Se você deixar a tristeza invade até o paraíso

Por Abigail Costa

@abigailcosta

Foto de Masha Raymers

O que é a tristeza a não ser a vontade de não ser e não estar; o desejo de habitar qualquer momento que não seja o presente, de preferência como uma sombra. Num passado nem tão passado assim, vi chegar o que mais desejava na vida: tempo, sem compromisso, sem hora marcada — quase que uma dádiva! 

O tempo veio seguido da aposentadoria, o que não é motivo para reclamação. Só que … (essas duas palavrinhas quase que já anulam o parágrafo). Outras situações apareceram sem serem convocadas. A intenção era a de cuidar mais das crianças, sem considerar que elas já tinham crescido. De viajar no meio da semana, esquecendo-me que todos os demais ainda não estavam desempregados, ops!, aposentados. Filhos, marido, irmãs, amigos, todos gerindo suas vidas e eu sem saber o que fazer da minha com todo o tempo adquirido.

Eu que passei boa parte da vida cuidando das pessoas — e aqui faço a defesa delas, nunca me pediram –; eu que sempre me enfiava de alguma maneira nesse negócio de cuidar da “vida dos outros” para aliviar a carga seja lá de quem fosse (do porteiro, do entrevistado, do amigo), esqueci de colocar no calendário a chegada da menopausa. Justo eu que conversava com médicos diariamente e falava sobre a saúde da mulher, dia sim dia não, começo a me sentir meio “acho que parece que não sei”.

Devo ter desacelerado muito rapidamente do trabalho, pensei, procurando uma justificativa para a tristeza que dava um jeitinho de entrelaçar os dedos com os meus. Os meninos já estão grandes e saindo de casa, é a síndrome do ninho vazio (tenho horror a esse termo, Freud explica!) me disse um profissional da área da saúde. O marido está trabalhando demais, será que isso não te incomoda, sugeriu uma conhecida.

O curioso, avaliando depois de algum tempo, é que todas as possibilidades para detectar de onde vinha e por que vinha essa tristeza faziam sentido. Eu entendia os fatos racionalmente, só não compreendia a dor da tristeza, o que estava para além da minha inteligência.


Por um longo período, tratei a tristeza com remédios para depressão e fui tocando a vida com todo o tempo para fazer a “colher de pau e bordar o cabo”, ou seja, fazer tudo que eu desejava fazer com o tempo. Pulei do “nossa já é essa hora?” para o “ainda é essa hora?”.


Conversando com uma amiga médica, ela pediu para olhar os meus exames de contagem hormonal (hoje pra mim parece tão óbvio). Meus hormônios tinham me abandonado. Sério!  O estrogênio, a progesterona e a testosterona  não apareciam na quantidade mínima no meu organismo. Foi quandome dei conta que, além da ausência dos filhos, da chegada da aposentadoria, e de todas as razões possíveis para estar “mal” e não saber a causa, deveria ter colocado no topo da pirâmide, a menopausa e todos os seus sintomas.

Hoje, quando ouço uma mulher falando que está se sentindo triste, eu pergunto: quantos anos você tem? Esses sintomas tem relação com os seus hormônios? Seu médico conversou isso com você?


Tanto quanto procurar um profissional de saúde, é importante o autoconhecimento e entender as nossas fases e o que elas nos trazem. Faz-se necessário a gente cuidar da gente e isso não implica  ter todo o tempo do mundo. Só precisamos de  um pouco desse tempo para prestar atenção no que está e no que vai nos acontecer.


Durante algum tempo a tristeza invadiu até o meu paraíso; hoje tenho noção que foi quando me faltaram hormônios e me sobraram demônios!

Abigail Costa é jornalista, apresenta o programa “Dez Por Cento Mais”, tem MBA em Gestão de Luxo, é estudante de Psicologia na FMU, faz pós-graduação em Gerontologia, no Hospital Albert Einstein, e escreve como colaboradora a convite do Blog do Mílton Jung.

19 comentários sobre “Se você deixar a tristeza invade até o paraíso

  1. Texto perfeito e necessário! As “invasões bárbaras” acontecem sempre quando as nossas defesas, sejam elas físicas ou psíquicas, baixam a guarda. Então é cuidar-se mais e reforçar esse nosso exército particular, com saúde e alegria!

  2. Querida Abs, que texto mais perfeito!
    Espetacular mesmo! São tantas coisas, tantas verdades!
    Parabéns por colocar em palavras o que tanta gente sente!♥️

  3. Que interessante seu texto, Abigail.
    Ilustra muito bem as questões biopsicossociais que envolvem os processos que vivenciamos ao longo da vida, e sem dúvida, a aposentadoria é aspecto pessoal e social muito importante e pouco aprofundado…
    Seu texto acende um sinal de alerta que acolhe, mas ao mesmo tempo nos provoca: será que estou preparado?
    Beijo e sucesso!

  4. Big, você sabe o carinho, a admiração e o respeito que tenho por você. Você sempre foi um grande amiga, mesmo não nos encontrando o tempo todo, mas no fundo isso talvez seja a verdadeira amizade. Aquela que não cessa, aquela que não sobre abalos pela distância ou frequência. Ler um texto como este que você publicou é fantástico. Parabéns por ser sempre transparente e nunca ter medo de colocar suas verdades e seus sentimentos.

  5. Quanta realidade no seu texto! E quanta sensibilidade em cada sentimento revelado! Precisamos falar mais sobre esta fase da mulher no qual misturamos as mudanças hormonais com tantas mudanças de vida. Parabéns Abigail 👏🏻 por um texto tão poderoso 👏🏻

  6. Que texto incrível Abigail! Nossa e se pensarmos quantos diagnósticos de depressão que na realidade são deficiências hormonais ou outras condições que interferem no nosso humor… Muito atual esse tema! Parabéns!! Muito orgulho de você!

  7. Esta é a Abigail que conheço : mulher lutadora, alto astral que ninguém derruba! Nem um bando de hormônios ausentes, ou um ninho vazio ou ….. Você enfrentou e tá surfando nesta onda que a vida te trouxe. Obrigada pelo seu testemunho neste bem escrito texto. Outras ondas virão: vamos continuar nos preparando para elas! Beijo da comadre!

  8. Esta é a Abigail que conheço : mulher lutadora, alto astral que ninguém derruba! Nem um bando de hormônios ausentes, ou um ninho vazio ou ….. Você enfrentou e tá surfando nesta onda que a vida te trouxe. Obrigada pelo seu testemunho neste bem escrito texto. Outras ondas virão: vamos continuar nos preparando para elas! Beijo da comadre!

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