Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que só jogou hoje

Diego Felix Miguel

Foto de Jorge Acre

Prezada leitora e prezado leitor,

O título deste texto é um ditado Iorubá que escolhi para iniciar uma reflexão sobre envelhecimento, velhice e política. Utilizá-lo valoriza a sabedoria ancestral, fundamental para os temas que proponho discutir neste momento.

Confesso que, de início, tive dificuldade em entender completamente o significado desse ditado. Conversei com pessoas amigas para esclarecer melhor sua profundidade. Não pretendo ser didático em relação à Exu, já que não tenho o conhecimento necessário. Contudo, o pouco que li sobre essa entidade, despertou em mim grande curiosidade e fascínio.

Voltando ao título, este ditado nos convida a pensar sobre o tempo de maneira diferente, sugerindo que o presente pode afetar não apenas o futuro, mas também o passado. Não se trata de ficção científica, mas de honrar a história daquelas pessoas que vieram antes de nós. O compromisso com o passado e o futuro deve sempre buscar o desenvolvimento social, científico e humano.

Todas as pessoas que vieram antes de nós, seja pelos bons ou maus exemplos, moldaram o presente em que vivemos. Como reagimos a este momento é o que faz a diferença. É a pedra que podemos ou não atirar.

Envelhecimento, velhice e política: pedra ou cadeira?

As decisões que tomamos hoje influenciam diretamente como viveremos no futuro e revelam o quanto aprendemos com o passado. Que histórias honramos e qual futuro queremos construir?  Nossas escolhas afetam questões como violência, desigualdade social e a privação de direitos básicos, que agravam a vulnerabilidade de muitos.

Quando falo de decisões, não me refiro apenas ao voto ou à política eleitoral, mas ao nosso compromisso político-social diário, nas relações pessoais, profissionais e até nas redes sociais. O envelhecimento, assim como gênero, raça, classe social e tantos outros aspectos que nos diferenciam, formam nossa identidade, e, em uma sociedade machista, racista e idadista, essas condições nos tornam mais vulneráveis.

Estamos na “Década do Envelhecimento Saudável nas Américas – 2021-2030”, e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) nos alerta sobre os desafios do envelhecimento populacional para uma sociedade que não se preparou para vivenciar essa transição. A proposta não desmerece a velhice, mas valoriza a longevidade, afinal, viver mais é uma grande conquista.

A OPAS apresenta que é possível acolher as velhices em sua diversidade, com a participação social de todas as pessoas, em suas diferentes identidades, realidades e contextos, de forma representativa, para a construção de políticas públicas voltadas às demandas sociais reais. Mas, para isso, é preciso empenho, solidariedade e empatia.

Devemos refletir: estamos prontos para atirar a pedra certeira, que trará mudanças, ou preferimos repousar na cadeira da hipocrisia, ignorando as lições que o passado nos ofereceu?

Diego Felix Miguel é especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e presidente do Depto. de Gerontologia da SBGG-SP, mestre em Filosofia e doutorando em Saúde Pública pela USP. Escreve este artigo a convite do Blog do Mílton Jung.

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