Por Vera Lucia Crepaldi Selma
Ouvinte da CBN
Bisneto de imigrantes italianos, Luiz nasceu na cidade de Ibitinga., interior de São Paulo. Filho mais velho de Guerino Crepaldi e Domingas Buchi, tinha um irmão, José. A família trabalhava como colonos numa fazenda na região de Marília — colonos era a denominação que se dava ao trabalhador que cuidava da lavoura para o dono da fazenda, morando ali mesmo, numa casa oferecida pelo proprietário.
“Não tinha dinheiro, mas comida nunca faltava” — era o que Luiz sempre falava. Verduras, frutas, legumes e aquela carne de porco que ficava envolta na banha, uma vez que não havia refrigeração. Era uma fartura. Ele e o irmão tocavam e cantavam. Luiz tocava gaita e cavaquinho. José tocava violão. Juntos tocavam e divertiam os amigos em Ibitinga.
Mas, aos 16 anos, uma grave doença acometeu o pai Guerino e a família veio para São Paulo na busca de uma cura. Apesar da via sacra para tentar salvar o pai, os esforços foram em vão e, em pouco tempo, o Seu Guerino morreu.
Sem estudo — Luiz nunca havia frequentado uma sala de aula —, sem trabalho e morando num cortiço na Vila Maria, com a mãe e o irmão, a vida se apresentou bastante dura para esse jovem recém-chegado. Até o banheiro era compartilhado com várias famílias. Apesar de nunca ter frequentado uma escola, ele sabia ler, sim. Aprendeu na fazenda mesmo.
Luiz foi corajoso e audacioso e se matriculou num curso técnico em Contabilidade. Arrumou um emprego de auxiliar em uma loja e à noite passou a frequentar as aulas Muitas vezes sem comer, enfrentava todas as dificuldades de quem nunca tinha entrado numa sala de aula. A vontade de desistir o acometeu, principalmente quando era a bola da vez na “chamada oral”.
Inesquecível a sua narrativa sobre o dia em que o professor de português pediu para que ele se levantasse e respondesse:
— Luiz, o que é um encontro vocálico ? Ele nunca tinha ouvido falar.
— Bem, professor, um encontro vocálico é um encontro vocálico.
Diante das risadas dos colegas e da expressão atônita do professor, que ainda emendou um “estão vendo? Nunca se esqueçam dessa brilhante definição!”, aquele foi mais um dia em que Luiz pegou suas coisas, saiu da sala e jurou que nunca mais voltaria. Entretanto, foi convencido por outro professor que o interpelou por perceber a sua fisionomia transtornada.
Luiz resolveu tentar mais uma vez depois da promessa do professor, que se tornou inesquecível para ele, de que conversaria com alguns colegas para que o auxiliassem com as dificuldades que ele tivesse na escola. E assim foi… aos trancos e barrancos, Luiz conseguiu o seu diploma de Técnico em Contabilidade, que garantiu a sua sobrevivência e de toda a família.
Luiz casou, reformou a casa da sua sogra para que pudesse nela morar junto com sua esposa e ainda construiu uma casa para sua mãe e outras duas que lhe garantiram uma renda extra pelo resto de sua vida. Teve três filhos.
Apesar de nunca ter estudado o primeiro grau, formou os três filhos. Meu irmão engenheiro, formado pela USP de São Carlos, hoje trabalhando e vivendo nos Estados Unidos. Eu, arquiteta, formada pela FAU/USP, hoje aposentada e trabalhando na empresa de meu marido. Minha irmã caçula cirurgiã dentista, formada pela Camilo/Castelo Branco
Essa é a minha história de São Paulo. A história do meu pai, que morreu em 2004, aos 79 anos; que veio de Ibitinga e foi acolhido pela cidade; que mudou a sua vida, uma vida que lhe deu todos esses presentes, como ele mesmo dizia.
Vera Lucia Crepaldi Selma é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Envie seu texto agora para contesuahistoria@cbn.com.br