Por Maria Lucia Solla

Todo mundo que fala português usa, usou ou vai usar, a expressão matar a saudade. Pois eu, que tenho precisado dar conta dela em muitos dos seus nuances, de diferentes ângulos, me dou conta de que matar a saudade não traduz realidade, mas sonho.
saudade é impalpável
invisível incontrolável
imortal
não há como
matar
saudade
é o não perceber
presença
na
ausência
Bom seria não sentir saudade, para não ter que ficar espantando a danada o tempo todo. Ela chega chegando e entra em atrito com os pensamentos da gente e manda fagulhas ao contrário, do telhado para a fornalha, da cabeça para o estômago. Não dá para evitar a saudade, mas também não dá para resistir a chocolate, e a gente até resiste de vez em quando. O bom seria não sofrer com ela, mas ouvir o que tem a dizer e para que caminho aponta. Apesar de que noventa e nove por cento das vezes ela aponta para o caminho errado, do passado, do previsível matematicamente, sem saída. De qualquer modo, decidi mudar a expressão para espantar a saudade, em vez de matar. Nem que seja só para diminuir a violência expressa no pacote.
a gente
cai na real
e entende
finalmente
que ela é imortal
e que
não adianta
tentar
a saudade matar
E seguindo a pista do matar a saudade, encontro matar a sede e matar o tempo. Nesses casos vou manter o matar.
não vejo razão nenhuma
para
da sede arrancar
a morte
é evitar
que cresça
firme
e forte
quanto ao tempo
quem sou eu
para emitir opinião
nem sei
se
sou eu que vivo nele
ou
ele é que vive em mim
Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung
