Por Randel Vieira Araujo
Ouvinte-internauta da Rádio CBN
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Meus pais são de Minas Gerais. Vieram para São Paulo onde construíram nossa família. Nas férias voltávamos para Belo Horizonte, onde ficávamos na casa de meus avós maternos. Viajávamos de ônibus. E essa experiência ficou marcada para sempre na minha vida.
Sabe aquela sensação que muitos garotos têm quando vão com seus pais ao estádio de futebol assistir ao jogo do time do coração? Era isso que eu sentia sempre tínhamos uma viagem de ônibus. Era mágico.
Usava a melhor roupa para ir a rodoviária. Ficava deslumbrado com aquela sequência de chegadas e partidas de ônibus da Viação Cometa, empresa de transporte rodoviário que aprendi a admirar. Todos os ônibus alinhados, limpos e sincronizados.
A ansiedade marcava a espera pelo Cometa que nos levaria a Belo Horizonte. Naquela época, era o imponente e respeitado modelo Dinossauro, fabricados pela Ciferal, que mais tarde teria seu direito de produção comprado pela própria Viação Cometa, para que, em 1984, surgisse de fato o primeiro ônibus produzido pela empresa: o Flecha Azul, que teve oito versões diferentes.
Não tinha como não notar que, ao entrar no ônibus, além da rampa no começo do corredor, sentia-se um cheiro de tutti-frutti inconfundível. Era um produto usado para deixar o ambiente mais agradável.

Tudo era mágico. a saída da rodoviária, a parada na garagem para troca de motorista … O que você sentiria entrando na fábrica da Ferrari, por exemplo, era o que eu sentia naquele local. Ao entrar na garagem via aquelas máquinas estacionadas, umas na revisão, outras na manutenção ou sendo preparadas para novas viagens. Cada motorista tinha uma placa com o seu nome que era colocada no teto do ônibus na parte frontal. Eles trocavam as placas assim que davam lugar ao seu substituto.
A viagem naquela época durava até nove horas e havia três paradas. Uma delas exatamente na metade do trajeto na cidade de Campanha. Ali, estrategicamente construído, existia um ponto de apoio, onde ficava um ônibus de reserva para emergência, em caso de uma pane. Essa prevenção adotada nos anos de 1980 era uma demonstração de como a empresa estava à frente das concorrentes.
Nas viagens noturnas era mágico ver quando os ônibus se cruzavam. De maneira sincronizadas, os motoristas apagaram as luzes e deixavam apenas os faróis de ligação direta, acionando as setas da direita para a esquerda. O jogo de setas era uma imagem fantástica e só quem viveu estes tempos áureos pode descrever.
A Cometa foi fundada em 1947 com o nome de Auto Viação Jabaquara, aqui em São Paulo, para transportar compradores de terrenos da região da Vila Mariana até o Jabaquara. Cresceu tanto que foi arrestada pela antiga CMTC. Mais tarde, seu fundador, o o agrimensor da esquadra Italiana, Major Tito Mascioli, fundou a Auto Viação São Paulo-Santos, que posteriormente veio a dar lugar a Viação Cometa S/A. Foi inovadora ao seu tempo: foi pioneira no uso do rádio transmissor, teve ônibus movido à álcool, implantou câmbio de transmissão invertida, criou modelo de gestão verticalizada, manteve gráfica própria para produção de passagens, entre outros avanços.
Foi vendida em 2001 para o Grupo JCA que para preservar a memória da empresa restaurou o último Flecha Azul produzido. Na comemoração dos 65 anos da Cometa, em 2012, esse modelo fez 65 viagens em todas as linhas do grupo e, por onde passou, arrancou as mais diversas reações, como as pessoas relembrando história que viveram a bordo desse ônibus, com saudosismo e carinho.
Randel Araújo é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte outros capítulos da nossa cidade: escreva para milton@cbn.com.br.

