Mundo Corporativo: Eduardo Migliano, da 99Jobs.com, quer capacitar até 10 mil jovens negros a cargos de liderança

“Quem de fato tem que atuar de forma mais efetiva são as pessoas brancas. Se você nunca se perguntou a respeito, comece a se perguntar; se você ainda não entende o motivo pelo qual esse é um tema, que ele é caro para a sociedade brasileira hoje, comece a se perguntar”.

Eduardo Migliano, 99Jobs.com

Mudar o mundo ajudando as pessoas brancas a fazerem o que amam. Imagine o escândalo que seria uma empresa adotar publicamente esse propósito. Pois foi essa proposta que Eduardo Migliano, empreendedor por criação e um ‘revolucionário’ por opção, fez aos colaboradores da plataforma de recursos humanos criada por ele e um sócio, em 2013. Após alguns anos de atuação e percebendo que o seu negócio pouco ajudava na colocação de negros no mercado de trabalho, Eduardo chamou toda a equipe e decidiu dar um chacoalhão na turma. 

Ao reescrever o propósito da empresa que até então era ‘mudar o mundo ajudando as pessoas (qualquer pessoa) a fazer o que amam’, Eduardo conseguiu seu objetivo. Abrir o olho do seu time para o papel que estava se prestando ao não atuar de forma proativa para ajudar pessoas negras a se desenvolverem profissionalmente. A partir desse movimento, ideias surgiram e medidas transformadoras foram adotadas.

No programa Mundo Corporativo da CBN, Eduardo Migliano, CEO e cofundador da jobs99.com (não confunda com a 99 que transporta passageiros), lembrou que foi a plataforma quem atuou ao lado do Magazine Luiza no recrutamento exclusivo de jovens negros, em 2020 — programa que teve enorme repercussão e causou muitas críticas de setores conservadores da sociedade brasileira. Prova de que a luta anti-racista é árdua. 

Eduardo apresentou, durante a entrevista, o novo projeto que a 99Jobs.com está engajada: promover 3 mil jovens negros a cargos de liderança, até 2030. Para isso, está no ar com o programa ’10.000 Trainees Negros’, que tem como objetivo capacitar os talentos negros em temas como racismo estrutural e democracia racial assim como em gestão e tecnologia. Faz parte de parceria firmada com a ONU na qual a plataforma brasileira de recursos humanos se transforma em embaixadora do Pacto Global das Nações Unidas no Movimento Raça é Prioridade.

Diante de tudo que você leu até aqui, era de se esperar que Eduardo Migliano fosse um líder negro atuando em defesa dos próprios negros. Quando você der uma espiada no vídeo da entrevista do Mundo Corporativo perceberá que não é bem assim. Eduardo é apenas um líder que decidiu transgredir a ordem e usar dos privilégios que teve na vida para criar oportunidade àqueles que tendem a ‘desaparecer’ no mercado de trabalho. Uma missão que, segundo ele, tem de ser assumida pelos brancos.

“Quando a gente olha para as organizações a gente vê apenas um público crescendo. É só você entrar na Faria Lima ou em qualquer rua que seja um polo empresarial e ver quem está entrando pela porta da frente. Essas pessoas têm uma cor. Isso está errado. Quando a gente fala de Brasil, 56% das pessoas são negras e pardas”.

Uma preocupação no programa desenvolvido é que os negros não sirvam apenas para ocupar cargos de liderança, por exemplo, na área de diversidade e inclusão —- sem nenhum desprezo a essa área, chamada de ‘biodegradável’ por Eduardo. Há necessidade que eles sejam capacitados para atuar em todos os setores da empresa. Eduardo explica que o risco que se tem é que um negro que ocupe uma função na área de marketing acabe sendo deslocado para a de diversidade — e a vaga anterior dele seja preenchida por um branco. 

“A gente provoca é para que as pessoas negras de alguma forma coloquem em seus contratos de entrada nas organizações que quando ela sair dessas cadeiras a pessoa que vai sentar no lugar dela também vai ser uma pessoa negra porque assim você vai trazendo legado”.

Para saber como participar do programa de desenvolvimento profissional de jovens negros, entender a importância de você se engajar nessa luta e aprender um pouco mais sobre os benefícios que as empresas e a sociedade têm a partir da ampliação das vagas para o público negro e pardo, assista à entrevista completa com Eduardo Migliano, CEO da 99Jobs,com.

O Mundo Corporativo tem a colaboração de Bruno Teixeira, Renato Barcellos, Priscila Gubiotti e Rafael Furugen.

Bancada federal do voto nulo teria sete “não-deputados” de SP e seis do RJ

 

congresso nacional.

 

Na mesa do Café onde se reúne o pessoal da rede Adote um Vereador só rola café e água; quando exagera, a turma pede algum suco da casa. Faço o registro para deixar claro que nossas conversas são por nossa conta e risco, e qualquer ideia mais estranha que surja é de sã consciência.

 

No fim de semana que se foi, a Ruth Pereira, conselheira da Sub-prefeitura do Aricanduva, na zona Leste da capital paulista, estava incomodada com a quantidade de votos brancos, nulos e abstenções da última eleição. Em São Paulo, 20% dos mais de 31 milhões de eleitores não apareceram para votar, e dos 25 milhões que votaram, cerca de 20% não escolheram presidente da República, deputado federal ou estadual. No Rio de Janeiro, que tem em torno de 12 milhões de eleitores, os índices de abstenção ou nulos e brancos foram muitos parecidos com os de São Paulo.

 

A questão que se colocou na mesa é qual a validade dos votos brancos e nulos. Do ponto de vista da lei eleitoral, nenhuma. Brancos e nulos são deixados de lado – são chamados de votos não-válidos. Para os cálculos do TSE contam apenas os votos válidos, dados para partidos/legendas ou candidatos.

 

Na eleição majoritária (presidente, governador e senador) quem ganha mais voto é eleito, lembrando que para presidente e governador é preciso ter 50% mais um dos votos válidos, caso contrário realiza-se segundo turno.

 

Na eleição proporcional (deputados federal, estadual e distrital), o tribunal soma todos os votos que foram registrados para partidos e candidatos, divide pelo número de cadeiras em disputa e determina o coeficiente eleitoral: é o número mínimo de votos que o partido e a coligação precisam ter para eleger um representante. Quanto mais vezes partido e coligação somarem esse coeficiente mais representares terão no parlamento.

 

Então, para que servem brancos e nulos?

 

A princípio para o eleitor mostrar falta de confiança ou descontentamento com os nomes apresentados pelos partidos – arrisquei o palpite durante nosso encontro do Adote um Vereador. Foi então que imaginamos transformar esses votos ou parte deles em algo muito mais significativo e exemplar para a política brasileira. Criaríamos uma espécie de bancada dos votos não-válidos que seria ocupada por nenhum candidato. Isto mesmo, estes votos seriam somados com os válidos e ajudariam a formar o coeficiente eleitoral. Ao contrário de partidos e coligações, os não-válidos não-ocupariam a quantidade de cadeiras conquistadas, que permaneceriam vazias, sem representatividade.

 

Nunca se sabe o que pensa o eleitor quando vai a urna e vota branco ou nulo, mas imaginemos que os que apertaram a tecla “branco” estejam apenas dizendo que tiveram dificuldade para se decidir por um ou outro e resolveram deixar para os demais eleitores escolherem por ele. Já quem vota nulo costuma ser contra a eleição de todos aqueles que lá estão. É um voto de protesto, assim como votávamos em macacos e em hipopótamos na época da cédula de papel. Para ser justo com a cabeça do eleitor, decidi fazer o cálculo da bancada do não-voto apenas com os votos nulos.

 

Veja o resultado:

 

Em São Paulo, na eleição para deputado federal tivemos quase 21 milhões de votos válidos e cerca de 2,3 milhões de votos nulos. Somados temos 23,3 milhões de votos que divididos por 70 cadeiras, que é o número de deputados que o Estado tem direito na Câmara Federal, resulta em coeficiente eleitoral de pouco mais de 333 mil votos. Com base nesse cálculo, ficaríamos com sete das 70 cadeiras vazias. A bancada do não-voto estaria atrás apenas das do PSDB, PT e PRB.

 

No Rio de Janeiro, 7,6 milhões votaram para candidato ou legenda na disputa pela Câmara dos Deputados, enquanto 1,1 milhão anulou o voto. Total: 8,7 milhões. Divididos por 46, número de cadeiras disponíveis em Brasília para o estado fluminense, chegamos ao coeficiente eleitoral de 190,5 mil. Tudo posto, o Rio teria seis deputados a menos.

 

Aplicados os mesmos critérios e considerando os números divulgados pelo TSE para as Assembleias Legislativas, São Paulo ficaria com dez parlamentares a menos do que os atuais 94 ; enquanto o Rio, com menos nove de um total de 70 deputados estaduais.

 

Com o risco de perderem representatividade nas casas legislativas, com menos deputados, menos poder, menos cargos de confiança, menos custo nos gabinetes, talvez os partidos fossem obrigados a se esforçar para engajar o eleitor e aumentar sua participação nas urnas apresentando nomes e programas que estivessem voltados aos interesses do País. Em contrapartida, o eleitor preocupado em ver seu Estado perder representatividade na Câmara Federal forçaria um elenco melhor de candidatos.

 

Evidentemente que essa não é uma proposta para ser encampada pela legislação eleitoral, é apenas uma provocação. A eleição tem de ser um propulsor da democracia e a presença do eleitor na urna, o caminho da transformação. Os partidos poderiam, porém, aproveitar esses números para refletirem sobre o que estão fazendo com a política e a democracia brasileiras.

