uma mulher que dirigia um desses carros enormes que ocupam o lugar de dois. Ela tinha a janela aberta e seu braço trazia toda a caixa de jóias com ele. Irritada, batia a mão na porta e buzinava, buzinava. Me assustei, levantei da cadeira, espichei o pescoço para ver o que acontecia e, pasme!, era só o carro da frente esperando que o da frente dele conseguisse entrar no super mercado, para continuar a viagem. Coisa de trinta segundos. Num zás, a epidemia tomou conta do quarteirão inteiro, e outros começaram a buzinar histericamente sem mesmo saber por quê.

 

O automóvel percorreu um longo e interessante percurso na história, para chegar ao que é. E nós? Permanecemos um bando de mal-educados mimados. Ganhamos dinheiro para comprar carros grandes e caros para fazer crer que somos importantes, mas não tivemos tempo de nos educarmos, e buzinamos como bebês enfurecidos quando lhes tiram a chupeta. Marmanjos e marmanjas de dar dó. Vergonha!

 

Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.

 

Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung

22 comentários sobre “De educação

  1. Mike Lima

    Os emergentes hoje em São Paulo adoram comprar estes carrões enormes que mais se parecem um panzer.
    Para completar e aparecer mais ainda também doram ficar buzinando como se estivessem querendo dizer:
    “Ei, estou aqui, olha eu aqui””
    Pura auto afirmação

    Now, scarrated, low rain.

  2. Alpha India,

    peraí, o que é scarrated???

    entendi a rain e tenho que te dizer que passei perto de sufocos enormes, vindo na Raposo Tavares e principalmente na entrada da cidade, mas vim em baixa altitude levando em conta todas as condições. Final do voo, perfeito. Segura em casa.

    Beijo e boa semana,
    ml

  3. Querida não sou machista a esse ponto, outros sim rsrsrs, mas as meninas buzinam muito mais que os meninos. Pode notar. Elas estão cada vez mais impacientes.

    * Adoro a independência feminina, só não concordo em rachar a conta. Fico feliz quando elas pagam tudo rsrsrsrsrs

    Abraços

  4. Nas palavras que nem são minhas Malu:
    A caixa de jóias, o carro e todo vocabulário traduzido na buzina, só podem falar do que é a peça que tomou assento no banco e posicionou-se detrás do volante. Nosso volante está emperrado mas as buzinas se multiplicaram. O enchimento no corpo, aparece mais evidente no quase vazio da cachola, né?.
    Noves fora, sobrou o ruído do carro que já ocupa dois lugares e carrega menos que um.
    Boa semana Maluzinha.

  5. Ezequiel,

    não sou feminista, gosto de ser chamada de querida, e fico feliz de saber que você não é machista. Odeio “istas”, com honrosa exceção para os gremISTAS, grupo dos quais fazem parte meus filhos, o tio, dono deste blog, esta que vos fala (rs – além de sãopaulina…) e outras pessoas queridas.

    Você tem razão, as meninas buzinam muito, são mais impacientes e têm a boca mais suja do que a dos meninos.

    E também não gosto de dividir a conta. Sou antiga! Há!

    Beijo, boa semana e obrigada pela visita,
    ml

  6. Alpha India, bom dia!

    Obrigada. Indicações do site que você sugeriu devidamente anotadas, mas vou evitar sair de casa mesmo assim. Seguro morreu de velho, dizem, o que me assusta porque sem seguro!? Não dá!

    Boa semana pra você,
    ml

  7. Sérgio, saudade!

    hahahahahaha!
    Entre ruído de motores, rangido de brecadas, buzinaço sem dó nem piedade do pobre mortal e palavrões que preenchem e saltam da boca de donzelas e mancebos, there is nothing else left for imagination.

    Não gosto de entrar nessa vibração de reclamação, mas enquanto escrevo, lá fora as buzinas se esguelam. Haja!

    Bom dia e boa semana.
    beijo,
    ml

  8. Oi querida Malú!
    Nossa, não vivo neste mundo do transito do dia a dia e fica o meu medo de perder minha calma neste mundo que parece nada mudar.

    Beijus e um linda semana.

  9. Alpha India,

    escrevi uma resposta comprida e inspirada pra você, que já me fez rir duas vezes, e isso não tem preço e nem gratidão que pague, mas o blog comeu. Por que? Pra me punir porque eu não coloquei todos os meus dados nos lugares previsíveis. Dei um “enviar comentário”e pra onde ele enviou? Hein?

    Enfim, sugiro uma campanha contra a buzina; o que você acha?

    beijo,
    ml
    PS: Agora fui esperta e copiei a mensagem antes de enviar. Vai que…

  10. Karen querida,

    não queira fazer parte dessa loucura, ou adie o quanto puder.
    Não vale a pena; acredite!
    E como dizia meu pai e eu não canso de repetir: cada um tem o que merece.

    Agora, por exemplo, já estou com tremedeira miúda só de pensar que vou enfrentar o “caroço”da manhã daqui a bem pouquinho.

    Beijo e um querer bem muito grande,
    ml

  11. Alpha India,

    rsrsrs

    só agora vi teu recadinho. Adorei o poema!

    Notei que vc não cogita de bici e nem de moto… sabe que estou bem inclinada a vender meu carro e comprar uma scooter? Lembra da Lambretta? Nunca mais fizeram alguma coisa tão fofa. Gosto do diferente. Tive um Twingo verde que atendia pelo nome de Sapo e até hoje não vi mais nenhum carro assim arrojado e valente, sem medo de ser diferente.

    beijo e até mais,
    mls

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