De prosa

 

Por Maria Lucia Solla

 

 

Já disseram tudo. Sóis e luas em forma humana. Drummond avisou que No meio do caminho tinha uma pedra. E sempre tem. Todo grande amor só é bem grande se for triste, ameaçou Vinícius, e depois ouvi o que tinham para dizer, Cora Coralina e Cecília Meireles. Um pouco de tudo. Muito de tão poucos. Acabou que não me importa mais se o mundo está acabando, se está mudando ou só começando.

 

Hoje de manhã falei com a tia Inês, no telefone. Fazia tempo que a gente não se falava, e isso não é normal. Mas o que é normal? Deus me livre do normal. Do uniforme. De uniforme eu gostava na escola. Me vestia de estudante, era vista na rua como estudante. Era uma honra, o uniforme! Mas voltando ao papo com a minha tia, a gente falava de vida, eu da minha, e ela da dela. Falamos, falamos, filosofamos. Quando eu choro ela me afaga de longe. Minha tia não chora. Vibramos com a alegria uma da outra. Falamos menos para informar a outra do que está acontecendo, do que para nos ouvirmos traduzindo cada uma o próprio coração, às vezes nos aventurando a traduzir o da outra, que é assim que a gente fala com quem se ama. Ultimamente andamos em descompasso no ritmo das nossas vidas, ela e eu, mas nunca nos afastamos. Esteja ela numa fase macia, e eu numa rugosa, ou o contrário, nos falamos. Hoje falamos de fases muito difíceis e muito longas. Até rimos quando nos demos conta de que quando a situação está ruim ainda pode ficar muito pior, dia após dia, sem intervalo entre os atos; sem tempo para trocar os costumes. Cenas pesadas se arrastam; as leves voam. Faz sentido! vamos descobrindo ao longo do papo.

 

Agora sei que a dor não é o fim. A dor é o começo. Caiu a ficha. É poção reparadora, transformadora, necessária, como todo o resto. É o espinafre no prato do menino carnívoro, talvez. Crescer dói, todo mundo sabe, mas desta vez devemos de verdade estar crescendo muito, porque a dor tem campeado desenfreada. A resistência e ela, de mãos dadas.

 

Quanto a mim, vou continuar não pedindo nada nas minhas orações. Agradeço e ponto. De manhã, de noite e milhares de vezes durante o dia, mas de hoje em diante, só no começo, até incorporar, vou agradecer também pela dor. Assim mesmo, com ênfase na gratidão por ela.

 

não vai ser fácil
mas vou repetir
de coração
só até acostumar
ou a dor terminar
de cumprir o seu dever

 

com tudo isso me dei conta
de que fui atrás de poetas
buscando o prosaico
na poesia
e acabei encontrando poesia
no prosaico

 

Obrigada, tia!

 


Maria Lucia Solla é professora, realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung

12 comentários sobre “De prosa

  1. Maria Lúcia, com que dor você está falando em se acostumar? Aquela que foi terminou poucos dias atrás? Aquela foi danada, né? Agradeça sim, porque para você, ela deixou a força, a experiência e a certeza do sucesso, né?
    beijo,
    Norma

  2. Prima, que bom que encontra força na família, e que da dor consegue escrever lindos textos que ajudam outras pessoas também em sofrimento.
    E lembre-se, a dor é uma mestra, por isso precisamos decifrar sua mensagem para nossa libertação.
    Conte sempre comigo
    Bjs carinhosos
    magutcha

  3. Oi Mike Lima

    Não sei qual tipo de dor

    Mas vivemos no fio da navalha, entre as duas linhas paralelas, da dualidade das coisas

    As vezes pensemos para um lado ora para outro.

    Quando pendemos “para o lado” negativo”, em certas ocasiões temos que usar de uma forma descomunal ara voltar para onde esta a lina do lado positivo.

    Se não…………………..

    Bjus e excelente semana

    E eu aqui com dor na coluna, mancando de uma perna por causa do ciático detonado, graças a um tranco que minha cachorrinha “básica” me deu na rua na semana passada.

    E da-lhe pomada de cataflan, para poder voltar a linha positiva!

  4. Lu
    Falas da dor como crescimento. Haverá algum criador tão incompetente para nos induzir o aprendizado pela dor? Porque não podemos crescer simplesmente, como tudo o mais. Como cada dia que é vivido? Me desculpe mas não aceito esta tese da necessida de da dor.
    Abraço,
    Anna

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