 


A foto que ilustra este post é do álbum de Maria Heinz, no Flickr

Mais da metade dos votos nulos não cancela a eleição

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

 

Diante dos sucessivos escárnios ocorridos na república, o sentimento de indignação dos eleitores vem adquirindo contornos extremos e até peculiares. Por conta disso, a ideia de uma “nova eleição” ante um hipotético predomínio dos votos nulos sobre os válidos como forma de protesto dos eleitores tem sido noticiada. Os adeptos desta duvidosa solução para as anomalias e mazelas do país sustentam que se mais da metade dos votos do dia do pleito forem anulados pelos eleitores, haverá uma “nova eleição” e que os candidatos que participaram da primeira não poderão concorrer na seguinte. Negativo.

 

O ordenamento jurídico brasileiro define objetivamente que será considerado eleito o candidato que obtiver a maioria absoluta de votos, desconsiderados brancos e nulos. Ou seja: vencerá o pleito majoritário quem obtiver metade mais um dos votos válidos, do país ou do estado. Mesmo que a eleição tenha reduzidos percentuais de participação, sempre haverá a formação de uma maioria e algum candidato será eleito, salvo se o comparecimento do eleitorado às urnas for zero, o que não se cogita nem como grotesca ilustração.

 

A “tese” da anulação de uma eleição para que outra lhe suceda, com ou sem os candidatos da primeira, corresponde a uma pregação inútil porque juridicamente impossível. O sistema, ainda que imperfeito e por isso sujeito a ajustes periódicos pelo Poder Legislativo, não estabeleceu regras frágeis ou vacilantes a ponto de vulnerar a democracia que o sustenta.

 

De outra parte, esclareça-se que o Código Eleitoral determina que uma “nova eleição” somente ocorre se aquele que venceu o pleito por mais de 50% dos votos tiver o seu registro ou diploma cassado por decisão da Justiça Eleitoral diante de abuso, corrupção ou inelegibilidade.

 

Disseminar fórmulas juridicamente inconsistentes é um desperdício de tempo e opções, especialmente diante de mandatos que se estendem por no mínimo quatro anos. A manifestação apolítica do eleitor anulando o seu voto corresponde a uma forma livre e legítima de expressar a sua rejeição por candidaturas, pela política ou até mesmo pelo voto obrigatório vigente no país. Entretanto, votos nulos não tem serventia democrática porque não foram direcionados a nenhum candidato. Vale dizer: não são contabilizados.

 

Enfim: nas democracias contemporâneas e organizadas, ainda que alguns divirjam, sempre existem eleitores e eleitos.

 


Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor dos livros “Prefeitos de Porto Alegre – Cotidiano e Administração da Capital Gaúcha entre 1889 e 2012” (Editora Verbo Jurídico), “Vereança e Câmaras Municipais – questões legais e constitucionais” (Editora Verbo Jurídico) e “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.

De câncer social

 

Por Maria Lucia Solla

 

 

No meu tempo de criança a gente não dizia a palavra câncer. Tinha uma amiga dos meus pais, muito frágil, que visivelmente sofria e definhava mesmo aos olhos de uma criança, mas eu ouvia dizer que ela tinha ‘aquilo’ ou ‘aquela doença’. Fui ouvir o nome da doença pronunciada com todas as letras, muito tempo depois. E fui ligar os pontos, ainda mais tarde. Para se referir a ela, levavam uma das mãos à boca e baixavam o tom da voz. Ainda era comum franzir a testa, inclinar a cabeça para um lado, erguer o ombro correspondente e olhar com cumplicidade mórbida, dando uma fungada profunda, longa e ritmada em sinal de lamento.

 

O que se passava no íntimo dessas pessoas, e o significado de tantos gestos simbólicos, se traduz numa palavra: preconceito. E é o mesmo preconceito que nos acompanha em tudo, desde sempre e ainda hoje. Inconformismo frente às curvas da vida, preconceito, medo, birra infantil fora de época, sofrimento frente ao novo, desconfiança do desconhecido, medo, preconceito. E mesmo querendo evoluir, andamos na direção oposta fortalecendo o medo, que é solo fértil para o caos estéril.

 

Branco tem preconceito de negro, negro tem preconceito de branco, e os cínicos têm preconceito da palavra negro e da palavra branco. Nos Estados Unidos, durante o julgamento de um branco que matou um negro – George Zimmerman X Trayvon Martin – só o que se ouvia, para se referir a ‘negro’, era ‘the N-word’, ou seja: a palavra que começa com ‘n’. Uma apresentadora de tevê acabou profissionalmente destroçada por ter usado a palavra ‘negro’, no ar. Ela explicou que cresceu usando e ouvindo as palavras negro, branco e índio – quando as palavras e nós éramos mais livres – durante toda sua vida, e que às vezes deslizava. Eu também deslizo.

 

pobre tem preconceito de rico
inculto de culto
medo

 

vice
versa
medo

 

quem acorda cedo
de quem abre os olhos
tarde
medo

 

o agressivo
de quem
é suave
o que não sua
do que sua

 

e onde fica o
cada um na sua
?

 

Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.

 

Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung