Por Maria Lucia Solla

Ouça este texto na voz e sonorizado pela autora
Preparando o almoço, mantive um olho na faca e outro na Valentina e, como sempre, aprendi com ela.
Valentina come um prato de ração e uns dois biscoitinhos caninos por dia divididos ao longo do dia. De manhã come meia maçã dividida em quatro pedaços. É um ritual gostoso, divertido; enquanto preparo o café da manhã, dou a ela um a um os quatro pedaços. Quando corto a maçã ela vem se chegando, senta perto de mim de frente para o balcão da pia, sem dar um pio, me olha sem piscar e sem mexer, dos lindos cabelos, um fio. Eu ofereço um pedaço, ela se levanta, se apoia nas patinhas traseiras, se estica e delicadamente recebe a maçã da minha mão; então se vira e vai para a sala, deita na caminha de lá e roc-roc. Terminado o primeiro pedaço ela volta, e o ritual se repete; mas ela não volta depois do quarto pedaço. Eu me encanto e penso que ela é melhor do que eu na relação com números! Além desses hábitos, quando preparo alguma coisa e corto tomate ou manga, ela sente o cheiro – adora tomate e manga!! – se põe perto de mim, sentadinha, olhando para cima na esperança de um pedaço e sempre recebe um agrado. Geralmente mais de um.
Agora, tem vezes em que estou preparando outra coisa, como hoje, quando eu cortava uma berinjela em cubinhos, ela, mesmo sem sentir o cheirinho característico do que gosta, e sabe que eu dou, se planta ali e fica de guarda. Patrulha a pia. Eu digo as palavras mágicas: não tem nada, não pode, vai brincar, e ela se vira, faz menção de sair e volta. Se põe um pouquinho mais longe, mas fica ali olhando para mim. Vai que…
E eu fiquei ali encantada, sorrindo feito boba, porque me dei conta da tenacidade dela, da esperança, da fé inquebrantável num bichinho tão pequeno, que dizem não pensar.
O cachorro é tão condicionável quanto nós, certo? Posso ir até a pia e cortar o que for, que ela fica por perto mesmo tendo ouvido as palavras mágicas que querem dizer: vai para a tua caminha que aqui não tem nada para você. Ela entende, não pede coisa nenhuma, mas fica ali, alerta. Vai que…
Então eu sorri, e sorrio até agora quando lembro da caída de ficha desta manhã, e me dou conta de que somos muito mais frágeis do que ela. Desistimos fácil. Quantas vezes desistimos antes mesmo de tentar. E com isso a gente perde, perde, perde. Dali viajei, repensando minha vida, e não paro de sorrir. Devo estar no caminho certo. O que você acha?
Pense nisso ou não, e até a semana que vem.
Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung





