Por João Marcelo Queiroz
Ouvinte da CBN
Cheguei a São Paulo em uma madrugada de sábado, com três bagagens e nenhum saber sobre o futuro. Era o ano de 1999. Era o meu ano 26 de vida. Vim de Salvador para morar com um amigo de infância que havia passado em concurso público. A ideia era alugarmos um apartamento de dois quartos. O que ele encontrou foi lugar em um enorme condomínio de prédios, no Parque Dom Pedro.
Tentava me convencer de que seria legal. Teríamos a liberdade de dois jovens, na maior metrópole do país, para crescer profissionalmente. E fazer farras homéricas. Eu vinha, tal qual Caetano, de “outro sonhe feliz de cidade” e os meses seguintes me ensinariam “a chamar-te (São Paulo) de realidade.
Minha bolha social de filho classe média privilegiada se rompia naquele janeiro chuvoso. Não tinha mais carro emprestado do pai para a farra ou a praia; não tinha mais jantares na casa de parentes; ou festas nos amigos. Tinha pouco dinheiro no maior centro financeiro do Brasil. A cidade não sabia quem eu era. Não queria saber.
As semanas passavam na mesma velocidade da vida paulistana. Pegava metrô, descia na estação Dom Pedro, baldeava na Sé e seguia até a São João. Trabalhava no escritório de uma empresa na Maestro Cardin. Os fins de semana faziam pouco sentido para um amante da praia obrigado a andar a esmo no parque do Ibirapuera. As farras e ficantes, nos forrós universitários, traziam um pouco do meu mundo de volta.
O jeito com que alguns se relacionavam comigo me devolvia à realidade. Sentia-me “a gente feia e os ignorantes”, cantados pelo Ira. Sentia a xenofobia dos grandes centros do sudeste quando lidam com nordestinos. A cada alfinetada, o refrão se repetia:
“Não quero ver mais essa gente feia
não quero ver mais os ignorantes
Eu quero ver gente da minha terra
Eu quero ver gente do meu sangue”.
Pobre Paulista, IRA
O nordestino, é antes de tudo, um forte —- e reescrevo assim frase de Euclides da Cunha, em Os Sertões, a despeito de sua segunda parte ser outro exemplo de racismo. A perseverança em desconsiderar insultos, a maioria velados, e seguir na construção de um carreira começou a render frutos. A compra do primeiro carro com meu próprio dinheiro foi um marco. Depois, a mudança para um apartamento alugado, no Campo Belo. Ainda assim, eu me sentia como um homem que virou suco. Tinha sido esmagado e todo meu sumo tirado pela selva urbana e sua impessoalidade.
No dia do meu aniversário, bebendo uma cerveja no Borracharia Bar, na Vila Madalena, decidi ir embora. Deixei São Paulo! A cidade nunca me deixou partir por completo. Desde a primeira metade da década de 2000, volto a trabalho, quase que semanalmente, e aprendo a ver São Paulo por uma ótica mais leve.
Se por um lado surge uma chama de pequenas dores vivenciadas, por outro sobra o reconhecimento que viver na cidade me ajudou a amadurecer. São Paulo me abriu caminhos para ser o profissional que sou e confrontou muitas certezas e a soberba da juventude para me tornar mais humano. Quando a cidade tirou meu mundo de privilégios, me retribuiu, ensinando a ver as dores e as dificuldades alheias, criando em mim um olhar mais inclusivo.
João Marcelo Silva Queiroz é personagem do Conte Sua História de São Paulo e autor de um livro: “um surfista no mundo corporativo”. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite agora o meu blog miltonjung.com.br e assine o podcast do Conte Sua História de São Paulo
